por Tibiriçá Ramaglio
Num editorial intitulado Limites a Chavez, de 17 de fevereiro, a Folha de S. Paulo se referiu ao regime militar brasileiro (1964-1985) como "ditabranda". Ao lê-lo pela primeira vez não me dei conta da importância da opção do jornal. Só na medida em que, no Painel do Leitor, vi a reação furibunda dos leitores, de certos leitores em especial, percebi que estava diante de um acontecimento histórico.
Desde seu ocaso, o regime militar tem sido apresentado pela historiografia como um regime ditatorial fascista, que se impôs ao país, com genocida brutalidade, por duas décadas.
Acontece que em nada se aproxima da verdade essa historiografia produzida às pressas com o intuito de servir a objetivos políticos.
Se o regime militar teve (e inquestionavelmente teve) caráter ditatorial, por outro lado ele apresentou diversas características que o distanciavam de uma ditadura estrito senso, a começar pela alternância dos generais na presidência da República. Mal e mal, havia um Congresso em funcionamento e certos casuísmos que beneficiavam os interesses do Executivo não podem ser atribuídos nem aos militares, nem ao nosso passado, como bem sabem os reeleitos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Além disso, o Judiciário também não se rendeu por completo ao Executivo e, segundo alguns historiadores, foi o funcionamento desse poder que conteve a intensidade da violência aos inimigos do regime. Enfim, como ponderou a própria Folha, "na comparação com outros regimes instalados na região no período, a ditadura brasileira apresentou níveis baixos de violência política e institucional".
Gostaria de acrescentar que minha adolescência decorreu nos governos Geisel e Figueiredo. Foi nesses anos que eu me aproximei do marxismo (mea culpa, mea culpa, mea massima culpa...). A repressão era terrível? Lembro-me de que na livraria Avanço, na Rua Aurora, entre a rua do Arouche e a Vieira de Carvalho, vendiam-se livremente obras como "Diário de uma campanha na Bolívia", de Che Guevara, e "Esquerdismo, doença infantil do comunismo", de Lênin, apenas para mencionar dois títulos bastante significativos.
A maioria dos professores de humanidades que tive no colegial eram marxistas ou simpatizantes. Ensinavam que a luta de classes era a imperatriz da História e que não havia inteligência fora dos horizontes da esquerda. Ou aderíamos à "verdade" e embarcávamos no bonde da História ou nos transformaríamos em empedernidos burgueses, lacaios do imperialismo norte-americano, caretas, babacas, etc., etc.. Isso tudo era dito às claras e, aliás, sem o mínimo de pudor.
Em outras palavras, a dita era mesmo branda para a esmagadora maioria dos brasileiros, inclusive os de esquerda que não estavam empenhados na derrubada do regime por meios violentos. Quando entrei na USP, em 1976, o movimento estudantil já estava a todo vapor e não soube de nenhum colega meu que tenha sido perseguido ou preso, salvo no brevíssimo episódio da invasão da PUC.
Pois bem, espero que usar o neologismo "ditabranda" assinale o começo de uma mudança de paradigma nos estudos históricos, cujos objetivos sejam resgatar a verdade e interpretar corretamente os fatos. Que isso ajude a impedir a generosa distribuição de bolsas-ditadura com o dinheiro do contribuinte e retire dos partidários da ditadura do proletariado o discurso de que combateram em prol da democracia. Seu modelo de democracia é o Gulag.
A Folha merece efusivos cumprimentos por ter empregado o "ditabranda", mas os merece ainda mais pela resposta corajosa que deu à furibunda reação de duas figurinhas carimbadas da intelequitualidade paulista, os companheiros Fábio Konder Comparato e Maria Vitória Benevides. Faço questão de transcrevê-la:
"A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro e publica algumas dessas manifestações acima. Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua "indignação" é obviamente cínica e mentirosa." Comparato, Benevides, Joel Rufino dos Santos, Gofredo da Silva Telles Júnior... E vários outros que ainda não se manifestaram, como José Dirceu, Dilma Rousseff, Marta Suplicy, Lula, Marco Aurélio Garcia, José Genoíno, Tarso Genro, Luciana Genro, Heloísa Helena, Dirceu Travesso, enfim, a raça toda. Parafraseando ninguém menos do que Leonel Brizola, eu chamaria a toda essa cambada de ... filhotes da ditabranda!
Fonte: A Verdade Sufocada
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