quarta-feira, 31 de março de 2021

Cármen Lúcia Decretou que o Único Culpado é o Juiz

por José Roberto Guzzo
Imagem:  web
Ao longo dos 520 anos de existência do Brasil houve um momento, apenas um, em que a população brasileira acreditou que havia realmente justiça em seu País
; acreditou, nesses instantes, que de fato existiam leis e que elas eram aplicadas a todos por igual, incluindo os milionários, os influentes e os poderosos. Isso aconteceu durante o período, poucos anos atrás, em que o juiz Sérgio Moro, à frente de uma vara penal em Curitiba, julgou, condenou e mandou para a cadeia um ex-presidente da República sentenciado por corrupção e lavagem de dinheiro, prendeu empresários-gigante que confessaram publicamente os seus crimes e recuperou bilhões de reais em dinheiro roubado da Petrobrás e outros cofres do Estado. Mas foi apenas um intervalo fugaz. A maior conquista já alcançada pela justiça brasileira foi transformada em ruínas pela ação direta de um Supremo Tribunal Federal em que oito dos onze ministros foram nomeados justamente pelos dois governos mais corruptos da história nacional — e os que mais sentiram as punições aplicadas por força da Operação Lava Jato.
Foi um trabalho contínuo, cauteloso e deliberado. No começo, os ministros foram devagar com sua operação de desmanche da Lava Jato. Temiam, então, causar resistências sérias aos seus atos — especialmente por parte das Forças Armadas, que chegaram a avisar, nas primeiras manobras do STF em favor dos acusados de corrupção, que não aceitariam a promoção da impunidade no mais alto tribunal do país. Mas, com o tempo, foi ficando cada vez mais claro que ninguém ia fazer nada. Os ministros, então, foram perdendo o medo, ganharam a certeza de que podiam agir com impunidade e acabaram por jogar na lata de lixo anos a fio de valioso trabalho da justiça brasileira. Nesta fase final do ataque em favor da corrupção e dos corruptos, aquilo que começou com uma calamidade, com a decisão do ministro Edson Fachin de anular todas as ações penais contra Lula, acabou com um deboche, agora por obra da ministra Cármen Lúcia  ela tomou a extraordinária decisão de decretar que, após a roubalheira histórica dos governos Lula e Dilma, o único culpado é o juiz que puniu os ladrões.
Não se notou, em nenhum dos dois casos, sequer aqueles escrúpulos apressados que em geral entram em cena nessas circunstâncias. Fachin, em sua decisão, conseguiu não dizer uma única sílaba sobre culpa, provas e outros elementos básicos de uma ação penal; anulou tudo porque achou, cinco anos e três instâncias depois, que o processo contra Lula não deveria ter corrido em Curitiba, e sim em Brasília. Cármen, por sua vez, viveu um momento de pura superação, baseando seu decreto sobre a “suspeição” de Moro em informações obtidas através de atos criminosos — isso na mais alta corte de justiça da nação. De um lado, um ministro anula os processos de Lula invocando uma miserável questãozinha burocrática. De outro, a ministra aceita gravações flagrantemente ilegais como “prova” contra Moro. É o “garantismo” à moda da casa.
As instituições brasileiras estão em vias de liquidação — e no ponto específico da insegurança jurídica, a marca das sociedades subdesenvolvidas que tanto envenena o Brasil de hoje, vamos chegando a extremos cada vez mais incompreensíveis. O STF, como se diz a cada decisão tomada por seus ministros, tornou-se o mais agressivo fator de insegurança no país. A ministra Cármen foi além: provou que não há segurança nem nos votos que os próprios ministros dão. Ela já tinha votado, neste mesmíssimo caso, contra a defesa de Lula. Agora, sem que tenha acontecido absolutamente nada de novo, vem dizer que o voto que tinha dado não vale mais nada  e apareceu com um outro voto, exatamente ao contrário do que já havia decidido, este a favor de Lula.
Quando nem o voto de um ministro tem qualquer significado, jurídico ou moral, podendo mudar à medida em que mudam os seus interesses, estamos no limite da insanidade.

quarta-feira, 10 de março de 2021

A Terrível Lição da Maior Reforma Agrária da História

Mulher famélica pede comida numa imagem rotineira da China revolucionária
Era preciso tirar a China comunista da miséria e estagnação. E em 1957 o líder comunista Mao Tsé Tung lançou o chamado Grande Salto Adiante, um inumano esforço igualitário para tirar a economia socialista daquela situação.
Foi de um desastre para outro muito pior. Mao descobriu que o país andava sobre duas pernas: a industrial e a agrícola. E excogitou o impensável: todo o sangue da agrícola devia passar para a indústria.
O método é bem conhecido no Brasil: a coletivização da terra e a organização militarizada do campesinato em comunas, ou assentamentos. Acabou sendo o modelo inspirador da reforma agrária socialista confiscatória brasileira, das CEBS agrícolas e do MST.
A desgraça da coletivização forçada da terra, executada em aras de uma utopia igualitária, gerou a pior fome da historia da humanidade: 45 milhões de cadáveres, segundo as mais recentes estatísticas.
O Grande Salto Adiante virou o Grande Salto Mortal para dezenas de milhões de chineses que se extinguiram sem terem o que comer, bem como para centenas de milhões de outros que com dificuldades indizíveis fugiram da extinção pela carência.
Poderia ter sido o destino do Brasil, e ainda poderá sê-lo caso se apliquem as fantasias teológico-igualitárias da CNBB e de seus ativistas, pregadores e tentáculos subversivos.
Frank Dikötter é o autor do estudo mais minucioso e recente sobre aquela explosão de inumanidade. Acaba de vir a lume na Espanha seu livro “A grande fome na China de Mao. Historia da catástrofe mais devastadora de China (1958-1962)”.
Aquela espantosa extinção dos famélicos foi durante muito tempo, um segredo proibido sob o socialismo maoista.
“A China desceu ao inferno” numa tentativa enlouquecida de acelerar o crescimento
Em 1988 o regime ousou dar a cifra oficial de 23 milhões de mortos de inanição e doença. “O livro negro do comunismo”, espécie de catálogo dos horrores dos regimes social-comunistas contabilizou um máximo de 43 milhões no período 1959-61.
David Priestland, autor de uma história condescendente do comunismo contou entre 20 e 30 milhões entre os anos 1958-61.
O trabalho de Dikötter, professor das universidades de Hong Kong e Londres, foi procurar dados nos arquivos chineses recentemente abertos e entrevistar sobreviventes.
O resultado foi estarrecedor.
Ele começa dizendo que “entre 1958 e 1962 a China desceu ao inferno”. E qualifica aquela imensa reforma agrária de “um dos maiores assassinatos de massa na história humana”.
Mao quis desenvolver rapidamente o país destruindo seu passado tradicional.
A fé cega nos dogmas materialistas ensinados pela Rússia entregou aos fanáticos  a “vanguarda do proletariado” —, quanto mais iletrados melhor, a execução do plano irreal.
Para granjear os elogios dos chefes, os ideólogos que dirigiam as comunidades de base falsificavam os dados, mesmo quando a realidade contradizia cruelmente todas as previsões do Líder Máximo.
As metas eram inatingíveis, sádico o poder, a corrupção caracterizava os que subiam na escala do Partido Comunista e o medo era o instrumento preferido para a tormenta infernal que aniquilou 45 milhões de chineses.
O Grande Salto Adiante foi também o pretexto para exterminar a oposição anticomunista no país e os comunistas moderados do Partido.
Quando a dissonância da realidade com a utopia ficou ovante a máquina socialista instalou um sistema de autocríticas humilhantes, de “seminários de correção”, de expurgos sistemáticos, de culto à personalidade num país que tinha virado um imenso campo de concentração.
Então a fome foi reforçada por desapiedada perseguição política, punidora de todos aqueles que não cumpriam os objetivos impossíveis de cumprir, que fraquejaram no trabalho coletivo de sol a sol ou que eram suspeitos de falta de entusiasmo pelo Partido, pelo Líder e pelas metas do socialismo.
As fazendas coletivas, campos comunitários ou assentamentos não se distinguiam dos campos de concentração
Os piores desatinos e o auge da mortandade se deram nas zonas dirigidas pelos socialistas maoistas mais puros e radicais.
O livro “A grande fome na China de Mao” ganhou o prêmio Samuel Johnson na categoria ensaio.
Ele fala da dinâmica do poder num Estado de partido único devorado pela corrupção e pelas denúncias mútuas. Ele entrevista pessoas comuns, recolhe suas táticas de oposição e subversão larvadas, seus esforços imaginosos de sobrevivência incluindo a mentira, a ocultação, o roubo, o contrabando ou a falsificação das contabilidades.
Ele só não só fala do afundamento de um sistema econômico e social que a Teologia da Libertação e as reformas agrárias latino-americanas tentaram parodiar.
O livro pretende entender a complexidade da conduta humana nos tempos de desespero e catástrofe, comenta “El Mundo”.
Deus não o permita, mas isso pode vir a se tornar tema por demais candente na hora em que catástrofes se anunciam nos quatro quadrantes do planeta.
Escritor, jornalista,
sócio do IPCO