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sábado, 30 de novembro de 2024
Olhando à Frente
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segunda-feira, 25 de novembro de 2024
Desfecho Macabro
por Maynard Marques de Santa Rosa.
“É tempo de murici, que cada um cuide de si!”, foi o que respondeu o Cel Tamarindo, comandante em exercício da 3ª Expedição contra Canudos ao oficial que, ansiosamente, o interpelara sobre o que fazer, na tarde de 3 de março de 1897. A investida tinha fracassado, parte da tropa estava em pânico e o comandante de ofício, Cel Moreira César, jazia moribundo no leito de morte.
O relato primoroso de Euclides da Cunha, em “Os Sertões”, traduz a perplexidade de um comandante pusilânime no momento decisivo.
Faltou firmeza. Em choque, sentado na caixa de um tambor, chupando longo cachimbo, o Cel Tamarindo não deliberava. O peso da responsabilidade era maior do que a sua força vital. Por insegurança, relegou os companheiros à própria sorte.
Não obstante, a maior parte dos soldados e das armas continuava incólume, e ainda havia dois terços da munição. Vendo-se, porém, abandonada, a tropa foi dominada pela sugestão de um terror sobrenatural. A retirada virou fuga e foi uma debandada. As armas foram abandonadas, peças de equipamento jogadas fora, as padiolas com feridos arriadas, dentre elas, o cadáver do Cel Moreira César. Embaixo, o sino soava desabaladamente. A população de Canudos a tudo contemplava com assovios estridentes, longos, implacáveis.
Caindo em si, Tamarindo lançou-se pela estrada, inteiramente só, o cavalo a galope, como se buscasse se redimir. Ordenou toques de meia-volta e alto, inutilmente; as cornetas, por fim, cessaram. Logo adiante, quando transpunha a galope o córrego do Angico, foi precipitado do cavalo por uma bala.
O episódio de Canudos é figurativo das crises de todos os tempos. Um comandante não abandona impunemente os companheiros de armas em perigo, porque o efeito moral da omissão pode ser devastador para o destino da sua tropa.
Meses depois, quando escoava pela estrada a coluna do Gen Arthur Oscar, durante a 4ª Expedição, renques de caveiras a branqueavam, alinhadas as cabeças, as faces voltadas para o caminho. Por cima, nos arbustos mais altos, restos de fardas pendurados, quepes de listras rubras, capotes, cantis e mochilas e, a uma banda, o espectro desaprumado do coronel Tamarindo, empalado num galho de angico seco, os braços e pernas pendidos, oscilando à feição do vento.
327 combatentes jaziam mortos. Os jagunços nada lhes haviam tirado, exceto a munição e as armas. Havia até, no lenço envolto na tíbia descarnada de um combatente, um maço de notas somando quatro contos de réis.
O desfecho macabro da 3ª Expedição passou para a História como lição do resultado da omissão e da fraqueza de um comandante de qualquer época.
Maynard Marques de Santa Rosa é Gen Ex R1
COMENTO: o cretino tido como mentor principal da cambada que se identifica como "dazisquerda", escreveu em um de seus livros — O 18 Brumário de Luis Bonaparte — que "A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa".
Esta frase me passou pela cabeça ao fazer algumas comparações, entre fatos da História e outros recentes.
O texto acima trata sobre um triste fato da História do Brasil, onde a miséria e o fanatismo religioso, aliados a interesses políticos, terminaram provocando uma tragédia na Bahia; semelhante a outra desgraça ocorrida no Rio Grande do Sul, cerca de duas décadas antes — menor em número de vítimas, mas não menos significante em termos de barbárie —, também causada pela penúria do povo, atraído pelo fanatismo religioso, melindrando interesses políticos e atraindo o preconceito.
Não gosto do falecido João Goulart, mas respeito a atitude adotada em 1964. Incitado pelo patife Leonel Brizola a resistir à deposição iminente, afirmou que preferia perder a presidência e sua vida política, do que causar uma guerra civil, com brasileiros matando-se por política. E abandonou o Brasil, indo refugiar-se no Uruguai.
Se Bolsonaro pensou da mesma forma, deveria ter deixado isto bem especificado, determinando aos seus generais que se esforçassem para desmobilizar os milhares de apoiadores acampados em frente aos quartéis, evitando a arapuca posteriormente armada pelos canalhas ora no poder, que deu no que deu. A mensagem deveria ter sido clara: perdemos uma batalha, mas seguiremos lutando — conforme fez o atual presidente eleito dos EUA —, e retornaremos para outros embates.
Mas, seguindo o costume brasileiro de esperar que algum outro tomasse a frente da situação e determinasse as atitudes necessárias, preferiu confiar na proteção divina e esperar algum milagre em atendimento às orações de seus seguidores acantonados em áreas militares Brasil a fora.
O que isto tem a ver com o texto principal? Na minha opinião, o mau uso da religiosidade.
Bolsonaro começou bem seu governo mas, logo depois parece que — deixando-se levar por aliados religiosos — sonhou ser um "predestinado por Deus". O respeito ao Criador ou a alguma entidade de sua crença, é um fator positivo em qualquer pessoa. Mas essa manifestação, de forma exagerada como se viu em diversas ocasiões, provoca dissensões e, no exercício do cargo presidencial, chega a ser inconveniente. A manifestação de que, na escolha de seus auxiliares diretos — até mesmo no caso dos dois ministros indicados ao STF — prevaleceria o critério de ser "terrivelmente evangélico" não parece ter dado bons resultados. Sou cristão mas costumo dizer que não se deve deixar tudo por conta de Deus. Há questões em que Ele prefere deixar que a liberdade da escolha humana prevaleça. E é nessas horas que a ATITUDE humana se manifesta.
Para não alongar mais, voltemos à frase de Karl Marx lembrando que o ditador venezuelano Hugo Rafael Chavez Frias projetou-se politicamente graças a um fracassado golpe de estado em 1992. Cumpriu dois anos de prisão e cinco anos depois fundou um partido político, sendo eleito para a presidência do país em 1998, permanecendo no cargo, mediante reeleições, até sua morte, em 2013, mesmo enfrentando até mesmo uma tentativa de golpe.
Vamos torcer para que a história não se repita como tragédia!
quarta-feira, 30 de outubro de 2024
¿O Que é, e Como nos Afeta a Subversão Ideológica?
por Marc Vendrell
As operações psicológicas tem sido conhecidas, também, sob outros termos, como guerra política e propaganda. O conceito de guerra psicológica se usa para «definir qualquer ação que se pratica, sobretudo por métodos psicológicos, com o objetivo de provocar uma reação psicológica planejada em outras pessoas». Se usam varias técnicas para realiza-la e está dirigida a influir no sistema de valores, no sistema de crenças, nas emoções, no raciocínio ou no comportamento do público.
As operações psicológicas têm muitas formas e diversas técnicas de serem aplicadas e, neste caso, trataremos da subversão ideológica.
A história por trás da subversão ideológica
A subversão ideológica é uma forma de combater o inimigo sem utilizar nenhuma arma além de umas quantas técnicas psicológicas/sociológicas/políticas.
Durante a Guerra Fria, o KGB (Inteligência Russa) não só era uma organização que se dedicava à espionagem mas, também, ia mais além disso.
Yuri Bezmenov foi um agente especializado em propaganda e operações psicológicas do KBG que desertou para os Estados Unidos e terminou vivendo no Canadá. Trabalhou para a Agencia de Imprensa Novosti, versão soviética no mundo real do Ministério da Verdade de 1984, a novela de George Orwell. Como suposto empregado da Novosti, o KGB o destinou à embaixada soviética em Nova Delhi, onde chegou a ser chefe adjunto de um dos departamentos do Grupo Secreto de Investigação e Contra-Propaganda.
Segundo ele, a antiga União Soviética aplicava este conceito de subversão ideológica na sociedade ocidental, mormente na dos Estados Unidos.
¿Como isso se aplica? ¿Ainda se utilizam estas técnicas e não temos consciência? Explicamos sua execução em quatro fases:
Primeira etapa: desmoralização
A primeira das fases é a «desmoralização». Além de ser a primeira etapa, também é a mais custosa, já que poderia levar mais de uma década para ser efetiva. Ainda assim, aparecem varias gerações de gente jovem (normalmente estudantes universitários) que desafiam e contrariam os valores ocidentais desde dentro do próprio país, sem se darem conta de terem sido «manipulados» durante anos por uma potencia estrangeira.
Bezmenov explicou que a desmoralização é importante porque priva à população-alvo de sua capacidade de processar informação válida. Mesmo quando quando os alvos dessa desmoralização são saturados por «provas verdadeiras» das posições contrarias, simplesmente «se negam a acreditar» nessas provas.
Segunda etapa: desestabilização
A segunda etapa na subversão ideológica é a «desestabilização», bastante mais rápida de aplicar que a anterior. Segundo o KGB, só se requerem entre dois e cinco anos para sua total efetividade.
Esta fase é basicamente uma estratégia de enfraquecimento institucional e estrutural das organizações mais importantes de um país. Setores como o da Defesa, Interior (Forças e Corpos de Segurança do Estado) e a Inteligência do país são os mais delicados e, quando debilitados, podem corroer a capacidade do Estado para responder a ameaças tanto exteriores como internas.
Esta fase deve criar uma «crise» fomentando a insegurança e o estresse na população. Além disso, os Estados tendem a ser mais vulneráveis a esta fase em épocas de crises econômica e social, quando há uma grande polarização política e os países inimigos podem facilmente aproveitar a conjuntura.
Terceira etapa: crises
Neste momento, a sociedade está envolta em um caos social, alta tensão e com a confiança muito escassa para suas próprias instituições, provocada tanto por variáveis endógenas como exógenas.
Bezmenov destacou que esta crise poderia manifestar-se de diversas formas, incluída a agitação política, o colapso econômico ou o mal-estar social, até o objetivo final, que seria a mudança radical no poder devido ao desespero e desconfiança da sociedade; e parte desta mudança, estaria controlada desde o exterior.
Operações psicológicas, fake news ou estímulo econômico, são ações que forças externas podem realizar para piorar ainda mais a situação e favorecer uma troca, quer seja para controlar um novo regime ou, simplesmente, para desestabilizar e debilitar o país.
Por exemplo, estimulando uma alternativa ideológica contrária à atual ou soluções alternativas, criando uma oportunidade para modificar as dinâmicas de poder e a imposição de novas ideias estrangeiras a uma população muito débil e vulnerável nesse momento.
Etapa final: normalização
É nesse momento em que a ideologia subvertida se converte no normal. Esta fase não é uma espécie de nova normalidade ou estabilidade, mas sim uma nova ordem social baseada em uma ideologia que antes era estranha à população, mas agora é o regime dominante.
Tudo que é social está, agora, remodelado com novos pensamentos, tanto individuais como coletivos, apagando a identidade cultural e os valores que previamente reinavam nesse país. Neste momento, o processo de subversão está totalmente completado.
As explicações do ex-agente do KGB Yuri Bezmenov sobre as etapas da subversão ideológica ainda são atuais e alertam sobre a importância de proteger os princípios, as bases e a identidade cultural que constituem o caráter de um país. Compreender, estudar e conhecer estas etapas, oferece uma estrutura para identificar e neutralizar possíveis riscos às democracias e à coesão social das mesmas.
Fonte: tradução livre de LISA News
COMENTO: Me parece que as etapas citadas no texto podem ser resumidas de modo prático se trocarmos alguns termos. Na primeira, a desmoralização se dá pela difusão em massa de boatos, mentiras e meias verdades sobre o governo ou pessoas que o compõem. A desestabilização se dá pelo uso da falta de credibilidade, obtida na fase anterior, junto a execução ativa de movimentos populares (greves, manifestações que possam gerar tumultos, badernas com violência que levem à repressão violenta, etc.) que alimentem o descredito nas autoridades. A crise da terceira fase vem de forma quase espontânea, no rastro da situação criada nas etapas anteriores. Se for nutrida por esforços externos, se instala mais facilmente. Por fim, a nova ordem social baseada numa ideologia que antes era algo estranho à população, se instala e passa a ser o novo regime, com regras, métodos de comando e administração totalmente desconhecidos, mas eficientes no controle da população. Se isso te parece estranho, olhe em volta e acorde para a "nova vida"!
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terça-feira, 15 de outubro de 2024
“O Grande Irmão Observa Você”
Programa de vigilância do MJ permite a 55 mil agentes seguir “alvos” sem justificativa
por Rubens Valente e Caio de Freitas
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) opera e disponibiliza para mais de 180 órgãos públicos uma poderosa plataforma de dados capaz de monitorar pessoas e veículos nas ruas em tempo real e sem autorização judicial. O MJSP reconheceu à Agência Pública que os 55 mil usuários civis e militares do sistema não estão obrigados a explicar o motivo da escolha de seus “alvos”.
Para fazer o monitoramento, o sistema de vigilância e controle se vale, entre outras informações, de imagens captadas em tempo real por 35,9 mil câmeras espalhadas por lugares públicos em todo o Brasil: rodovias federais, ruas e avenidas urbanas, entradas e saídas de estádios de futebol, entre outros pontos. O sistema conta ainda com uma funcionalidade chamada de “cerco eletrônico”, que na prática consegue monitorar ao vivo veículos por ruas e avenidas pelo país a partir da “leitura” dos caracteres das placas.
A Pública apurou que os usuários do sistema podem vigiar “alvos” em tempo real sem explicar a necessidade, quem ordenou o monitoramento, qual foi o tempo de sua duração nem o resultado da vigilância.
Oficialmente chamado pelo governo federal de Plataforma de Monitoramento Córtex, o sistema é usado como ferramenta do setor de “inteligência” do MJSP, em Brasília (DF), condição usada como argumento jurídico para que as consultas ocorram sem prévia análise do Judiciário, fora de inquéritos policiais e processos judiciais.
Indagado pela Pública, o MJSP reconheceu que “não há necessidade de se motivar a consulta [no Córtex], haja vista se tratar de consultas visando atividades de segurança pública (que é o objetivo do sistema). Porém, caso haja suspeita de irregularidades nas consultas, deve haver atuação da auditoria”.
Embora seja o criador, coordenador e mantenedor da plataforma, o MJSP disse à reportagem que não cabe à pasta controlar o acesso das consultas dos “alvos” pelos outros órgãos públicos que usam o Córtex.
“O controle de acesso para a realização de consultas de ‘alvos’ é feito pelo ponto focal de cada instituição, indicado pelo seu representante maior, através de ofício, sendo que todas as consultas realizadas deixam log de quem as realizou, para que seja possível a auditoria”, respondeu o MJSP.
A portaria ministerial que regulamenta o uso do Córtex indica que as auditorias devem ser feitas pelos próprios órgãos que têm acesso ao sistema, com envio mensal de relatórios sobre o uso da plataforma pelos 55 mil usuários civis e militares.
Em resposta à Pública, porém, o MJSP afirmou que foram registrados somente 62 relatórios de auditoria no sistema, em uso há mais de quatro anos.
Sobre o baixo número desse tipo de documento, considerando que são mais de 180 órgãos usuários do sistema há anos, o MJSP argumentou que “puxou para si a responsabilidade em realizar relatórios de auditoria, sendo que todos os processos de auditoria do órgão estão sendo revisados. Portanto, os 62 relatórios produzidos foram todos no âmbito do MJSP”.
Monitoramento 24h, por tempo indeterminado
Entre os milhares de usuários do Córtex há membros das Forças Armadas, policiais civis, militares e federais, agentes penitenciários, integrantes do Ministério Público, bombeiros, guardas civis e até servidores de órgãos de fora do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).
Em resposta a um pedido feito pela Pública por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o MJSP se recusou a dizer quantas pessoas e veículos já foram vigiados por meio do Córtex, sob a alegação de que, “caso a informação seja divulgada, poderá comprometer investigações e/ou operações policiais em andamento”. A reportagem não havia solicitado nomes, mas apenas os números totais, já consolidados.
A negativa ao pedido de LAI da Pública teve respaldo da Controladoria-Geral da União (CGU), que manteve o sigilo das informações, embora tenha admitido à reportagem, também via LAI, nunca ter feito uma auditoria sobre o uso do Córtex.
O MJSP reconheceu, também por meio da LAI, que os “alvos” do Córtex podem ser vigiados por tempo indeterminado, “até que sejam colhidos eventuais indícios” para indiciamentos graças à natureza de “ferramenta auxiliar de investigação”.
Conforme divulgado pelo próprio ministério em resposta a outro pedido feito pela LAI em 2022, um total de 360 mil “alvos” havia sido “identificado” até janeiro daquele ano. De acordo com o então governo Bolsonaro, esses “alvos” seriam “veículos furtados e roubados, pessoas desaparecidas, entre outras bases integradas ao sistema”.
Uma tentativa de auditoria do próprio MJSP, conduzida em 2023, desistiu de “realizar auditoria do passado”, em referência ao uso do Córtex antes do atual governo.
O MJSP também identificou casos de venda de senhas e presença de contas robotizadas no sistema, capazes de extrair massivamente dados sigilosos de milhões de pessoas no Brasil. Suspeitas dessa natureza foram denunciadas anteriormente pelo site The Intercept Brasil e pela revista Crusoé.
A Pública apurou que o ministério descobriu pelo menos um caso de usuário que fez um milhão de pesquisas no Córtex em um único dia, o que sugere o uso de robôs para a extração de dados sensíveis.
O MJSP suspeitava também da presença de “laranjas” no sistema, com pessoas sem nenhuma ligação com órgãos de segurança pública operando o Córtex.
Na ausência de um controle externo, independente ou interno eficaz sobre a motivação das consultas ao sistema, a seleção dos “alvos” pode recair sobre adversários políticos do governo e do MJSP e até em benefício de interesses pessoais dos usuários.
Por exemplo: um agente pode rastrear em tempo real o veículo de sua cônjuge graças a imagens obtidas via Córtex sem precisar, antes, indicar a motivação para tal monitoramento. Entre os documentos do MJSP obtidos pela Pública aparece a menção a essa possibilidade, chamada pela equipe do ministério de “rastreio (cônjuge)”.
Outro documento obtido pela reportagem revela que servidores do MJSP chegaram até a discutir a criação de “um alerta quando o policial rastrear o veículo da esposa, considerando os crimes de violência doméstica” no Brasil.
Um total de 108 órgãos municipais e estaduais, como secretarias de Fazenda, de Segurança Pública e de Trânsito, tem acesso à plataforma Córtex por meio de APIs (em inglês, Application Programming Interface), uma funcionalidade que permite a integração de sistemas de informação.
Quando a API é usada, o MJSP em Brasília (DF) pode até saber qual órgão está conectado ao Córtex em determinado momento, mas o controle sobre o uso do sistema fica a cargo dos próprios órgãos com acesso.
Por meio de documentos do MJSP, a Pública apurou que pelo menos até março de 2023 também detinham a ferramenta API no Córtex:
— o setor de inteligência do Exército
— o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM), ligado ao Ministério da Defesa
— o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
— o Ministério Público Federal (MPF), entre outros órgãos.
Todos os 49 órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) também possuem acesso ao Córtex, incluindo:
— a Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
— a Polícia Federal (PF)
— a Polícia Rodoviária Federal (PRF)
— o Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
O MJSP reconheceu à reportagem que, além das imagens de câmeras de rua, o Córtex dá acesso a dados de veículos, cadastros de pessoa física na Receita Federal, cadastros de embarcações e condutores, restrições judiciais e base nacional de carteiras de habilitação.
Contudo, um documento obtido pela Pública sugere que essa informação oficial está incompleta.
Um ofício assinado em 18 de junho passado pela diretora de Gestão e Integração de Informações do ministério, Vanessa Fusco Nogueira Simões, revela que “as bases de dados internalizadas no Córtex” incluem outros dados sensíveis não mencionados na resposta do MJSP.
O ofício do MJSP lista a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), que contém vencimentos salariais de milhões de pessoas empregadas no Brasil; o Cadastro do Sistema Único de Saúde (CADSUS), com dados sigilosos de pacientes do SUS; e informações não especificadas sobre autoridades em geral qualificadas como Pessoas Expostas Politicamente (PEPs).
O MJSP trabalha para ampliar ainda mais a base do Córtex, agregando dados obtidos por prefeituras, governos estaduais e até concessionárias de serviço público. Para isso, tem estabelecido parcerias.
Para que prefeituras, governos estaduais e outros órgãos tenham acesso irrestrito ao Córtex, basta que deem uma “contrapartida”, ou seja, o acesso a bases de dados que eles já possuem. São então assinados entre o MJSP e a outra parte Acordos de Cooperação Técnica (ACTs), que, em muitos casos, deram acesso ao Córtex para guardas civis e servidores de órgãos fora do Sistema Único de Segurança Pública.
Até março de 2023, o MJSP havia firmado 184 ACTs em todo o país. Outras 191 propostas de acordo aguardavam pareceres e despachos de diferentes setores da pasta. Após seguidas negativas, somente depois de um recurso protocolado na CGU o ministério disponibilizou à Pública cópias dos acordos assinados com estados e municípios.
Os ACTs mostram que prefeituras alimentam as bases do Córtex com dados diversos, como informações “em tempo real da bilhetagem dos ônibus”, incluindo “CPF e Nome [dos passageiros], Linha e Prefixo [dos ônibus], Data e Hora da Leitura [dos cartões de embarque], Latitude e Longitude [dos ônibus em trânsito]”.
Os documentos dos ACTs sugerem contradições entre compromissos já assinados e o que foi informado pelo MJSP à Pública. Foi assinado, por exemplo, um acordo entre a pasta e os secretários estaduais de Fazenda, Receita, Economia, Finanças ou Tributação de todos os estados mais o Distrito Federal “visando o intercâmbio de informações” e acesso ao Córtex.
O ministério disse à reportagem, porém, que apenas três secretarias estaduais de Fazenda — dos governos de Alagoas, Paraíba e Acre — compartilham seus dados com o Córtex. O MJSP alegou sigilo para não explicar o conteúdo das informações recebidas das secretarias de Fazenda.
Como ministro, Moro comemorou sistema de vigilância
Herdado do governo de Michel Temer (2016-2018), quando ainda operava pontualmente, o Córtex passou a ser usado em larga escala durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), nas gestões dos ex-ministros Sergio Moro (2019-2020), André Mendonça (2020-2021) e Anderson Torres (2021-2022).
O MJSP formalizou o uso do Córtex no seu atual formato em 2021, na gestão de Torres.
Antes, em setembro de 2019, na gestão de Moro, hoje senador pelo União Brasil, já existia um sistema com esse nome, conforme o ex-juiz divulgou naquele mês em sua conta no antigo Twitter: “A unificação dos sistemas de monitoramento viário Alerta Brasil 3.0 da PRF e Córtex da Seopi, ambos do MJSP, levará à redução de custos e a [sic] criação de um sistema integrado com seis mil pontos de monitoramento no país”.
O número de câmeras conectadas ao Córtex aumentou desde então. Em 2021, dois anos após o tuíte de Moro, o sistema já tinha acesso a 26 mil equipamentos espalhados pelo Brasil. Hoje, o número chega a quase 36 mil.
Documentos obtidos pela Pública e variadas fontes com acesso ao sistema, ouvidas sob a condição de anonimato, confirmam que o Córtex é capaz de monitorar o deslocamento em tempo real de veículos e pessoas, além de emitir “alertas de inteligência para alvos de interesse”. Há diversas referências a “alvos móveis”.
O monitoramento se assemelha às capacidades do programa First Mile, foco de um escândalo na Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) após a descoberta de que ele consegue acompanhar, em tempo real, usuários de telefones celulares.
O Córtex do MJSP acompanha veículos, em vez de telefones, mas o efeito prático é semelhante: os usuários da plataforma têm a capacidade de saber onde e quando uma pessoa esteve ou por quais ruas e avenidas passou ou costuma passar, bastando reconstituir seu trajeto por meio das câmeras.
Consultas ao sistema podem ser feitas apenas pela placa do carro. As câmeras instaladas em ruas, avenidas e rodovias conseguem “ler” os caracteres das placas e indicar exatamente por onde o veículo passou ou costuma passar em determinado dia ou hora.
“Processo permanente de vigilância”, diz especialista
Sem apresentar todos os detalhes sobre o caso concreto, a reportagem ouviu especialistas sobre os riscos inerentes ao avanço de um sistema de vigilância tão poderoso quanto o Córtex.
“O Córtex dá a possibilidade de nos submeter a um processo permanente de vigilância, identificando todas as vezes que você entra e sai de uma rodovia ou de um shopping center, como se alega que ele seja capaz de fazer. Na prática, nossa presunção de inocência é totalmente ignorada”, disse à Pública Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, especializada em direitos digitais.
“Um dos problemas do Córtex é que, do ponto de vista de estratégia de integração e de segurança pública, ele tem uma cara de política pública robusta, mas sua parte normativa é precária”, afirmou Zanatta.
O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) Marcelo Semer disse à Pública em teoria, sem conhecer o caso concreto, que “a consolidação de um projeto de vigilância total deve ser vista com cuidado, pois a reunião irrestrita de dados pessoais pode gerar uma situação de compressão absoluta da privacidade e pode ser utilizado para diversos fins, nem todos lícitos”.
Semer, doutor em criminologia e mestre em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), mencionou uma recente investigação da Polícia Federal (PF). Em 2023, a PF descobriu que criminosos da facção PCC usaram um sistema da polícia de São Paulo para localizar um carro descaracterizado da própria Polícia Civil.
“É preciso transparência acerca dos protocolos, até para impedir que dados que estejam sujeitos à reserva de jurisdição não sejam obtidos sem ela nem sejam compartilhados com empresas para fins próprios”, disse o desembargador.
Vigilância sobre alvos “com ou sem restrições”
A plataforma Córtex recebe imagens geradas dia e noite por 35,9 mil câmeras espalhadas em rodovias e zonas urbanas, as que registram entradas e saídas em estádios de futebol, fluxo em rodovias federais, entre outros lugares.
Graças à função de alertas programados do Córtex, os usuários podem marcar determinada pessoa ou veículo e serem avisados, em tempo real, em caso de avistamento ou atividade ligada ao “alvo”.
O Córtex consegue vigiar 24 horas por dia, sete dias por semana, pessoas e veículos “com ou sem restrições”, conforme os acordos firmados pelo MJSP com órgãos públicos.
Nas prefeituras e estados, o Córtex é mais uma entre outras ferramentas que também possuem “câmeras inteligentes”, isto é, capazes de “ler” os caracteres das placas de carros e monitorar carros e pessoas. Formou-se uma verdadeira indústria em torno do tema, com empresas privadas montando e vendendo os sistemas para as prefeituras.
Reprodução de publicação na rede social Instagram da empresa Sentry sobre a ferramenta “Muralha Digital” |
O coordenador da Guarda Civil Metropolitana de Cordeirópolis (SP), Leonardo Maximiliano, explicou à Pública, durante um seminário sobre segurança pública realizado em junho passado em Brasília, como funcionam as “câmeras inteligentes” no dia a dia do município. Ele disse que são instrumentos eficazes no combate ao crime.
“A gente detecta carros clonados até no Acre, até no Amazonas, onde tiver o sistema funcionando. Por exemplo, você tem um carro com uma determinada placa rodando num lugar e a mesma placa rodando em outro. Se eles vão passar por uma câmera inteligente num curto espaço de tempo, o sistema já parametriza. ‘Peraí, essa placa está lá e aqui?’ E manda um alerta automático”, disse o coordenador da Guarda Civil de Cordeirópolis.
Segundo Maximiliano, o sistema da Sentry integra “mais de 140 cidades” no país, incluindo Curitiba (PR), Manaus (AM), Vitória (ES) e Rio de Janeiro (RJ). “É um software que está ganhando espaço. Eu posso cadastrar para [receber] um alerta. Se esse carro passar na minha cidade por uma câmera inteligente, ele vai me dar um alerta. […] O sistema tem um caráter preventivo muito forte. A gente identifica os veículos, as ações, e encaminha para o Judiciário. Então, assim, [hoje] é o carro-chefe de qualquer cidade”, disse Maximiliano.
Conforme o coordenador da Guarda Civil, o Córtex “ajuda muito”, principalmente com imagens captadas nas rodovias federais.
À Pública, a Sentry confirmou sua atuação em mais de 130 municípios e nove capitais. A empresa disse que seu sistema “tem como objetivo realizar a ‘análise comportamental’ do deslocamento dos veículos”.
“Quando a câmera identifica o veículo e faz a leitura da placa, automaticamente essa informação chega para o sistema, que realiza através de inteligência artificial e algoritmos a identificação desse veículo. Tendo essa identificação, o sistema tem uma integração com bancos de dados de órgãos públicos”, afirmou à reportagem o setor de marketing da empresa. “A gente consegue, por exemplo, vincular o nosso sistema à iniciativa público-privada, em escolas, universidades, comércios. Porém, o ‘passo inicial’ é sempre feito pelas prefeituras porque é necessário que a cidade possua o sistema para que a gente consiga replicar”, disse a Sentry.
Inteligência do MJSP quer ampliar suas bases de dados
Preocupa aos especialistas o fato de o Córtex ser apenas a ponta do iceberg, pois o MJSP já mantém uma miríade de bases de dados sensíveis em seu poder, além de criar novas ferramentas.
A Pública apurou que o governo trabalha, desde o ano passado, para formar uma plataforma ainda mais poderosa, denominada Orcrim (Sistema Nacional de Inteligência para Enfrentamento ao Crime Organizado), na qual o Córtex seria inserido como apenas uma das peças.
Na futura base Orcrim, segundo documentos obtidos pela reportagem, estariam relatórios de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), ligado ao Ministério da Fazenda, e um sistema chamado de Projeto Excel — já tratado em reportagem do site The Intercept Brasil —, que agrega e disponibiliza dados extraídos de aparelhos eletrônicos como telefones celulares de investigados e réus em processos e inquéritos criminais no país.
O sistema Orcrim foi institucionalizado por uma portaria assinada por Sergio Moro em março de 2020. Em 2023, o governo Lula anunciou que o Orcrim integra um programa de enfrentamento às organizações criminosas orçado em R$ 900 milhões.
Com sistema Córtex, do MJSP, existe a opção de “cerco eletrônico” a partir de 35,9 mil câmeras espalhadas pelo país |
Sistemas ficam no âmbito da “inteligência” do ministério
Tanto no Córtex quanto no Orcrim, esse grande conjunto de informações sensíveis fica sob a administração da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência (DIOPI), subordinada à Secretaria Nacional de Segurança Pública do MJSP.
Até janeiro de 2023, o principal braço da DIOPI era a Secretaria de Operações Integradas (SEOPI). Foi nesse setor que o ministério produziu, em 2020, os relatórios contra 579 policiais e professores antifascistas. Acionado na época pela oposição ao governo Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou ilegal a fabricação de tais dossiês.
Quatro anos depois, a Pública confirma que a produção dos relatórios de inteligência foi uma prática generalizada e intensa no MJSP, com uso de ferramentas como o Córtex e o Excel, entre outras.
O ministério produziu 6.841 relatórios de 2015 a 2023 que, por meio de uma manobra conceitual da pasta, caíram em “sigilo eterno” — ou seja, sem prazo definido para que um dia venham a público. Desse total, 66% foram produzidos durante os quatro anos do governo Bolsonaro.
Edição: Thiago Domenici
Fonte: A Pública
COMENTO: o tempo vai passando e a tão falada quanto mal interpretada Liberdade vai sendo tolhida aos poucos. Lá pelos meados de 2008 eu publiquei aqui um artigo criticando os valores semestrais movimentados por pessoas, físicas e jurídicas, que deveriam ser informados ao COAF e Receita Federal para controle de possíveis movimentações ilegais. Em novembro daquele mesmo ano, outro texto tratava sobre o computador — o T-Rex, recém adquirido pela Receita Federal — capaz de rastrear e cruzar dados pessoais, que na prática exterminava o tal sigilo financeiro de qualquer indivíduo. Ainda em meados de 2008, dois outros textos tratava sobre o custo-benefício da implantação da identificação biométrica dos eleitores e os riscos que poderiam advir para o sigilo do voto de cada um. No final daquele ano, voltei ao risco sobre o sigilo eleitoral. Com o advento da internet e as redes sociais, a intimidade individual sofreu novo abalo, praticado voluntariamente pelos usuários que fornecem graciosamente suas informações básicas sobre residência, locais que frequenta, viagens e passeios, etc; ao mesmo tempo em que a censura governamental começou a ficar mais visível. No início do século, o atentado às Torres de NY, deu margem ao início de rígidos controles ao que é publicado em redes sociais. Por aqui, começaram os "programas de incentivo à arrecadação fiscal", nas Unidades da Federação, com a cobrança de Nota Fiscal no comércio e a inclusão do seu CPF nas mesmas, informando à administração governamental o que é comprado e por quem. Logo depois, a partir de 2011, começou o uso dos "chips automotivos". O tempo dos "grampos" telefônicos — e a inimaginável mão-de-obra que deles derivavam, para a obtenção de quase nada — já fazem parte do passado. As inúmeras possibilidades de interação e cruzamento de dados relatados no texto acima me faz pensar que o mundo de "1984", de George Orwell já foi ultrapassado há bastante tempo. Aliás, isto já foi denunciado em setembro de 2011, por ninguém menos que José Anselmo dos Santos, o "Cabo Anselmo", e em novembro do mesmo ano o assunto voltou à baila. Para não estender mais esta relação de textos abordando o contínuo avançar sobre as liberdades dos cidadãos, temos em 2018, dois bons exemplos, vindos da China, sobre o uso das novas tecnologias nesse sentido. E encerramos com uma dúvida que cresce a cada momento: as intenções apresentadas até podem ser boas, mas as pessoas que administram tais novas tecnologias são "boas"?
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terça-feira, 24 de setembro de 2024
Como Israel Atacou o Hezbollah Usando "Pagers"
Durante dois dias, a Inteligência israelense levou a cabo um ataque sem precedentes: a explosão simultânea de 'beepers' e 'walkie-talkies' que provocou 37 mortos e mais de 3.000 feridos.
Funeral de duas das pessoas que morreram nas explosões de 17 de setembro em Beirute, Líbano. Foto: EFE |
Desliguem isso! Coloquem-no em uma caixa de ferro trancada e enterre-o! O celular que está nas suas mãos, e nas das suas esposas e filhos, é um assassino — disse o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, num discurso em fevereiro passado.
Nasrallah estava convencido de que Israel — o seu maior inimigo — estava utilizando as redes de telefonia celular para localizar membros do seu movimento. É por isso que há vários anos insiste na necessidade de recorrer a uma tecnologia de comunicação mais simples, até ultrapassada: pediu para voltar ao beeper. Seu uso já havia começado a se espalhar entre os membros da milícia libanesa, convencidos de que ali suas informações e localização eram mais seguras. O que nem Nasrallah nem qualquer membro do Hezbollah esperavam era que estes pequenos dispositivos se transformassem em breve em verdadeiros cavalos de Tróia.
A primeira coisa que sentiram, na terça-feira, 17 de setembro, foi o som que anunciava uma mensagem. Eram 3h30 da tarde no Líbano. Alguns estavam no mercado comprando frutas, outros andavam de moto pela rua, alguns descansavam em casa ou faziam fila no supermercado. Houve alguém que, naquele momento, pediu à filha que lhe trouxesse o aparelho que estava começando a tocar. Talvez eles pensassem que era uma mensagem urgente dos seus chefes. Mas em vez disso, ao tocar no pager, tira-lo do bolso ou o aproximarem do rosto para vê-lo melhor, o que veio foi uma explosão. Uma, duas, três, centenas de explosões inundaram o país, especialmente em áreas que são redutos do Hezbollah. Alguns vídeos os mostram contorcendo-se no chão, gritando, enquanto a fumaça sai de seus bolsos ou pastas.
Sirenes de ambulâncias tocavam em todas as esquinas e os serviços médicos colapsaram devido ao número de pessoas que chegavam com ferimentos, principalmente no rosto, nas mãos e nos quadris, dependendo de onde estavam o beeper. Porta-vozes médicos relataram mais de quatrocentas cirurgias realizadas somente naquele dia como resultado do ataque. Houve onze mortos e mais de três mil feridos. Duas crianças perderam a vida. Fátima Abdullah, de 9 anos, foi quem saiu em busca do bipe para levá-lo ao pai.
Um dos feridos, segundo a mídia local, era o embaixador iraniano no Líbano, Mojtaba Amani. Não se sabe se ele estava com um dos dispositivos ou se estava perto de alguém que o carregava. O Hezbollah reconheceu que oito dos mortos eram combatentes. Até aquele momento a identidade de seus membros era segredo até mesmo de seus familiares. Este ataque quebrou esse sigilo e deixou claro que qualquer vizinho poderia ser um deles.
Os bipes de milhares de membros da milícia xiita explodiram em uníssono: não poderia ser coincidência. Era evidente que estavam carregados com algum tipo de explosivo. Isso poderia acontecer com outros dispositivos? O pânico tomou conta das pessoas em geral, que correram para desligar seus celulares, desconectar seus eletrodomésticos, seus laptops e suas babás eletrônicas. Se um pager pode causar tanto dano, qualquer coisa poderia ser uma arma letal.
O Hezbollah iniciou uma revisão dos seus sistemas de comunicações, mas não conseguiu concluí-la antes que ocorresse o segundo ataque. Foi no dia seguinte, quando centenas de pessoas compareceram aos funerais de algumas das vítimas de terça-feira. Nesse momento começaram as novas explosões, não dos bipes, mas dos walkie-talkies. As pessoas correram em busca de abrigo. Ouviam-se gritos pedindo que se afastassem dos aparelhos, e para desligá-los. Este segundo ataque causou vinte e cinco mortes — aparentemente, os dispositivos continham mais explosivos e portanto eram mais letais — e pelo menos seiscentos feridos.
Uma empresa fantasma e um poderoso explosivo
Ao pensar nos responsáveis, os olhos imediatamente se voltaram para Israel. O Hezbollah e Israel têm uma história de conflito — desde o nascimento da milícia pró-Irã na década de 1980 — que aumentou no último ano. Ao longo destes meses os seus confrontos têm sido constantes devido à solidariedade que o Hezbollah tem prestado ao Hamas.
Israel — através da sua famosa e temida agência de inteligência, o Mossad — já estava a calcular um ataque destas dimensões. A inteligência israelense estava ciente da propensão da milícia xiita para usar beepers e elaborou um plano sofisticado para interceptá-los. De acordo com especialistas em segurança consultados pelo The New York Times, Israel já havia criado há muito tempo uma empresa de fachada que se oferecia para fabricar esses dispositivos. A BAC Consulting, com sede na Hungria, era na verdade uma fachada que produzia este tipo de dispositivos para diversos clientes. Embora estivessem interessados apenas em um deles: o Hezbollah.
O grupo libanês encomendou mais de três mil bipes para distribuí-los entre os seus membros no Líbano e alguns no Irã e na Síria. Os aparelhos, a maioria modelo AR924, contavam com o selo Gold Apollo, empresa taiwanesa de alta tecnologia com a qual a BAC Consulting havia negociado permissão para uso da marca.
Durante a fabricação, os dispositivos foram manipulados para esconder, junto com a bateria alguns gramas de PENT — um explosivo dos mais poderosos —, bem como um interruptor que permitiria sua operação remota.
O envio de beepers ao Hezbollah começou em 2022 e foi reforçado no início deste ano, quando o líder do movimento lançou o seu pedido para “enterrar os celulares” e mudar para o pager. Segundo fonte próxima da milícia, consultada pela agência AFP, “os que explodiram correspondiam a um carregamento recente”. Agentes de inteligência israelenses os enviaram através de sua fábrica fantasma, esperando o momento exato chegar para explodi-los.
Na quarta-feira, após os ataques, a mídia de Taipei foi aos escritórios da Gold Apollo para investigar o que aconteceu. Membros do Ministério Público de Taiwan já estavam no local fazendo perguntas ao presidente e fundador da firma, Hsu Ching-kuang. Pediram-lhe todos os tipos de detalhes sobre seus sócios e seus contratos. “Não são nossos produtos”, apressou-se em dizer Hsu Ching-kuang e esclareceu que estes dispositivos foram fabricados pela BAC Consulting, que tinha autorização para utilizar a sua marca e distribuí-los em diferentes regiões. O Governo da Hungria, por seu lado, afirmou que os dispositivos não tinham sido fabricados no seu território. Os detalhes deste caso levarão tempo para serem conhecidos. Suas consequências, porém, começaram a ser percebidas imediatamente.
“O acerto de contas vai acontecer”
“Isto é puro terrorismo. Vamos chamá-los de massacre de terça e massacre de quarta. É uma declaração de guerra”, disse o líder do Hezbollah na quinta-feira passada. E veio o aviso de “punição justa”: “Não vou falar do lugar, do momento, do local. Você descobrirá quando isso acontecer. O acerto de contas acontecerá.”
Nasrallah também reconheceu que foi um ataque “sem precedentes” na história do seu movimento. Em geral, todos os tipos de adjetivos foram usados para descrever o evento: audaz, atrevido, engenhoso, preciso, “coisa de filme”. Não é de forma alguma a primeira vez que a Mossad demonstra sua capacidade particular. Tanto o Hezbollah como outros grupos apoiados pelo Irã — e o próprio Irã — têm sido alvo da inteligência israelita em ações que envolvem a tecnologia mais avançada.
Este caso trouxe à mente o do cientista iraniano Mohsen Fakhrizadeh, que, segundo Israel, liderou o programa nuclear daquele país e era uma ameaça à sua segurança. Fakhrizadeh foi assassinado em 2020 num ataque que, dizem, teve a assinatura da Mossad e foi executado por um robô gerido com inteligência artificial.
Os serviços israelenses já haviam atacado explodindo celulares. Mas até agora estes tinham sido casos isolados em que estava envolvido um único dispositivo. A ação massiva e simultânea realizada com beepers e walkie-talkies esteve em outro patamar e, além da surpresa, gerou debate. Uma das críticas é que foi realizado em locais onde civis poderiam ser afetados. “As explosões no Líbano parecem ter sido direcionadas, mas causaram sérios danos colaterais indiscriminados entre os civis. Houve crianças mortas”, disse o alto representante da União Europeia, Josep Borrell. O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, disse ao Conselho de Segurança que está “consternado com o impacto dos ataques. ... É um crime de guerra cometer atos de violência destinados a semear o terror entre a população civil.”
Este tipo de observações não parece afetar as intenções de nenhuma das partes. O Ministro da Defesa israelita, Yoav Gallan, anunciou “o início de uma nova fase nesta guerra”, que aparentemente tem como alvo o Líbano, com esforço até mesmo maior que Gaza. O Hezbollah, por seu lado, acusou o golpe — a humilhação, como o definiram, o seu “maior fracasso de contraespionagem em décadas” — mas isso não o vai levar a recuar da sua intenção de guerra.
A reação de ambos os lados, após os ataques de terça e quarta-feira, tem sido acelerar as ofensivas. Na sexta-feira, 20, o Hezbollah disparou dezenas de foguetes contra bases militares israelitas e, por seu lado, Israel respondeu com ataques mais intensos e afirmou ter matado um dos seus líderes estratégicos, Ibrahim Aqil, chefe das forças de elite. O que muitos temem, diante deste novo panorama, é que as águas se tornem ainda mais turbulentas e acabem provocando um confronto mais amplo, uma guerra regional com consequências terríveis.
Fonte: tradução livre de El Tiempo
COMENTO: Uma Operação de Inteligência perfeita, usando o principal objetivo do terrorismo, tão usado pelas eventuais vítimas do dia 17, semear o medo!! Espanta a hipocrisia dos "altos representantes" da União Europeia e dos Direitos Humanos da ONU, ao falarem sobre vítimas civis. Quando os autores do terrorismo são os fanáticos malucos do Hamas e do Hezbollah, civis judeus são um mero detalhe. O mais irônico de tudo foi a Operação ter aproveitado o discurso do principal líder do "Partido de Deus", contra as novas tecnologias. Enfim, o sucesso está representado no "levar o terror aos terroristas, ou servi-los o mesmo cardápio que oferecem". Pior que as mortes causadas e a quantidade de feridos, é a incerteza sobre o que pode acontecer no momento seguinte, esse é o principal fator das Ações Psicológicas! Parabéns, Israel!
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sexta-feira, 20 de setembro de 2024
Aníbal Barca – Um dos Maiores Inimigos do Império Romano
O general cartaginês Aníbal Barca foi um dos grandes militares da antiguidade e, até hoje, é referência pelas táticas utilizadas em batalha.
por Julie Tsukada
Aníbal Barca foi um general cartaginês conhecido pela sua atuação durante a Segunda Guerra Púnica, conflito entre romanos e cartagineses que durou entre 264 e 146 aC. Grande estrategista, é considerado um dos principais militares da antiguidade. Filho do também general Amílcar Barca, Aníbal nasceu em 247 aC, em Cartago.
O território, antiga colônia dos fenícios, estava localizado na costa norte do continente africano, onde hoje está a Tunísia. Banhado pelo mar Mediterrâneo, era um local estratégico para importantes rotas comerciais da antiguidade, que se dirigiam à Espanha, Sardenha e Sicília.
Biografia
Desde cedo, Aníbal sabia que teria sua vida dedicada aos conflitos com os romanos. Segundo o historiador grego Polibio e o romano Tito Lívio, que são as duas principais fontes de informação sobre a vida do general, aos nove anos ele ouviu do pai que deveria, para sempre, odiar os romanos.
A explicação para tamanha antipatia vem do longo conflito de Cartago com Roma — as Guerras Púnicas.
O confronto teve início devido à rivalidade comercial que se desenvolveu entre as duas repúblicas. Antes, as duas eram aliadas, mas com o projeto de expansão romano e a disputa pela hegemonia das rotas, a relação que antes era amistosa se tornou hostil.
Teve, então, o início da Primeira Guerra Púnica. O conflito começou em 264 aC e só terminaria em 241 aC, com um resultado desolador para Amílcar, pai de Aníbal, general das tropas: 280 mil mortos e o controle dos romanos de parte do território de Cartago.
Com a morte de Amílcar no inverno de 229-228 aC, o genro do general, Asdrúbal, comanda o poder de Cartago até sua morte, em 221 aC, quando é assassinado por um celta. Com então 26 anos, Aníbal se torna o novo estadista cartaginês.
Nota: púnico, ou púnica, se refere a um dialeto semítico usado pelos cartagineses.
A vida como general
Logo após assumir o poder de Cartago, Aníbal começa a expansão dos territórios pela Espanha, onde conquista vários tribos espanholas. Em 219 aC, ele ataca Sagunto, uma cidade ibérica independente ao sul do rio Ebro, o que desestabiliza ainda mais as já abaladas relações com os romanos.
Isso ocorre porque segundo o tratado de Roma e Cartago após o fim da Primeira Guerra Púnica, o rio Ebro foi colocado como o limite norte da influência cartaginesa na Península Ibérica (região que engloba Portugal, Espanha, Gibraltar, Andorra e uma pequena fração do território da França).
Sagunto estava ao sul do rio, sendo então um território livre para ser conquistado. No entanto, os romanos possuíam relações amistosas com a cidade, e por tal amizade e pela proteção que lhe ofereciam, consideraram o ataque cartaginês como um ato de guerra. Assim, começa a Segunda Guerra Púnica, em 218 aC, que duraria até 201 aC.
Segunda Guerra Púnica
Estrategista, Aníbal passou o inverno de 219 e 218 aC em Cartagena, preparando-se para iniciar a guerra pela Itália, local que ele reconheceu como ser a maior força de Roma. Como a marinha não era o forte das tropas cartaginesas, a invasão pelo mar, mais curta, teve que ser deixada de lado. O general decidiu então realizar um feito até então impensável: cruzar a região dos Alpes para penetrar na Península Itálica.
Não seria uma tarefa fácil — os Alpes são uma região montanhosa, fria, com picos que permanecem nevados até mesmo no verão, mas Aníbal estava decidido. Deixou então seu irmão Asdrúbal a cargo de um exército na Espanha e partiu com milhares de homens para a fronteira entre os atuais territórios da França e Itália.
Estratégias
Aníbal sabia que era importante ter apoio para seu lado. Logo, para conquistar mais pessoas e encontrar menos resistência pelo caminho, ele colocava a si mesmo como um homem que iria liberar a população espanhola do controle romano.
Inovador, Aníbal trouxe um recurso bélico até então não visto na Europa: elefantes. Os animais eram utilizados antigamente pelos exércitos indígenas da Ásia, mas não pelos da Europa. A maior parte dos europeus nunca havia tido contato com esses animais. Por isso, rumores de como os bichos eram extremamente violentos e devoravam homens eram considerados verdade.
Aníbal se aproveitou dessa imagem errônea para psicologicamente aterrorizar os romanos. O exército cartaginês era menor, mas eles estavam com elefantes, que davam suporte à cavalaria. A ideia desse “comboio” chegando até Roma fazia com que os cartagineses fossem ainda mais temidos. Assim, graças ao medo, o general conquistava batalhas antes mesmo delas acontecerem.
Na marcha do exército cartaginês pelos Alpes, eles encontraram tribos hostis que entraram em conflito com os soldados. Em certas partes do caminho, não havia passagem, o que exigiu que eles mesmo as abrissem, com muita criatividade e artimanhas.
Existem teorias que apontam que para passar pelas rochas intransponíveis da cordilheira, eles queimavam troncos de árvore em cima dessas pedras e, em seguida, jogavam vinagre, para fazer com que elas esfarelassem. Outras já dizem que o exército cartaginês levava um reservatório de água gelada, que era jogada sobre as rochas após montarem uma fogueira. Assim, com o choque térmico, elas enfraqueciam e então, era possível atravessá-las.
Os romanos, por sua vez, não tinham a mínima ideia dos movimentos do exército de Aníbal. A ideia da travessia dos Alpes era tão absurda que eles sequer consideraram a possibilidade. Quando eles se deram conta de que sim, os cartagineses estavam atravessando a cordilheira de montanhas, o general Públio Cornélio Cipião (depois, o "Africano") foi enviado para interceptá-los.
O início das batalhas
Logo no primeiro confronto, a Batalha de Ticino, o exército cartaginês saiu vitorioso. Depois, veio a Batalha de Trébia, na qual Aníbal conquistou mais uma vitória.
Após Trébia, Aníbal se recolheu ao norte da Itália, onde começou a desenvolver os planos para a campanha da primavera. Lá, ele começou a desenvolver estratégias para evitar que fosse assassinado por espiões ou assassinos contratados pelos romanos que porventura pudessem estar em seu acampamento.
Segundo Polibio, Aníbal possuía uma série de perucas que o faziam parecer com um homem de uma idade diferente. Cada vez que ele as usava, o vestuário acompanhava a mudança.
Assim, ele se tornava difícil de reconhecer, tanto por aqueles que já o haviam visto brevemente, tanto por aqueles que o conheciam bem.
Com a chegada da primavera, era hora de outro confronto. Em 217 aC, o exército cartaginês derrota novamente o romano na Batalha do lago Trasímeno.
Roma decide então usar uma nova tática. Agora sob o comando do general Fábio Máximo, o exército romano evitava confrontos diretos, frente à frente — ele preferia utilizá-lo de forma a prevenir ataques ou a retirada do exército cartaginês da Itália. A estratégia, mais tarde, seria conhecida como “Protelador”.
Aníbal também tinha seus truques na manga. Conhecer o inimigo, o terreno de uma batalha e saber aproveitar os pontos fortes de seu exército, bem como também descobrir formas de compensar os (pontos) fracos, também demonstram porque o general foi um grande estrategista. O cerco duplo, por exemplo, tática na qual duas linhas ofensivas são organizadas em pontos diferentes, é criação do cartaginês.
A genialidade de Aníbal deu suas caras mais uma vez na retirada do exército cartaginês rumo a Canas. Cercados pelas tropas romanas, o general enganou o exército de Fábio com gado. Nos chifres dos animais capturados, os soldados colocaram tochas e as guiaram por uma colina próxima à vista dos romanos.
Achando que eram os cartagineses, os romanos seguiram até o local, onde foram surpreendidos por atiradores. A outra parte da tropa de Aníbal, experiente em manobras durante a noite, passou pelo caminho agora desprotegido e escapou com quase nenhuma perda. Partiram então para Canas, onde o general deu tempo para seus homens descansarem.
Batalha de Canas: a ascensão
Com a chegada de Aníbal e seu exército em Canas, os romanos enviaram os cônsules Lúcio Emílio Paulo e Caio Terêncio Varrão, junto a um batalhão com cerca de 50 mil homens. Os cartagineses estavam em desvantagem, com 40 mil soldados no exército e 10 mil na cavalaria.
As observações e planejamentos dariam frutos. Aníbal sabia que Varrão ansiava o confronto e achava que a batalha já estava ganha. Logo, o cônsul não inovaria na posição do exército romano, que entrou em formação tradicional, avançando em direção ao centro das linhas inimigas para quebrá-las.
Pareceu que a tática daria certo. Os cartagineses, posicionados de forma crescente, tinham a infantaria ligeira de Gauls na frente e centro e a infantaria pesada atrás deles. A cavalaria leve e a pesada ficaram nas asas (flancos). Quando a batalha teve início, o centro da formação cartaginesa começou a romper (recuo premeditado do centro do dispositivo), levando os romanos cada vez mais para dentro das linhas inimigas.
A infantaria ligeira, então, se moveu para os dois extremos da formação crescente, e a pesada avançou para a frente. A cavalaria cartaginesa, por sua vez, atacou a romana, e foi até a retaguarda do exército inimigo.
Os romanos, avançando e seguindo a tática tradicional, não se deram conta e acabaram em uma armadilha — o exército, por todos os lados, estava completamente cercado pelos cartagineses. Foram completamente aniquilados: 44 mil romanos morreram, enquanto as tropas de Aníbal perderam apenas seis mil homens. Esta foi uma das principais derrotas de Roma na história.
A nova estratégia romana
Depois da vitória triunfante na Batalha de Canas, todos esperaram que Aníbal invadiria Roma. A população, completamente desesperada, se mobilizou para defender a cidade. No entanto, Aníbal recuou. Suas tropas estavam exaustas e precisavam de reforços, como armas de cerco, necessárias para romper as muralhas romanas. A ajuda, no entanto, foi negada pelo Senado de Cartago.
“Você sabe como conquistar uma vitória, Aníbal Barca, mas não sabe como tirar proveito dela”.
A fala de Maharbal, comandante da cavalaria cartaginesa, resumiria bem o destino de Aníbal depois da Batalha de Canas. O general propõe um tratado de paz a Roma, que é rejeitado. A Segunda Guerra Púnica ainda não chegaria ao fim.
O exército de Aníbal se manteve no sul da Itália por mais algum tempo, sem confrontos diretos com Roma, que os evitava após Canas. Os romanos haviam aprendido sua lição e agora, monitoravam os movimentos dos cartagineses e fortaleciam suas alianças. Bloquearam o Mar Mediterrâneo e assim, lentamente, deixaram a tropa de Cartago isolada e enfraquecida, sem poder receber ajuda e outros recursos do território.
Nesse período, ascendia o general romano Públio Cipião — o Africano (o mesmo da batalha de Ticino). Um dos sobreviventes da Batalha de Canas, ele se voluntariou como comandante das tropas para a defesa de Roma contra Aníbal. Com um exército de 10 mil soldados e mil homens na cavalaria, ele partiu para encontrar o batalhão cartaginês.
Cipião x Cartago
Cipião e o exército romano começaram sua ofensiva pela Espanha, onde Asdrúbal, irmão de Aníbal, ainda continuava. A decisão foi tomada para prevenir que o exército cartaginês na Península Ibérica chegasse à Itália e reforçasse as tropas de Aníbal.
A estratégia de Cipião deu certo. Em 208 aC, ele derrotou Asdrúbal na Batalha de Bécula usando a mesma tática de Aníbal em Canas.
Com a conquista do general romano dos territórios de Cartago na Espanha, Asdrúbal percebeu que havia chegado a hora de se reunir com Aníbal. Ele e sua tropa tentaram fazer a mesma travessia do irmão, pelos Alpes, mas fracassaram — na Batalha do Rio Metauro, Asdrúbal foi derrotado e morto pelas tropas romanas de Cláudio Nero.
Cipião, depois de ter conquistado a Espanha, partiu rumo ao norte da África. Em 205 a.C, ele se aliou a Massinissa, rei da Númida, território localizado ao lado de Cártago. Depois, o general romano tomou a cidade cartaginesa de Utica e então, marchou até a capital Cartago.
Batalha de Zama e fim da Segunda Guerra Púnica
Com a aproximação dos romanos a Cartago, Aníbal e seu exército partiram da Itália para a terra natal. As duas tropas se encontraram em 202 a.C., na Batalha de Zama.
Aníbal não sabia quase nada sobre Cipião nem o havia enfrentado. O romano, por sua vez, estudou cuidadosamente as táticas do general cartaginês. Enquanto o exército de Aníbal usava uma posição horizontal e desta vez, contava com elefantes, o general de Roma posicionou suas tropas em linhas verticais, divididas em fileiras.
Quando o confronto começou, o batalhão de Aníbal atacou com os elefantes. Os romanos, em formação horizontal, não tiveram problemas — apenas se moveram para o lado, enquanto os animais corriam pelo espaço entre uma parte do batalhão e outra.
O feitiço virou contra o feiticeiro — o exército romano matou os treinadores dos elefantes e agora, comandava os animais, o que arrasou com o exército cartaginês. Aníbal sobreviveu, mas sua tropa foi derrotada. Chegava ao fim a Segunda Guerra Púnica.
Fuga e morte
Após a derrota de Zama, Aníbal aceitou uma posição como Chefe do Magistrado de Cartago, na qual atuou tão bem como quando era general. Com as reformas que deu início, a cidade pode pagar as multas impostas por Roma, criadas para enfraquecer o território.
O mesmo Senado, que havia recusado enviar ajuda para as tropas de Aníbal durante a Segunda Guerra Púnica, agora o denunciava à Roma. A alegação era de que ele estaria tentando fazer Cartago crescer para poder desafiar os romanos novamente.
Em Roma, Cipião foi acusado de simpatizar com Aníbal, perdoar este e liberá-lo mediante suborno. O general defendeu Aníbal como um homem de honra e impediu que os romanos enviassem uma delegação exigindo a prisão do cartaginês. Entretanto, Aníbal soube que teve sorte e que era uma questão de tempo até ele ser pego.
Aníbal partiu então para a Ásia menor, onde se tornou conselheiro do rei Antíoco III Magno, do Império Selêucida. Depois, ele foi nomeado almirante da marinha na guerra do território contra Rodes, aliado de Roma.
Com a derrota dos selêucidas, Aníbal fugiu para a corte do Rei Prúsias I, da Bitínia. Lá, ainda perseguido pelos romanos, decidiu tirar sua própria vida com um veneno que carregava dentro de um anel.
Antes de se suicidar, teria dito: “Libertemos Roma dos terrores que lhes causa um velho”.
Aníbal faleceu com 64 anos. Mesmo sem nunca ter ganhado uma guerra, ficou marcado na história por ser um dos grandes estrategistas e militares da antiguidade.
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