terça-feira, 25 de novembro de 2025

A Geografia Social da Espionagem da Antiguidade à Era Digital

Ao longo da história, e devido à natureza social da humanidade, os espaços e pontos de encontro, juntamente com o comércio, desempenharam um papel fundamental. Eles facilitaram o fluxo de informações, a espionagem e a economia subterrânea.
Das tabernas romanas aos fóruns digitais do século XXI, esses locais funcionaram como territórios estratégicos. Lazer, comércio e segredo convergem neles.
Sua importância reside na capacidade de gerar diversas estruturas sociais com um fluxo constante de informações e relativo anonimato. Isso permitiu que fossem utilizadas para coletar informações, realizar comércio com menor intervenção das autoridades e exercer influência informal desde a antiguidade até os dias atuais, ilustrando a continuidade e a evolução histórica dessas funções.

Antiguidade: as tabernas como epicentro de rumores e segredos.
Na Antiguidade, as tabernas romanas não eram meros estabelecimentos para comer e beber, mas centros vitais de informação não oficial. Soldados, mercadores, escravos e funcionários públicos frequentavam esses espaços. Suas conversas, muitas vezes descontraídas pelo álcool e pela dinâmica social, constituíam uma importante fonte de informação. Essa informação era útil para informantes do Estado e outras partes interessadas.
Representação de uma taberna romana em Pompeia. Fonte: Ciência Histórica
Os donos de pousadas e garçons daquela época (e os garçons da nossa época) desempenhavam um papel crucial. Eles eram testemunhas involuntárias de conversas, ideias e rumores. Sua posição como representantes físicos do estabelecimento permitia que eles tomassem conhecimento de assuntos privados, vigiassem os viajantes e, em muitos casos, trocassem informações por dinheiro ou favores.
Na Roma antiga, a inteligência dependia tanto dos canais oficiais quanto desses locais de socialização, onde o fluxo de notícias podia fornecer indícios sutis sobre mudanças políticas e militares.
Por outro lado, os mercados e as ágoras eram tão importantes quanto, ou até mais, do que as tabernas. Em Atenas, a ágora servia não apenas como local de comércio, mas também como espaço onde os cidadãos discutiam política, recebiam notícias de outras cidades-estados (e regiões) e compartilhavam rumores sobre conflitos.
As caravanas de mercadores, por sua vez, eram portadoras de informações sobre rotas, reinos vizinhos e novos acontecimentos. No Império Persa (e, em menor escala, no Egito), mercados e postos de correio conectavam cidades distantes e facilitavam a espionagem.
Os agentes podiam se mover discretamente, misturando-se aos viajantes ou à população local, e coletar informações sobre fortalezas, tropas e economias regionais. Vale ressaltar também como os terrenos baldios em docas e cais funcionavam como centros de informação. Marinheiros, mercadores e piratas compartilhavam notícias de outras cidades e culturas, criando uma rede de informações informal, porém precisa, que podia ser explorada por atores em conflito.

A Idade Média: Estalagens, mercados e bordéis como centros de informações.
Durante a Idade Média, a queda do Império Romano fragmentou a rede formal de comunicação, mas tabernas, hospedarias e mercados continuaram sendo centros essenciais de informação. Viajantes compartilhavam notícias sobre estradas, bandidos e impostos.
Representação gráfica de uma taverna medieval. Fonte : KCD2 Fandom Wiki
As hospedarias medievais não apenas acomodavam peregrinos e mercadores, mas também reuniam espiões e diplomatas disfarçados de viajantes comuns. Além disso, os estalajadeiros, por conhecerem as rotas e os hábitos dos visitantes, tornavam-se confidentes dos senhores locais ou das autoridades religiosas, oferecendo informações sobre movimentações de tropas ou comércio ilícito.
Os mercados e feiras medievais cresceram em tamanho, tornando-se pontos de encontro internacionais. Mercadores de diferentes regiões do mundo traziam consigo produtos e mercadorias, mas também rumores sobre epidemias, guerras dinásticas ou secas.
Por exemplo, as feiras de Champagne, na França, reuniam mercadores de toda a Europa e se tornavam locais ideais para agentes secretos se infiltrarem entre os vendedores, observando o fluxo de mercadorias, avaliando preços e mensurando a riqueza regional. Os reinos e cidades-estados italianos (como Veneza, Florença e Gênova) aproveitavam essas oportunidades para enviar representantes e mercadores espiões.
Essa inteligência permitiu-lhes negociar tratados mais favoráveis, controlar rotas comerciais, antecipar os movimentos estratégicos dos rivais e planejar investimentos políticos e militares. Assim, o que pareciam ser simples feiras comerciais transformaram-se em centros de espionagem econômica e política, onde a informação fluía das mesas dos mercadores para os corredores do governo nos reinos europeus.
Por fim, os bordéis eram centros de informação altamente privilegiados durante o Renascimento. As cortesãs tinham acesso a informações confidenciais sobre funcionários, comerciantes, mercenários e nobres, e governos ou senhores feudais podiam usá-las como agentes indiretos.
Em cidades como Veneza e Florença, há registros de que as cortesãs desempenhavam funções de espionagem, obtendo segredos políticos, financeiros e militares. A interação íntima permitia que elas adquirissem informações que seriam inacessíveis por meio de canais oficiais ou interações informais sem qualquer grau de vulnerabilidade, transformando esses espaços em verdadeiros centros de inteligência secreta.

A Era Moderna: cafés e diplomacia secreta
Com o surgimento do comércio global entre os séculos XVI e XVIII, os cafés europeus adquiriram um novo papel estratégico. Em Paris, Londres e Berlim, os cafés tornaram-se centros de encontros sociais, debates políticos e troca de informações não oficiais.
Café Lloyd's, Londres, 1798, 1947. Por William Holland.
Intelectuais, revolucionários e diplomatas convergiam nesses espaços, trocando notícias, rumores e opiniões que podiam influenciar a política nacional e a economia.
Um excelente exemplo disso foi o Lloyd's Coffee House em Londres, que não só deu origem à seguradora marítima Lloyd's, como também funcionou como um centro de inteligência naval. Capitães, corsários e marinheiros compartilhavam informações sobre rotas, piratas, batalhas navais e riscos comerciais — informações cobiçadas por governos e agentes privados. Dessa forma, o café tornou-se um espaço onde lazer, economia e espionagem convergiam.
Os cafés de Viena e Paris também eram espaços onde movimentos políticos e conspirações eram tramados.
A facilidade de acesso, a interação social e a relativa liberdade de expressão tornaram esses locais espaços ideais para o planejamento de revoluções e movimentos reformistas. Eles também eram úteis para o recrutamento de agentes secretos. As elites aprenderam a observar e enviar informantes infiltrados. Isso consolidou a ideia de que a informação circula melhor em ambientes sociais do que por meio de canais burocráticos.
Além disso, o comércio e a diplomacia passaram a depender cada vez mais de rumores obtidos em cafés e tabernas. Informações sobre tratados, preços de mercadorias e empreendimentos comerciais circulavam por meio desses "refúgios" sociais, permitindo que diversos atores antecipassem riscos e oportunidades.

Século XX e Guerra Fria: bares, cabarés e espionagem no cotidiano.
Durante o século XX, bares, cabarés e hotéis se consolidaram como centros estratégicos para a espionagem. Eles herdaram o papel histórico dos espaços sociais na circulação de informações.
Cabaré em Berlim, década de 30.
 
FonteWeimarberlin
Durante a Primeira Guerra Mundial, soldados, marinheiros e comerciantes trocavam conversas em tabernas e cafés portuários. Detalhes sobre rotas logísticas e atividades inimigas circulavam nesses locais.
Durante a Segunda Guerra Mundial, locais como os cabarés de Lisboa, Paris, Berlim e Viena combinavam lazer e vigilância. Agentes de diversas nacionalidades trocavam informações sob o pretexto de entretenimento. Enquanto isso, a Resistência Francesa utilizava os cabarés parisienses como refúgio e centro de coordenação.
Esses estabelecimentos também eram frequentados por artistas, aristocratas, burgueses e trabalhadores, criando um ambiente ideal para a circulação clandestina de informações. Os bordéis continuaram a desempenhar um papel crucial, pois as trabalhadoras do sexo ainda obtinham fragmentos de segredos estratégicos inacessíveis pelos canais oficiais.
Durante a Guerra Fria, essa tradição se expandiu para uma escala global. Em Berlim, os cafés da zona ocidental ofereciam um refúgio seguro para diplomatas e espiões, enquanto hotéis e clubes em cidades neutras como Viena, Estocolmo e Zurique se tornaram pontos de encontro para agentes de diversos países.
Até mesmo os mercados e bazares do Oriente Médio, da Ásia e da África serviram como fontes indiretas de informações. Rumores sobre conflitos, armas e mudanças políticas circulavam entre civis, comerciantes e viajantes.
Assim, a coleta de informações não se baseava apenas em canais oficiais. Também se fundamentava em observações da vida cotidiana e da interação social em espaços públicos. Isso demonstrava que o tempo livre podia ser transformado em uma ferramenta estratégica para a espionagem.

Transição para o século XXI: a digitalização dos nós de informação
Com o advento da era digital, os antigos nós físicos começaram a ter equivalentes virtuais. Plataformas digitais, redes sociais, fóruns online e aplicativos de mensagens tornaram-se espaços de interação onde circulam informações valiosas, rumores, notícias e transações econômicas. A coleta de dados tornou-se mais sofisticada por meio de algoritmos, monitoramento de metadados e análise de comportamento online.
Os espaços digitais funcionam como bares virtuais: os usuários compartilham experiências, notícias e opiniões; muitas vezes sem perceber que estão criando registros de informações úteis para o Estado, empresas ou outros atores.
Assim como em um cabaré berlinense, a aparência de lazer e entretenimento online mascara um fluxo de dados estratégicos. Agências de inteligência, corporações e grupos clandestinos usam essas plataformas para monitorar tendências, recrutar informantes e detectar ameaças.
Os mercados digitais, desde plataformas de criptomoedas a fóruns de negociação ilícita, replicam a economia subterrânea dos antigos mercados medievais.
Transações anônimas, troca de mercadorias proibidas e venda de informações confidenciais ocorrem nesses espaços, que funcionam como um equivalente virtual de antigos bordéis, tabernas e bazares. Além disso, sistemas de anonimato criptografados facilitam a espionagem e a infiltração, permitindo que agentes internacionais circulem sem serem detectados.

Um padrão de continuidade histórica
O que une todas essas eras é uma característica recorrente e contínua: os espaços sociais (sejam físicos ou digitais) são elos de informação, interação e transação. Em cada período histórico, das tabernas romanas aos fóruns online modernos, os seguintes elementos se repetem:
1. Diversidade de atores: viajantes, comerciantes, soldados, diplomatas, espiões, mercenários, intelectuais ou usuários digitais  convergem nos mesmos espaços.
2. Anonimato relativo: o fluxo constante de participantes permite que a pessoa passe despercebida, facilitando a coleta de informações.
3. Troca de informações não oficiais: rumores, notícias, segredos e estratégias circulam sem passar pelos canais formais.
4. Economia subterrânea: pagamentos em espécie, transações anônimas e comércio informal ocorrem paralelamente ao fluxo formal de bens e serviços.
5. Oportunidades de recrutamento: a observação e a participação nessas ligações permitem recrutar informantes ou colaboradores, seja em uma taverna medieval ou em uma sala de bate-papo criptografada moderna.
Esses padrões demonstram que, embora a tecnologia mude, a dinâmica social que facilita a espionagem e o mercado negro permanece, adaptando-se a cada contexto histórico.
Fonte: LISA News

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Fim do Carisma, Isolamento e Esgotamento da Retórica Socialista

Luiz Inácio Lula da Silva chegou à Malásia com o velho figurino do “líder progressista” em busca de legitimidade internacional.
Esperava simpatia, visibilidade e talvez um gesto diplomático que reerguesse sua imagem abalada. Saiu, porém, com o silêncio como resposta e um recado inequívoco: o mundo mudou, e a retórica socialista já não encanta ninguém.
Durante anos, Lula foi recebido como símbolo de resistência e esperança pelas elites políticas de esquerda. Mas a lua de mel acabou. A reunião recente com Donald Trump — marcada por frieza e formalidade — representou mais do que um embaraço diplomático: foi um choque de realidade para um presidente acostumado a aplausos ideológicos e indulgência moral.
Trump, pragmático, ouviu, acenou e encerrou o encontro sem concessões, favores ou declarações públicas de apoio. Nenhum “tapinha nas costas”, nenhuma foto de ocasião. O silêncio foi eloquente e corrosivo. Pela primeira vez em muito tempo, Lula percebeu que a narrativa de “vítima do sistema” já não compra simpatia fora de seu próprio círculo político.
Fontes próximas ao Itamaraty afirmam que Lula tentou oferecer “cooperação” em temas sensíveis, inclusive deixando transparecer que o ministro do STF poderia ser “sacrificado” politicamente em nome da diplomacia. A proposta foi recebida com indiferença em Washington.
A mensagem foi clara: os Estados Unidos não pretendem apadrinhar regimes que flertam com o autoritarismo travestido de progressismo. O gesto foi lido como humilhação em Brasília. O “imperador vermelho”, como ironizam os críticos, saiu menor do que chegou.
Lula buscou legitimidade externa. Encontrou indiferença. Prometeu justiça social. Entregou censura. Prometeu paz. Entregou um país sitiado. Garantiu prosperidade aos brasileiros, mas a população vive à base de esmola institucional, sem perspectivas, em especial em termos de economia, saúde e segurança.
O Brasil de 2025 é um país em marcha lenta, sufocado pela burocracia, espantando investidores e vendo seus empreendedores buscarem refúgio no exterior. Mais de 3 milhões de empresas fecharam as portas, a carga tributária atingiu níveis históricos e a fuga de capitais virou um indicador de sobrevivência, não de economia.
Enquanto o governo fala em “justiça social”, o setor produtivo denuncia canibalismo econômico. O Estado engorda, o cidadão empobrece e a iniciativa privada é tratada como inimiga. O resultado é uma nação onde o sucesso é suspeito e o fracasso é política pública.
A retórica vermelha resiste, mas a paciência dos brasileiros não. Segundo consultorias internacionais, mais de 1.200 milionários deixarão o país neste ano, levando empregos, capital e inovação. O êxodo virou manchete global e o Brasil deixou de ser visto como terreno fértil para prosperidade e passou a ser um laboratório de narco-populismo tropical.
Em um episódio recente, tribunais brasileiros ordenaram a remoção de publicações que apenas reproduziam falas literais de Lula, nas quais ele dizia que “traficantes também são vítimas”. A censura foi justificada como “proteção contra desinformação”. Traduzindo: citar o presidente virou crime.
A cena beira o absurdo. A Justiça brasileira, sob a égide de ministros politicamente engajados, parece ter se tornado o departamento de comunicação do Planalto. Censura, multas e perseguição judicial transformaram a crítica em ofensa e o jornalismo em risco.
No Brasil de hoje, a verdade é reescrita por sentença judicial. Criminosos ganham empatia; jornalistas, inquéritos. O discurso oficial é o da compaixão seletiva, onde o traficante é vítima, o cidadão é opressor e o Estado é o juiz da moral pública.
Enquanto o governo do Rio de Janeiro classifica o Comando Vermelho como organização terrorista e busca cooperação internacional, Brasília prefere o silêncio. O mesmo governo federal que censura posts e monitora opositores hesita em chamar traficantes de terroristas.
O contraste é gritante: o Rio tenta sobreviver; Brasília finge que governa. A ausência de uma política nacional de segurança real transformou o país num mosaico de zonas de influência do crime. O resultado é trágico: 27% da população vive sob domínio direto de facções, segundo estimativas do próprio Ministério da Justiça.
O ministro do STF agora mira o governador Cláudio Castro e os policiais que lideraram a megaoperação contra o Comando Vermelho. Em vez de elogiar o combate ao crime, o Supremo pede “esclarecimentos” sobre o sucesso da operação.
A competência para o exame de eventuais irregularidades na operação é da Justiça fluminense. Não há uma linha no art. 102 da Constituição que transforme o Supremo em investigador, acusador e juiz de policiais do RJ.
Os policiais viram réus; os criminosos, vítimas, em uma inversão moral completa. O Rio contabiliza mortos e feridos em confrontos com narcotraficantes armados com granadas e fuzis de uso militar, mas Brasília prioriza debater “proporcionalidade” e “direitos humanos". É o retrato perfeito do Brasil de Lula, um país onde combater o crime é perigoso, mas cometê-lo é politicamente rentável.
Os eleitores de esquerda são os únicos que desaprovam a megaoperação policial realizada no Rio de Janeiro, que resultou na morte de 121 pessoas durante o confronto. De acordo com pesquisa Genial/Quaest, 59% dos eleitores lulistas reprovaram a ação, enquanto entre os não lulistas o percentual chegou a 70%.
A viagem, mais do que uma agenda diplomática frustrada, foi uma radiografia do declínio político de Lula. A gestão interna do país também. O carisma internacional se foi, o apoio doméstico desmorona e a narrativa revolucionária não convence nem seus antigos parceiros ideológicos.

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Narco-guerrilheiros Colombianos Usam Drones Para Causar Terrorismo

O Ministério da Defesa colombiano anunciou a oferta de recompensas de até 100 milhões de pesos (cerca de 100 mil reais) para quem fornecer informações que levem à localização, identificação e captura de indivíduos ou redes criminosas que operem ou vendam drones para fins criminosos ou terroristas.
A medida, de acordo com o Ministério da Segurança, visa coibir o uso de aeronaves não tripuladas em ataques contra civis e policiais.
O uso dessa tecnologia para fins ilícitos se tornou um risco à segurança do país nos últimos anos, e autoridades identificaram casos em que drones são usados ​​para transportar drogas, monitorar posições estratégicas das Forças Armadas, lançar explosivos ou interferir em operações de segurança, tornando-os um instrumento de apoio a organizações criminosas.
Nesta semana, dois casos alertaram as autoridades: um ataque à casa do prefeito de Calamar, Guaviare; e outro em El Plateado, Cauca.
O Ministério da Defesa observou que a Colômbia tem uma política abrangente para o controle e regulamentação de aeronaves não tripuladas, desenvolvida em conjunto com a Força Aérea Colombiana, a Polícia, a Aeronáutica Civil e autoridades judiciais.
Esta política visa fortalecer a rastreabilidade tecnológica dos equipamentos e impedir sua utilização para fins ilícitos, garantindo assim um monitoramento mais rigoroso de sua circulação e utilização.
Nos últimos meses, agências de inteligência detectaram que dissidentes das antigas FARC e outros grupos armados ilegais têm usado drones para atacar unidades militares e bases policiais em áreas como Cauca e Catatumbo. Esses ataques incluíram o lançamento de artefatos explosivos do ar, representando uma nova modalidade na execução de ações terroristas.
Durante a apresentação da estratégia, o Ministro da Defesa, Pedro Sánchez, afirmou que "nenhum dispositivo tecnológico pode ser usado para fins criminosos. Qualquer pessoa que use ou venda drones para fins ilegais enfrentará a justiça e a ação legítima do Estado". Ele enfatizou a necessidade de manter um controle rigoroso sobre a distribuição e o manuseio desses dispositivos em todo o país.
Por esse motivo, o Ministério disponibilizou a linha direta antiterrorismo 107 como um canal para receber denúncias de cidadãos sobre indivíduos ou estabelecimentos envolvidos no uso ou modificação de drones para fins criminosos. Segundo as autoridades, as informações recebidas serão tratadas com absoluta confidencialidade e poderão levar ao pagamento de recompensas, dependendo da relevância das informações fornecidas.
A decisão do governo ocorre poucos dias após a ativação do primeiro Batalhão Antidrone do Exército, uma unidade especializada em neutralizar ameaças aéreas não tripuladas usando sistemas de detecção, interferência e abate.
Esta força busca agir preventivamente contra o uso de drones armados ou adaptados para operações hostis contra instalações estratégicas e pessoal uniformizado.
O Ministério da Defesa reiterou que a criação do Batalhão Antidrone e o sistema de recompensas fazem parte de uma estratégia abrangente de defesa tecnológica.
COMENTO: Infelizmente, a ascensão de um ex-guerrilheiro ao governo da Colômbia jogou no lixo todo o esforço que as forças de segurança daquele país tiveram para acabar com os narco-guerrilheiros e seu poder sem limites. Todo o avanço contra a criminalidade, obtido nos dois mandatos de administração sob Álvaro Uribe, foi jogado no lixo por seus sucessores.  Por sua luta contra a criminalidade, Álvaro Uribe tem sido perseguido politicamente, sofrendo processos intermináveis, seguindo o modelo estabelecido pelo Foro de São Paulo, no combate a seus adversários. 

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

O Infiltrado no Grupo de WhatsApp dos Empresários de Direita

Lucas Mesquita, jornalista de Brasília trabalha para o governo Lula e já registrou encontros com Flávio Dino e Alexandre de Moraes
Na audiência transmitida ao vivo no Senado na terça-feira, 2 de setembro, o perito Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Alexandre de Moraes, fez revelações que colocam em xeque a legalidade de uma das operações mais controversas do Supremo Tribunal Federal (STF): a busca e apreensão, às vésperas das eleições de 2022, contra empresários acusados de trocar mensagens em grupos de WhatsApp supostamente favoráveis a um golpe de Estado.
A sessão ocorreu na Comissão de Segurança Pública do Senado, convocada pelo senador Magno Malta (PL-ES) e presidida por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), no mesmo horário em que o STF julgava o ex-presidente Jair Bolsonaro por abuso de poder político.
Segundo Tagliaferro, o que foi apresentado como ação amparada por investigação técnica e provas consistentes, na verdade teria sido montado a posteriori — depois da operação já realizada. Ele afirma que foi coagido a produzir documentos com datas retroativas, incluindo mapas mentais, relatórios e pareceres que dariam aparência de legalidade à decisão de Moraes, quando na verdade, segundo ele, tudo havia sido feito com base apenas na reportagem do jornalista Guilherme Amado, do Metrópoles.
À nossa reportagem, Tagliaferro afirmou que as mensagens do grupo foram enviadas diretamente para ele pela “Bruxa” da Vaza Toga, que A Investigaçãoidentificou anteriormente como a jornalista Letícia Sallorenzo.
Entretanto, nossa reportagem analisou os registros apresentados por Tagliaferro na audiência, e conseguiu identificar o infiltrado responsável pelo envio das informações a Sallorenzo. Trata-se de Lucas Mesquita, documentarista e jornalista de Brasília, militante de esquerda que já ficou conhecido por infiltrações em grupos de WhatsApp de figuras de direita.
Na reportagem da Vaza Toga 2, revelamos que o ministro Alexandre de Moraes autorizou o acionamento de “parceiros externos” para estruturar as investigações relacionadas aos eventos de 8 de janeiro de 2023. Agora, a vigilância em massa da população ganha novos contornos: arapongas passaram a coletar informações de cidadãos comuns e a repassá-las diretamente ao Judiciário, muitas vezes sem qualquer indício concreto de crime.

Quem é o infiltrado
Lucas Mesquita, 35 anos, é jornalista e documentarista radicado em Brasília. A sua carreira começou nos bastidores do poder, como assessor de imprensa da chapa Dilma-Temer nas eleições de 2010. A experiência lhe deu acesso precoce ao centro das decisões políticas.
Flamenguista convicto, Mesquita se envolveu em uma disputa com a então presidente do clube, Patrícia Amorim, em 2012. Produziu conteúdos satíricos contra a gestão e, após pressões da diretoria, quase foi expulso do quadro associativo. Com o tempo, abandonou a militância esportiva e mergulhou na produção audiovisual. Fundou uma microempresa de produção fotográfica e cinematográfica em Brasília e, junto ao irmão Gabriel Mesquita, passou a dirigir e roteirizar documentários políticos.
Em 2022, dirigiu o curta “Contra Golpe”, que documentou os atos pela “defesa da democracia” realizados na Faculdade de Direito da USP. A produção, que teve apoio do Grupo Prerrogativas, registrou a leitura da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito”, divulgada como reação à candidatura de Jair Bolsonaro.
No mesmo ano, lançou o documentário “Eles Poderiam Estar Vivos”, também apoiado pelo Prerrogativas. A peça atribuía ao “negacionismo do governo” a responsabilidade por metade das mortes na pandemia. A narrativa baseou-se em depoimentos alinhados ao campo político da esquerda ou críticos de Bolsonaro, como a infectologista Luana Araújo e o epidemiologista Pedro Hallal, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador do estudo Epicovid-19, ambos participantes da CPI da Covid.
Foi Hallal quem projetou a ideia de que 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas, caso o Brasil tivesse a mesma taxa de mortalidade da média global. A estimativa viralizou nas redes e se tornou instrumento político contra Bolsonaro. O argumento, no entanto, ignorava fatores determinantes como desigualdade, infraestrutura de saúde, subnotificação, política de testagem e dinâmica regional da pandemia. A cifra, embora impactante, se sustentava mais em pressupostos militantes do que em rigor científico.

O modus operandi
Em pelo menos duas ocasiões, Lucas Mesquita se infiltrou em grupos privados de WhatsApp que reuniam empresários, políticos e juristas ligados à direita. O conteúdo extraído por ele serviu tanto como base para decisões judiciais quanto como munição em reportagens de grandes veículos.
Um desses espaços foi o Parlatório, criado pelo jornalista Carlos Marques, diretor editorial das revistas IstoÉ e IstoÉ Dinheiro e ligado ao LIDE, grupo empresarial fundado pelo ex-governador João Doria. O Parlatório reunia cerca de 250 empresários, intelectuais, jornalistas, publicitários e políticos — entre eles o ex-ministro e então candidato ao Senado Sergio Moro. Mesquita permaneceu nesse ambiente por cerca de dois ou três anos, em silêncio, apenas observando.
A ruptura veio em outubro de 2022, quando Mesquita criticou abertamente a reaproximação de Moro com Jair Bolsonaro. Publicou um vídeo e um texto duros — chamando o ex-juiz de “tchutchuca de miliciano” — e acabou expulso, segundo ele por pressão de Moro. Na GloboNews, a jornalista Andréia Sadi apresentou o episódio como se o vazamento tivesse partido de “participantes desconfortáveis”, mas tudo indica que a operação foi cuidadosamente planejada para ter a repercussão midiática.
O mesmo modus operandi foi aplicado ao chamado “grupo dos empresários”, cujas mensagens foram obtidas de forma semelhante e repassadas ao portal Metrópoles. As mensagens do grupo que nossa reportagem teve acesso mostram que Lucas fez de tudo para dissimular sua militância de esquerda, tentando se fazer passar por alguém de centro para ganhar a confiança do grupo.
Infelizmente vai ser segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Mas ainda tenho esperança de alguém conseguir aglutinar as forças de centro e ir pro segundo turno, para aí sim derrotar Lula ou Bolsonaro, escreveu Lucas no dia 24 de abril de 2022.
Em maio, Guilherme Amado publicou a primeira reportagem com vazamento do grupo dos empresários mirando declarações de Luciano Hang sobre o padre Julio Lancellotti. Na ocasião, os integrantes do grupo tentaram encontrar quem seria o “X9” (delator infiltrado), excluindo alguns integrantes inativos, mas não suspeitaram de Lucas. Por causa da reportagem, Hang foi condenado pela Justiça de São Paulo a pagar danos morais a Lancellotti por ter chamado o religioso de “bandido”. A juíza Eliana Adorno de Toledo Tavares determinou que Hang pagasse R$ 8 mil de indenização.
Pessoal aqui no grupo temos um X9, um dedo duro. Olha só onde foi parar a nossa conversa aqui no grupo. O membro que teve coragem de passar as mensagens para a imprensa também deveria ter a coragem de se posicionar agora e dizer o porquê fez isso. O que quis deixar bem claro na minha posição foi a militância do Lancellotti em apoiar um líder que defende o comunismo pelo mundo e pela América Latina que são geradores da miséria. Não sou contra a parte social, falei dele, desse caso específico, da militância de esquerda, escreveu Hang no grupo após o primeiro vazamento.
No dia 17 de agosto, dia da publicação da reportagem do Metrópoles, a equipe de Amado enviou mensagens aos integrantes do grupo solicitando declarações sobre as acusações. Muitos compartilharam no próprio grupo as demandas recebidas, entre eles Lucas, que perguntava o que deveria fazer.
Meses depois, em janeiro de 2024, Lucas foi nomeado para um cargo comissionado como assessor no recém-criado Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, comandado por Márcio França.
Nas redes sociais, Lucas mantém uma presença discreta, mas não invisível. Registra encontros com figuras como Lula, Flávio Dino e Alexandre de Moraes. Em comentários e interações, chegou a dialogar com Letícia Sallorenzo, mais conhecida pelo codinome “Bruxa” — a mesma que atuava como colaboradora informal do TSE no monitoramento de opositores.

A operação contra os empresários
Voltando à audiência do Senado. Por videoconferência, Tagliaferro narrou que, em agosto de 2022, recebeu ordens do assessor Airton Vieira, braço-direito de Alexandre de Moraes, para montar documentos que dariam lastro à operação contra os empresários. Disse que havia pressa no gabinete: o plano era executar as buscas numa segunda-feira; elas ocorreram na terça, 23 de agosto.
Na semana anterior, em 17 de agosto, o Metrópoles tinha publicado reportagem com diálogos atribuídos a integrantes do grupo “Empresários & Política”, entre eles Luciano Hang (Havan), Meyer Nigri (Tecnisa) e Afrânio Barreira (Coco Bambu). Entre as diversas mensagens e comentários de cunho político — a peça citou, por exemplo, a frase Prefiro golpe do que a volta do PT. Um milhão de vezes, atribuída a um participante. Não havia qualquer fala criminosa de Hang no material publicado, mesmo assim, ele foi alvo de busca e apreensão e teve os perfis bloqueados apenas por participar do grupo.
A operação contra os empresários foi cumprida em cinco estados no dia 23 de agosto de 2022. Foram alvos nomes de peso do empresariado nacional. A Polícia Federal apreendeu celulares, promoveu quebras de sigilo e bloqueou contas nas redes — inclusive as de Hang, que ficaram mais de dois anos fora do ar, com reativação só em setembro de 2024. Em agosto de 2023, cerca de um ano depois, o STF arquivou o inquérito em relação a seis dos oito empresários por “ausência de justa causa”, mantendo Hang e Nigri por mais 60 dias. Até hoje não há denúncia formal apresentada nesse caso.
A operação contra os empresários foi deflagrada apenas dez dias antes do primeiro debate presidencial na Band. A medida atingiu em cheio a base de apoio de Jair Bolsonaro: além de apreensões e quebras de sigilo, empresários tiveram suas redes bloqueadas, como Luciano Hang, um dos principais amplificadores digitais do bolsonarismo. A ausência dessas vozes reduziu a capacidade de mobilização nas redes e serviu como aviso ao setor privado de que manifestações públicas em favor do presidente poderiam gerar retaliações judiciais, produzindo um efeito de intimidação que limitou o engajamento empresarial durante a campanha.
Ao mesmo tempo, a operação foi explorada politicamente. A narrativa do “golpismo empresarial” se consolidou no noticiário e deu munição ao discurso de Lula nos debates, reforçando a ideia de que Bolsonaro e seus aliados representavam uma ameaça à democracia. Com vozes empresariais censuradas e a narrativa adversária amplificada, Bolsonaro entrou no horário eleitoral e nos debates em desvantagem estratégica, tanto em termos de recursos financeiros quanto de alcance digital.
Até então, suspeitava-se que a medida havia sido deflagrada a partir da série do Metrópoles — a própria decisão tornada pública pelo STF menciona as reportagens. No dia 23, porém, a então âncora da CNN Daniela Lima teria “apurado” que a ação teve como fundamento um pedido da PF que apurava a organização e o financiamento de atos antidemocráticos, conhecido como inquérito das milícias digitais.
Entretanto, segundo Tagliaferro, esta informação era falsa: a única base da decisão foi a reportagem do Metrópoles. O que aconteceu foi que Moraes determinou que seus assessores extraíssem as falas da matéria e as formatassem em um relatório. Só que aquilo era um grupo privado de WhatsApp. Seria criminoso da minha parte atestar a autenticidade daquelas conversas, afirmou.
A denúncia de Tagliaferro deve abrir espaço para novas apurações, dentro e fora do Congresso. Senadores da oposição já pediram acesso aos arquivos citados e prometem convocar Airton Vieira e autoridades da PF para explicações.

A ação retroativa
A parte mais grave da denúncia veio em seguida. Tagliaferro declarou que, depois da operação já executada, ele foi procurado por Airton Vieira, que não sabia usar computador, para “ajudar a construir uma história”. O objetivo: forjar a existência de uma investigação prévia que justificasse a ação do STF.
Ele contou que recebeu arquivos com “PETs” já marcadas e instruções para produzir mapas mentais ligando os empresários a supostos financiadores de atos antidemocráticos e redigir um relatório com data de dias antes da operação. Tudo isso, afirma ele, para que Moraes pudesse retirar o sigilo do processo e mostrar à imprensa que havia embasamento além da matéria jornalística.
Assinei como se fosse um relatório do Supremo Tribunal Federal. Mas eu não era servidor nomeado. Fiz porque fui instruído. E está tudo documentado: os arquivos, as datas de criação, os metadados, os hashes. Tudo com perícia técnica, garantiu.
Durante a audiência, Tagliaferro exibiu capturas de tela, datas de criação de documentos e o próprio mapa mental que, segundo ele, foi usado por Moraes para justificar as medidas. Nele, os empresários apareciam ligados a nomes como “Custer”, “Bezerra” e “Álvaro dos Santos”, todos conectados por setas a um suposto centro de financiamento de atos golpistas.
Segundo o ex-assessor, esse documento foi criado em 28 de agosto de 2022, seis dias após a operação — mas foi incluído no processo como se tivesse sido feito em 22 de agosto. Outro relatório foi juntado aos autos em 29 de agosto, embora também tenha sido confeccionado depois da operação, não antes, como o STF teria afirmado.
Essa fraude é gravíssima. Se isso foi feito nesse processo, o que não pode ter sido feito em outros, todos físicos, todos guardados a sete chaves no gabinete do ministro?, questionou.
Fonte:    A Investigação

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Vaza Toga: A Bruxa, o Infiltrado e o Delator

Novas conversas sugerem que provas foram fabricadas após a operação contra empresários bolsonaristas
Nossa reportagem teve acesso exclusivo a conversas de WhatsApp entre Eduardo Tagliaferro — então chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE — e a jornalista Letícia Sallorenzo, conhecida como “Bruxa”. As mensagens expõem como, em agosto de 2022, durante o auge da campanha eleitoral, dados privados de empresários ligados a Jair Bolsonaro foram repassados clandestinamente ao tribunal, dias depois de Alexandre de Moraes deflagrar uma operação de busca e apreensão contra eles.
Esta operação, de 23 de agosto, justificada apenas com base em uma reportagem, atingiu em cheio o núcleo empresarial que seria responsável tanto pelo financiamento quanto pela amplificação digital do bolsonarismo. Com os bloqueios bancários e de redes sociais, a capacidade de mobilização empresarial foi cortada de maneira abrupta — silenciando vozes de peso justamente às vésperas do primeiro debate presidencial na Band, em 28 de agosto.
A investigação só foi arquivada por Alexandre de Moraes um ano depois, já com Lula na Presidência. O ministro concluiu que, em relação a seis empresários, faltavam elementos mínimos e não havia justa causa para a continuidade. Restaram como alvos Meyer Joseph Nigri e Luciano Hang. No caso de Nigri, a Polícia Federal apontou vínculo direto com Jair Bolsonaro para disseminação de mensagens contra o sistema eleitoral; no de Hang, Moraes alegou que ainda era necessário analisar o conteúdo do celular, protegido por senha. As redes sociais de Hang permaneceram bloqueadas por mais de dois anos, até que em setembro de 2024 o ministro determinou sua reativação. O processo segue em sigilo total.
As conversas reveladas por nossa reportagem mostram que, diante da fragilidade da base probatória e da repercussão negativa da operação, Alexandre de Moraes pressionava seus assessores a produzir documentos retroativos. Para atender à cobrança, Eduardo Tagliaferro recorreu à Letícia Sallorenzo, que funcionava como elo entre o tribunal e um infiltrado no grupo “Empresários & Política”. A Investigação identificou o informante como o jornalista Lucas Mesquita, que hoje atua como assessor no governo Lula,
Ou seja, uma infiltração organizada foi parar diretamente no gabinete do TSE, sem qualquer cadeia formal de custódia. Prints, listas de integrantes e até a exportação completa das conversas foram entregues na noite de 27 de agosto, com o objetivo declarado de “sossegar o amigo — referência ao ministro, ansioso por fazer cessar as críticas.
O episódio expõe uma colaboradora informal, com trânsito até no círculo familiar de Moraes, alimentando diretamente o gabinete do TSE com informações privadas de um grupo fechado. Em vez de provas prévias que justificassem a ofensiva de 23 de agosto, o que se construiu foram fundamentos posteriores, moldados conforme as demandas do ministro.
Mais que um detalhe burocrático, essa confere ainda mais plausibilidade às denúncias de Tagliaferro no Senado de que relatórios datados antes da operação foram, na realidade, montados dias depois, com apoio de uma rede de informantes externos. A chamada “guerra à desinformação” aparece, assim, como pretexto para uma estrutura de vigilância política na qual a fronteira entre Estado e militância ideológica desaparece.

Uma noite daquelas
Na noite de sábado, 27 de agosto de 2022, Alexandre de Moraes estava inquieto. E não era para menos. Quatro dias antes, em 23 de agosto, havia determinado uma operação de busca e apreensão contra oito dos maiores empresários do país, mobilizando a Polícia Federal com fuzis e mandados invasivos. A justificativa oficial para uma ação de tal envergadura não veio de relatórios técnicos ou investigações consolidadas, mas de uma reportagem publicada dez dias antes, 17 de agosto, por Guilherme Amado, no Metrópoles. O texto expôs mensagens de um grupo privado de WhatsApp, o “Empresários & Política”, em que alguns integrantes fizeram comentários críticos ao STF e foram acusados de incitar um golpe de Estado caso Lula ganhasse as eleições.
Prefiro golpe a ver o PT de volta. Um milhão de vezes. E, com certeza, ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil, como acontece com várias ditaduras pelo mundo, escreveu José Koury, dono do Barra World Shopping, que em seguida se tornou o principal alvo de Alexandre de Moraes. Essa foi a declaração mais polêmica usada contra os empresários. Ainda assim, o teor deixa claro que não se tratava de uma defesa explícita de golpe, mas de um desabafo.
Segundo um dos empresários contatados pela nossa reportagem, até os próprios policiais federais que cumpriram os mandados demonstravam incômodo e constrangimento durante a operação. “Eles mesmos não sabiam por que estavam fazendo aquilo”, relatou.
A operação contra os empresários — especialmente Luciano Hang, um dos principais apoiadores de Jair Bolsonaro — irritou o governo e acendeu o alerta político. O episódio ocorreu em plena campanha eleitoral, já fortemente polarizada e a poucos dias do primeiro debate na TV. O desconforto aumentou porque, no mesmo dia, Alexandre de Moraes recebeu no TSE o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, em reunião de cerca de uma hora para discutir as sugestões das Forças Armadas para as eleições — especialmente ajustes no teste de integridade das urnas e a coordenação de segurança do pleito.
O ministro, ciente de que a narrativa pública podia desmoronar, pressionava seus assessores para produzir documentos que servissem como lastro retroativo à decisão. Segundo o ex-assessor Eduardo Tagliaferro, hoje delator de todo o esquema, Moraes exigia que na segunda-feira seguinte, 29 de agosto, tivesse em mãos material atualizado sobre os alvos. Naquele mesmo dia, o ministro retiraria o sigilo do processo para tentar acalmar a opinião pública.
Tagliaferro, então chefe do núcleo de enfrentamento à desinformação (AEED) do TSE, recorreu à colaboradora externa conhecida como “Bruxa”, que A Investigação já identificou como a jornalista Letícia Sallorenzo. Esta atuava como ponte entre o TSE e uma fonte infiltrada no grupo dos empresários. Segundo ela, a mesma fonte que abasteceu o jornalista Guilherme Amado do Metrópoles.
Sallorenzo contatou Tagliaferro logo no início da conversa, às 20h30, para pedir censura contra o deputado Marcos Pollon (PL-MS), então um advogado e ativista pró-armas. Ela indicou um texto do site "Come Ananás" como referência. O procedimento de censura já normalizado não necessitava de instruções detalhadas: “Todo seu!”, disse Sallorenzo. O texto indicado contra Pollon, deletado do site, mas recuperado pela reportagem em um serviço de arquivamento, destacava uma crítica do advogado a Moraes: “supremo ditador”.
No entanto, Tagliaferro a avisa de que está muito ocupado, pois trabalha para o ministro em uma investigação sigilosa. Mesmo assim, ele pede que ela vasculhe publicações antigas ligadas aos “empresários”. Sallorenzo, já sabendo do que se trata, responde que tem novidades e começa a enviar capturas de tela do grupo, onde aparecem nomes como Nelson Piquet, Flávio Rocha e Luciano Hang.
Sallorenzo então afirma que enviou mais informações no aplicativo Signal ao que Tagliaferro diz que ele não tem conta neste aplicativo. Ou seja, Salorenzo atuando como assessora informal do TSE enviou informações privadas a uma conta do Signal que ela nem sabia de quem era.

Os principais alvos
Ao longo da conversa, o assessor não apenas recebia o material enviado por Sallorenzo, mas orientava o fluxo de informações de acordo com os interesses imediatos do gabinete. Ele deixa claro quais pessoas e organizações eram os principais focos da operação. Primeiro, direciona a atenção para Meyer Nigri, incorporador da Tecnisa e um dos alvos mais visados. Em seguida, pede dados sobre José Koury, dono do Barra World Shopping.
Tagliaferro diz que também precisa de informações do juiz Melek. Trata-se de Marlos Augusto Melek, que à época atuava na Vara do Trabalho de Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). No ano seguinte, o magistrado seria afastado de suas funções pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acusado de integrar e se manifestar no grupo de WhatsApp “Empresários & Política. Para o CNJ, essa conduta teria violado os valores éticos da magistratura. Depois, Tagliaferro passa listas com diversos alvos entre pessoas e empresas.

A “PF confiável”
Em determinado momento, Sallorenzo pergunta se era possível acessar o conteúdo do celular de Meyer Nigri, apreendido pela PF — em especial as mensagens que teriam sido recebidas e enviadas por Jair Bolsonaro em listas de transmissão. Tagliaferro responde que seria possível, mas admite que ainda não havia recebido o dispositivo. Letícia então pergunta se Tagliaferro conseguiria “colocar suas mãos no celular”. O perito responde que isso ainda iria demorar.
É então que surge a passagem mais reveladora. Sallorenzo questiona se o aparelho estava sob custódia de uma “PF confiável”. Tagliaferro confirma que sim, sugerindo a existência de um circuito paralelo dentro da corporação, formado por delegados e agentes considerados extremamente leais a Alexandre de Moraes.
Entre esses nomes aparece o delegado Fábio Shor, figura de confiança do ministro, que se tornaria central em investigações de caráter político conduzidas pela PF. Foi o próprio Shor o responsável por assinar o relatório usado para justificar a ofensiva contra os empresários — relatório este que, segundo Tagliaferro, foi produzido depois da operação já ter sido executada.

A amiga da esposa do ministro
Cada solicitação vinha acompanhada de uma expectativa de novos prints ou listas de contatos, que Letícia se apressava em obter junto à sua fonte infiltrada. O objetivo não era apenas obter provas, mas também acalmar o chefe: Moraes precisava do material até segunda-feira.
O ministro falou agora que precisa até segunda de manhã na mão dele. Falou inclusive [que] o bom seria o comentário depois da operação e o pessoal saindo do grupo, escreveu Tagliaferro, sugerindo que se tratava de uma orientação do próprio ministro.
Letícia diz que sua fonte deixou o grupo, mas teria material até o momento da “debandada”. Tagliaferro respondeu que isso já era bom, mas o difícil seria convencer o ministro a esperar. Estou falando com eles para conseguir mais prazo. Estou tentando convencer o ministro. Mas ele tem que esperar. Isso é muito bom para ele, escreveu Tagliaferro.
Já passava das 23h quando Letícia Sallorenzo sugeriu uma saída ousada: recorrer à própria esposa de Alexandre de Moraes, Viviane Barci, para tentar obter mais prazo na entrega do material. A proposta reforçava a proximidade da jornalista com o círculo íntimo do ministro. Em depoimento ao Senado, Eduardo Tagliaferro relatou que Sallorenzo tinha acesso a festas e cerimônias privadas do gabinete às quais nem os juízes instrutores eram convidados. Para ele, tratava-se de uma atuação movida por devoção pessoal, que descreveu como “fanatismo”.
A confiança era tanta que, como a própria Letícia admitiu, a esposa de Moraes tinha seu telefone. Mas, ainda assim, demonstrou cautela: “Ele não ficaria ‘p da vida’ por vocês envolverem a mulher dele nessa história, não?”. Tagliaferro concordou: “Melhor não falar mesmo”.
A preocupação não era sem motivo — outros episódios mostraram que envolver familiares do ministro podia gerar reações duras. Foi o que ocorreu no aeroporto de Roma, em julho de 2023, quando Moraes e seus parentes se envolveram em uma confusão e troca de xingamentos com a família Mantovani, brasileiros que viajavam no mesmo voo. O episódio acabou transformado em perseguição judicial: o STF barrou a divulgação integral dos vídeos das câmeras de segurança do aeroporto, a Polícia Federal realizou busca e apreensão contra os Mantovani e produziu relatórios que, mais tarde, foram contestados por peritos independentes, levantando suspeitas de manipulação.
Mesmo assim, Sallorenzo insistiu na proximidade, oferecendo-se para ser acionada diretamente: Se ele quiser falar comigo, estou à disposição também. Diz pra ele que se ele quiser me ligar, a mulher dele tem meu telefone. A ‘Letícia Bruxa’ da UnB…, escreveu. A mensagem, entre o deboche e a vanglória, escancara o lugar privilegiado que ela ocupava na rede informal de confiança do ministro.

A entrega dos arquivos
Ao longo da conversa, Tagliaferro faz uma série de pedidos específicos: queria capturas de tela que mostrassem discurso de ódio, menções a golpe, referências ao 7 de setembro, falas de Meyer Nigri, críticas a ministros do STF ou ataques às urnas eletrônicas. Na sequência, ele insiste que a fonte deveria entregar algo que pudesse ser interpretado como indício de “golpe”, mesmo que de outro lugar. Essa cobrança marca um ponto de virada: a busca já não era apenas por registros do grupo, mas por qualquer material que pudesse sustentar uma narrativa previamente estabelecida.
Esse detalhe é crucial, porque as falas sobre golpe divulgadas na reportagem de Guilherme Amado, no Metrópoles, foram justamente apresentadas como estopim para a operação de busca e apreensão contra os empresários. O problema é que a medida foi deflagrada sem que a origem dos prints tivesse sido periciada ou certificada — ou seja, o ministro baseou-se em material sem validação formal. Por isso, encontrar novos trechos que mencionassem “golpe” se tornava uma espécie de salvação para Moraes: reforçar, ainda que retroativamente, a justificativa de uma operação já sob forte questionamento.
Diante da pressão, Letícia parece ter perdido a paciência. Até então, atuava como ponte entre o infiltrado  que A Investigação identificou como o jornalista Lucas Mesquita, que hoje atua como assessor no governo Lula , e o gabinete de Moraes, repassando fragmentos do grupo “Empresários & Política”. Mas, ao perceber a insistência de Tagliaferro, decide encerrar a intermediação: às 23h55, Letícia envia a íntegra das conversas em um arquivo de 3 MB no formato “.txt”. Junto, pede apenas a garantia de que sua identidade como fonte fosse preservada.
Antes mesmo de perceber que já tinha recebido o material, Tagliaferro encaminha uma mensagem, possivelmente de um interlocutor de Moraes, com instruções adicionais. Pelas denúncias anteriores da Vaza Toga, ele recebia orientações de dois magistrados: Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar no TSE, que em mensagens chegou a dizer que gostaria de “mandar uns jagunços” capturar o jornalista Allan dos Santos — então nos Estados Unidos após ser incluído no inquérito das fake news —; e Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF e seu braço direito. Foi justamente a Vieira que Tagliaferro apontou, em audiência no Senado, como responsável por ordenar a fraude nos relatórios usados para dar aparência de legalidade à operação contra os empresários.
Segundo o ex-assessor, Moraes não teria ciência de que a tarefa havia sido delegada a ele por Vieira. Tagliaferro acrescentou ainda que o juiz instrutor lhe pediu para não comentar nada sobre isso. “Se ele conseguisse ao menos os prints da conversa do grupo, a gente podia [sic] procurar nos nossos inquéritos se conseguiríamos ligar mais alguém para reforçar os fatos. Sim. Fale com o Eduardo. Daí analisamos se vale a pena esperar”, dizia a mensagem.
Esse recado é revelador. Indica que, mesmo após a operação já ter sido cumprida, o gabinete de Moraes ainda buscava elementos retroativos para dar mais corpo às acusações. Em outras palavras, os prints do grupo de WhatsApp não eram apenas um complemento, mas a matéria-prima para tentar encaixar novos nomes em inquéritos em andamento e, com isso, justificar a decisão de 23 de agosto.

Possíveis ilegalidades
O advogado Richard Campanari, especialista em direito eleitoral e civil e membro da ABRADEP (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), afirma que o caso revela uma falha séria: a ruptura da cadeia de custódia da prova, prevista nos artigos 158-A a 158-F do Código de Processo Penal. Esse mecanismo, explica, foi criado justamente para assegurar que qualquer vestígio — documentos, objetos ou mídias digitais — seja coletado, preservado e rastreado até sua apresentação em juízo, evitando manipulações.
O relato mostra exatamente o oposto: prints de WhatsApp teriam sido entregues informalmente a um gabinete ministerial, sem auto de apreensão (violando o art. 158-B do CPP), sem perícia oficial, sem hash de integridade e sem qualquer protocolo formal. Em outras palavras, não há como garantir que aquilo que se apresentou como prova seja autêntico e não tenha sido adulterado”, diz.
Segundo Campanari, quando materiais desse tipo embasam decisões restritivas — como bloqueios de redes sociais, buscas e apreensões ou constrições financeiras —, há violação ao dever de fundamentação (art. 93, IX, da Constituição), ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório (art. 5º, LIV e LV, da CF). Do ponto de vista prático, esses elementos são nulos de pleno direito (art. 157 do CPP) e contaminam tudo o que deles deriva, pela chamada teoria dos frutos da árvore envenenada.
O advogado ressalta que a denúncia de relatórios produzidos retroativamente agrava ainda mais o quadro. Criar documentos posteriores e datá-los como anteriores afronta a legalidade (CF, art. 5º, II) e a lealdade processual (art. 5º do CPC, aplicado ao processo penal). Se confirmada, essa prática pode configurar falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) e abuso de autoridade (Lei 13.869/2019), já que decisões judiciais teriam se baseado em peças artificiais.
Em síntese, o episódio não é apenas uma questão formal. Quando a Justiça se vale de provas sem custódia adequada e de relatórios produzidos depois dos fatos, não apenas compromete investigações específicas, mas fere a espinha dorsal do Estado de Direito. Afinal, sem prova legítima, o processo deixa de ser instrumento de justiça e passa a ser campo de arbitrariedade, afirma.
Por fim, Campanari observa que, se ficar comprovado que o ministro tinha ciência da ilegalidade e ainda assim utilizou tais provas, as consequências podem ir da nulidade dos processos à responsabilização penal, chegando até a um eventual impeachment por crime de responsabilidade. “Mais do que uma irregularidade, trata-se de uma violação grave que atinge a legitimidade do Judiciário, conclui.

O que dizem os envolvidos
Até o momento desta publicação, não recebemos retorno de Letícia Sallorenzo, Lucas Mesquita, e da assessoria do STF e do TSE. Entretanto, incluímos uma resposta genérica à imprensa feita pelo gabinete do ministro Alexandre de Moraes diante das denúncias feitas por Tagliaferro no Senado.
“O gabinete do Ministro Alexandre de Moraes esclarece que, no curso das investigações dos Inq 4781 (Fake News) e Inq 4878 (milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições.
Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas as [sic] investigações de milícias digitais.
Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República. Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República.
COMENTO: na publicação original podem ser vistas as imagens de diversas cópias de mensagens, encaminhadas por Tagliaferro ao Senado brasileiro, como comprovantes das acusações que fez. As conclusões que se chega, com base nas explanações do advogado Richard Campanari são claras e objetivas: a sociedade não deve exigir "anistia", mas sim a completa anulação dos processos e responsabilização criminal de seus responsáveis! Mas, para isso, tem que contar com o apoio de seus representantes eleitos, que estão no Congresso Nacional!