por Juan Gustavo Igounet
Queridos companheiros e camaradas: O ultraje é permanente. Se considerarmos que as detenções são consequência de haver honrado a palavra dada quando juramos defender a Bandeira até a morte, evitando por todos os meios que flameje o trapo vermelho nos mastros da Pátria, fácil nos resultará concluir que já passou o tempo do advogado. ¡Éramos tão novos, e já éramos soldados! Nunca deixemos de sê-lo. Há pouco me consultou um jovem General, despedido a poucos meses de ser promovido. Estava preocupado pelo giro que estão tomando os julgamentos e a pertinência da perseguição. Penso que, as vezes, em momentos dolorosos vale a pena um sorriso.Então, ao camarada que me consultava respondi com um velho conto.
Diz assim: Na África do apartheid, um negro que andava em seu auto pelos bairros dos brancos cometeu uma infração de trânsito. Foi detido, levado ante um tribunal de "Justiça" e condenado. A pena consistia em lutar de igual para igual com um leão. Ambos contendores deveriam jejuar durante dois dias, antes do combate. Quando chegou a hora, o negro foi levado ao estádio dos brancos, lotado de público. Foi atado (disseram que era una precaução para que o leão não resultasse ferido, já que havia que preservar o ecossistema, e se tratava de uma espécie em vias de extinção). Logo foi enfiado o negro em um buraco, sobressaindo unicamente sua cabeça. E o leão, faminto e feroz, foi solto.
Arremeteu contra o infrator e na primeira passada lhe arrancou uma orelha; voltou à carga, estimulado pelo gosto de sangue na boca, e na segunda arremetida arrancou do negro o nariz e um naco da cara; quando preparou a terceira investida, o mortificado negro o viu vir, o mirou e fez um movimento evasivo com a cabeça, logrando morder fortemente os ovos do leão.
Das tribunas surgiu um alarido histérico: "¡Peleá limpio, negro hijo de puta!".
A historia do negro e o leão vem a propósito.
Resulta que, depois de trinta anos, o inimigo com roupagem cívica nos prende e nos diz:
— Nós não somos como vocês: lhes reconheceremos seus direitos, lhes submeteremos aos juízes da Constituição, não como o que vocês fizeram com suas pobres vítimas, indefesas e inocentes. Lhes daremos, enfim, um julgamento justo onde contarão com todas as garantias. Vamos ver o quê tem a dizer, ¡defendam-se!
— Bueno, em primeiro lugar, as leis de Ponto Final e Obediência Devida …
— ¡Não! Essas leis não servem mais, foram declaradas inexistentes pela nova Corte Suprema …
— Ah, bué…, então invocamos em nosso favor a prescrição da ação penal, já que se trata de fatos que se passaram há mais de um quarto de século e …
— ¡Não! Esses fatos nunca prescrevem, porque se trata de delitos imprescritíveis, de lesa humanidade …
— Ah, então, nos amparamos no principio da coisa julgada (non bis in idem), ninguém pode ser julgado duas vezes pela mesma causa, e nós já fomos absolvidos …
— Sim, mas não … Tampouco podem amparar-se na chamada "coisa julgada" porque esses juízos foram nulos, baseados com mérito em leis que não existem mais e se opõem aos Tratados de Direitos Humanos que se incorporaram à Constituição Nacional a partir de 1994.
— Está bem, então invocamos a anistia e o indulto, o que impede que nos voltem a julgar …
— Claro. Porém as anistias e os indultos estão proibidos para amparar delitos cruéis, atrozes e aberrantes, como os que vocês cometeram contra nós …
— Então alegamos o cumprimento das ordens de serviço, emitidas por autoridades constitucionais, para combater o terrorismo e a subversão apátrida, em tempo de guerra; está claro que segundo a lei vigente no momento, os delinquentes eram os terroristas e não as Forças legais …
— Sim. Mas agora, segundo os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, o único delito de terrorismo que existe, é o "terrorismo de Estado", que se assimila ao crime de "lesa humanidade", pelo qual não se pode alegar o cumprimento de ordens ilícitas.
— Apresentamos, então, a nulidade de todo o atuado por juízes designados depois de 1983, pois não são nossos juízes naturais, os quais nos foram cassados (o que põe em risco a validade das ordens de detenção que estão emitindo os atuais magistrados carentes de competência para julgar estes fatos)…
— ¡Erro! Depois de 1983, quando se reformou o Código de Justiça Militar, vocês eram julgados pelo Conselho Supremo das Forças Armadas, integrado por militares e não por juízes de direito. A nova lei não lhes cassou juízes, mas lhes deu mais juízes, e de lambuja, mais aptos, letrados, capacitados e independentes. A nova lei, enfim, lhes deu maiores garantias… Além disso, a Corte Suprema da democracia disse que essa reforma era constitucional.
— Ah, não havíamos visto assim. Então, se a reforma de Alfonsín foi constitucional, ¿por que se declararam inexistentes ou inconstitucionais as leis de Ponto Final e Obediência Devida, que também são daquela época e foram aplicadas muitas vezes pela Corte Suprema da democracia?
— É que, como já se explicou até o cansaço, se tratava de leis que serviam para a impunidade de delitos que lesionam garantias contidas nos Tratados Internacionais que foram incorporados à Constituição em 1994.
— Bem, então invocamos o principio de irretroatividade da lei penal más grave, ou de retroatividade da lei penal mais benigna, que é um principio fundamental do direito penal liberal, e que impede que sejamos julgados com base em leis ditadas com posterioridade ao feito.
— Esse principio não vige em casos de delitos de lesa humanidade, como os que vocês cometeram… já que, ao ser imprescritíveis, vão sendo enquadrados por todas as leis que sejam aprovadas ao largo da historia da humanidade …
— Entendido, então, permitam nos ampararmos no principio de legalidade, contido no sistema de "tipo penal" (tudo o que não está proibido, está permitido), pois o delito de "lesa humanidade" não está tipificado no nosso Código Penal, nem em nossa Constituição Nacional …
— Bem, isso é certo… Mas não se impacientem, já estará algum dia. Por agora, se bem que não tem sido descrito com o rigor formal que exige a lei penal em matéria de "tipicidade", há um par de descrições no planeta, uma das quais obra na Convenção de Roma, creio …
E assim, poderia seguir até o infinito.
Pergunto: ¿não terá chegado a hora de morder os ovos do leão?
Um forte abraço para todos, e especialmente uma orgulhosa saudação militar a nossos prisioneiros de guerra.
Juan Gustavo Igounet
Nota: O autor remeteu esta carta a seus companheiros de promoção do Colégio Militar da Nação, por ocasião das novas detenções de pessoal militar.
Fonte: tradução livre de AFyAPPA
COMENTO: essa justa argumentação em vermelho não nos faz recordar um certo poeta-masturbador "deçepaíz"? Será que falta muito para os militares brasileiros decidirem morder os ovos do leão, ou apertar os ovos que tanto afagam? Vão esperar até quando?
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