terça-feira, 5 de maio de 2009

Lula: A Nova Tradição

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O ciclo de escândalos do Congresso parece que ainda não terminou, e o foco agora se desloca, uma vez mais, para o Senado. E assim caminhamos, ora numa concha, ora na outra, mas sempre com o Legislativo à beira da desmoralização, enquanto o Executivo governa como quer. Quem retratou bem o espírito do tempo, como não poderia deixar de ser, foi ele, “O Cara”, o Apedeuta da Silva.
Resumiu a onda de críticas de que vem sendo alvo o Congresso como “hipocrisia”. E disse que assim se faz há mais de 40 anos. E admitiu que deu passagens para sindicalistas quando era deputado. Nem era necessário tal rasgo de sinceridade tão pretérita. Teria bastado ser sincero no presente: dá um avião inteiro de presente para um filho levar os amigos para o Palácio — coisa que Maria Victoria Benevides (aquela que fica nervosa quando lê a palavra “ditabranda”) julgou estar fora do alcance da Comissão de Ética Pública, que ela presidia — e vê a empresa do outro rebento receber uma injeção de R$ 10 milhões de uma concessionária de serviço público, de que o BNDES é sócio.
Uma geração — na verdade, duas — de sociólogos das universidades brasileiras se perdeu tentando explicar a “novidade” que o PT representaria na política brasileira. Lula foi mais sintético e exato do que todos eles — sejamos francos: ele nunca foi com a cara dos intelectuais e sempre os desprezou solenemente. No mais das vezes, fez um bem a si mesmo e ao país, diga-se.
Aquele discurso ideológico que tanto encantava os doutores do radicalismo, Lula o definiu como “bravata”. O discurso “denuncista”, que fez do PT suposto porta-voz da “ética na política”, tornou-se agora “hipocrisia”. O que mudou de um tempo para o outro? Simples: Lula passou a ser beneficiário dos usos e costumes aos quais supostamente se opunha. Mas também inaugurou a sua própria tradição de desmandos. Por razões que jamais suspeitaram, os talebans uspianos estava certos: o PT realmente inovou.
Ah, quantos tratados se escreveram e ainda se escrevem nas universidades brasileiras demonstrando que a “direita e os 'conservadores' tornaram 'naturais' as diferenças sociais”. Essa suposta “naturalização” da desigualdade seria um dos truques mais visíveis da Dona Zelite para conservar o poder. A patronesse dessa acusação, entre nós, é Marilena Chaui, mas a fala está em toda parte — no jornalismo, então, é mais freqüente do que errar a conjugação do verbo “ver” no futuro do subjuntivo. Lula, o “intelectual orgânico” — e reciclável — de sua classe não agiu como as antigas elites, não. Ele “naturalizou” a lambança e, por extensão, a corrupção. Pronto! Agora é traço do nosso caráter. Para Lula — o homem que viria mudar “tudo isso que está aí” —, a lambança no Congresso (e no Brasil) sempre foi e sempre será assim.
Muitos criticaram a fala presidencial. Mas, com efeito, nem todos criticam o lulo-petismo da mesma forma. Remanescentes ou herdeiros de certo pensamento de esquerda, sobretudo no jornalismo — eu disse “pensamento”; tirem o PSOL daqui, por favor —, pretendem que este Lula que aí está representa uma espécie de traição ou de variação teratológica do pensamento “progressista” — nem me perguntem o que eles acham que o Apedeuta deveria estar fazendo para não ser, então, um traidor. Lula teria, em suma, se acomodado ao velho patrimonialismo.
A acomodação aconteceu, claro. Mas é injusto não reconhecer que ele inovou a tradição e encarna, também, uma ruptura. De fato, expressões daquela tal “Zelite” continuam a capturar o estado, mas a mediação que importa é outra. Se, no velho modelo, os intermediários da transferência do público para o privado eram os políticos da “burguesia” ou da classe média, os novos mascates que negociam a coisa pública vêm dos sindicatos e das corporações. De fato, reformar a sociedade naquele velho modelo não era tarefa fácil. Na sociedade estamental-petista, a tarefa se mostra quase impossível. Porque esse modelo lulo-petista aniquilou também a crítica.
A imprensa é um bom exemplo de rendição — com as exceções de sempre. De fato, há certa fúria seletiva com o Legislativo (o “Velho Brasil) na exata medida em que há condescendência com o Executivo (o novo Brasil de Lula). A severidade, num caso, não é necessariamente evidência de severidade com a coisa pública. Imaginem um governo tucano ou democrata que retomasse um licitação da década de 80 para tocar Angra 3. E imaginem o dono da construtora como o maior financiador individual da campanha do presidente. Haveria um escarcéu. Seria um pandemônio. Por aqui, tudo está sendo encarado com, lá vai a palavra, “naturalidade”.
Lula inovou: ele funda uma nova dinastia patrimonialista: a sindical. E é ela que está no centro do poder agora — daí eu me incomodar com essa tese de que o Apedeuta da Silva apenas reciclou o antigo. Ele representa, de fato, uma inovação. Os velhos atores, como vocês notam, são apenas base de apoio do lulismo e nem mesmo ambicionam um vôo próprio. Lula inaugura uma tradição. E esse novo patrimonialismo, que permite à máquina sindical assenhorear-se do que é público e tratá-lo como coisa privada, conta com a simpatia de amplos setores da imprensa e do pensamento no Brasil.

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