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Em entrevista à Rádio Brasil Atual, o pesquisador Paulo Fonteles Filho debateu, na quarta-feira (11/5), a Guerrilha do Araguaia. Segundo ele, o ex-senador e ex-delegado da Polícia Federal, Romeu Tuma, foi uma das figuras centrais na repressão aos guerrilheiros do Araguaia.
Fonteles também denunciou agentes que atuaram na ocultação de cadáveres de desaparecidos políticos e na destruição de documentos da ditadura militar. De acordo com o pesquisador, muitos desses ex-agentes integram hoje a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) no estado do Pará. Ele destaca, ainda, o envolvimento de empresas, como a empreiteira Camargo Correa, no financiamento da tortura durante os anos de chumbo.
Ameaçado de morte, há 15 anos o pesquisador busca respostas para os crimes de lesa-humanidade cometidos por militares na região da Guerrilha do Araguaia. Filho de Paulo Fonteles, o primeiro advogado a defender os interesses dos familiares dos desaparecidos na guerrilha, ele traz em sua própria história de vida as marcas dos crimes ainda sem solução daquele período.
Rádio Brasil Atual: Como você herdou esse interesse pela Guerrilha?
Paulo Fonteles Filho: Primeiro, pelo fato de ter nascido na prisão, quando meus pais eram estudantes da UNB em Brasília. Em outubro de 1971 eles foram presos, e foram até o Pelotão de Investigações Criminais do Ministério do Exército. E lá, no PIC, aprisionados, torturados, eles souberam da Guerrilha do Araguaia e tiveram contato com os primeiros camponeses presos na região do Araguaia. Então, desde o ventre da minha mãe é que a gente tem uma ligação com essa luta do Araguaia, dos camponeses do Araguaia, pela reparação desses camponeses e também pelo fato da memória histórica tão importante para o avanço da democracia no nosso país.
Meu pai foi assassinado em 1987 por forças ligadas à repressão política, ao esquema da tortura no nosso país. Os caras que liquidaram fisicamente meu pai todos eles participaram dos esquemas da tortura, alguns foram da Operação Bandeirantes, como foi o caso do James Vita Lopes, que veio para o Pará para agenciar grandes latifúndios aqui na Amazônia.
Rádio Brasil Atual: A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenou o Brasil, no final do ano passado, por violação dos direitos humanos. O Brasil foi condenado internacionalmente, e a decisão dos ministros do STF contra a revisão da Lei da Anistia foi colocada em xeque. Como é que você vê hoje o Brasil em relação à questão do Araguaia?
Fonteles: Países vizinhos nossos, latino-americanos, se encontram em posições muito mais avançadas com relação ao Brasil neste tema. Agora, essa condenação eu creio que é importante porque chama a atenção do país para posições ainda conservadoras em relação àqueles que participaram da tortura no Brasil. A posição, por exemplo, do STJ (Superior Tribunal de Justiça) é uma posição muito ruim quando não julga, quando avalia que a Lei da Anistia pode ser um manto que continua acobertando aqueles que torturaram e violaram os direitos humanos daqueles que lutaram pelo restabelecimento da vida democrática no nosso país.
Essa medida é uma medida importante, outras ações também são muito importantes, como é o caso da ação da juíza Solange Salgado, da Justiça Federal do Rio de Janeiro, que condenou, inclusive a União, a dar conta dos mortos desaparecidos do Araguaia, como também da história verdadeira que ocorreu naqueles sertões e naquela tragédia que foi a invasão militar às matas do Araguaia e do Pará para combater os brasileiros que lutavam ali pelo restabelecimento da vida democrática.
Creio que pesa ainda o Brasil ser um país recalcitrante nesse tema, eu consigo observar importantes avanços nesses trabalhos e um deles é o debate sobre a Comissão Nacional da Verdade. É claro que o mundo já assistiu, nesse período, experiências em 40 países de Comissões da Verdade. A grande maioria dessas experiências ensejou países mais avançados, com uma democracia mais fortalecida e revisitando, naturalmente, os seus passados de tragédia, de tortura e de infâmia.
Rádio Brasil Atual: Você acha que a Comissão da Verdade vai sair?
Fonteles: Tenho a informação de que o deputado Brizola Neto (PDT-RJ) já pediu urgência no projeto. Agora isso é uma luta política. Os setores mais avançados da nossa sociedade, mais esclarecidos, aqueles que estão preocupados em vacinar a consciência nacional, precisam atuar para que essa Comissão Nacional da Verdade se torne um fato na vida brasileira e que desta Comissão da Verdade nós possamos apurar o conjunto dos crimes perpetrados pelos generais que tomaram de assalto o poder no Brasil em 31 de março de 1964.
Rádio Brasil Atual: A gente sempre percebe que pra mexer com os militares há um problema político, que fica ali num ponto “agora a gente vai mexer com os militares, como é que fica?”. Tem uma tensão, as pessoas parecem que não querem conversar sobre esse assunto, não vão mexer nesse assunto.
Fonteles: Acho que o segmento da sociedade brasileira que deveria estar mais interessado na Comissão da Verdade é o próprio Exército Brasileiro. Temos atuado, no âmbito do GTT que agora mudou para GTA (Grupo de Trabalho Araguaia), e era impressionante a forma e o constrangimento com que militares, muitos deles de altas patentes, ficavam diante dos relatos dos camponeses. Essa nova geração que existe nas Forças Armadas no Brasil nada tem a ver com aquela turma que tomou o poder de assalto em 64. Então, para as Forças Armadas da atualidade, julgo eu, é fundamental a Comissão da Verdade, para fazer inclusive uma reparação com aqueles que nada tiveram a ver com a tortura.
Aproximadamente sete mil militares foram perseguidos pela própria ditadura militar brasileira, isso está inclusive na edição mais recente da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que é aquele livro Habeas Corpus. As Forças Armadas não podem ter uma posição recalcitrante com relação à Comissão da Verdade. Se assim o fizerem, estarão cometendo um erro de grande envergadura – inclusive do ponto de vista da sua própria história. A gente sabe que o Exército Brasileiro, as Forças Armadas, estão presentes na vida republicana brasileira. Em alguns momentos acertaram, em outros erraram, como foi o caso de 64, mas é uma força política e social muito importante da vida do país, da própria vida brasileira.
Tenho a impressão de que se os militares, se os generais que dirigem as Forças Armadas a partir do General Enzo, atual Comandante do Exército Brasileiro, não tiverem essa consciência da importância que tem essa Comissão da Verdade, eles estarão cometendo um grande erro. E isso a gente tem na convivência com militares de carreira, na atualidade tem observado o constrangimento com que eles ficam diante dos relatos, dos depoimentos sobre a tortura no país e sobre a infâmia cometida contra os camponeses do Araguaia. Esse é um dado muito importante e isso também diz respeito à questão da própria formação do Exército Brasileiro. A gente sabe que grande parte desses recalcitrantes estão na reserva, mas a própria formação atual das Forças Armadas ainda é muito atrasada, muito conservadora. Inclusive a decisão da própria Organização dos Estados Americanos levanta a necessidade de que na formação militar esteja embutido o tema Direitos Humanos. Isso é uma necessidade histórica para o avanço da mentalidade dos militares brasileiros, para que não cometam os erros cometidos em 64.
Rádio Brasil Atual: Nos oito anos do governo Lula a coisa foi caminhando em banho-maria, não se resolveu nada a respeito, e por isso ficamos um pouco céticos com relação à criação da Comissão da Verdade. Por outro lado, foi assinada recentemente uma portaria que vai ampliar as atividades do Grupo de Trabalho de Tocantins (GTT) que deveria localizar os corpos dos ativistas da Guerrilha do Araguaia. Como é que você vê essa mudança de estrutura, de organização para apurar o caso?
Fonteles: Sobre o problema da portaria, penso que é um avanço nesse trabalho de busca dos mortos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. Penso que foi uma evolução absolutamente necessária e importante a participação da sociedade civil nesse trabalho, como também o problema da verdade histórica. Hoje nós temos tido informações de ex-militares que estão ameaçados por prestar informações a esse Grupo de Trabalho de Brasília e eles revelam coisas que nós não tínhamos conhecimento, como diversos fuzilamentos de camponeses, de castanheiros naquela região do Araguaia, sequestro de filhos de guerrilheiros, prisão de crianças e várias coisas que ocorreram naquele contexto da ditadura militar que está vindo à tona nesse momento e, particularmente, a partir da visão que ex-soldados tiveram do processo e dessa realidade estabelecida em todo processo de combate à Guerrilha do Araguaia. Em minha opinião é um momento muito rico, um momento em que a gente pode dar grandes avanços neste contencioso, nesta luta civilizatória pelo direito à memória e à verdade. Acho que isso depende fundamentalmente da decisão do próprio governo. Se o governo quiser, se a Dilma quiser, se os ministros quiserem, se isso for uma decisão política verdadeira, nós poderíamos passar o Brasil a limpo. Esse dado também nos remete à questão da própria luta política, porque há setores que não estão empenhados naturalmente em rever esse momento todo da vida do país e nós sabemos que dentro do próprio Estado brasileiro, há instituições, servidores de instituições, que atuam no sentido de acobertar o que houve na Guerrilha do Araguaia. Falo isso me reportando à prática da própria ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) do estado do Pará. Dois atuais servidores da ABIN, inclusive o vice-superintendente no Pará, foi um cara que atuou na Guerrilha do Araguaia, foi do DOI-CODI, torturador e hoje está como vice-superintendente na ABIN do Pará, que é o ex-capitão Magno José Borges.
Rádio Brasil Atual: Recebendo do governo, não?
Fonteles: Recebendo do governo. Tanto Magno José Borges como Armando Sousa Dias foram da tortura, atuaram no Araguaia, combateram no Araguaia. Seguramente, têm as suas mãos sujas de sangue e estão encastelados na ABIN no estado do Pará, e tem outros exemplos já citados de pessoas remanescentes da repressão política que estão atuando em cargos públicos, na esfera da Administração Pública federal e também nos estados.
Rádio Brasil Atual: Nos estados, há casos de torturadores, um delegado em Presidente Prudente e também o caso do Major Curió. Quando estavam sendo feitas as escavações lá no Araguaia, ele até ironizou “vocês não vão achar nada aí do que estão procurando, eu sei onde estão os corpos”. Os militares têm essa informação?
Fonteles: Eles têm essa informação. Eles têm que falar e o país tem que ter, digamos, os seus mecanismos da vida democrática para fazer com que eles falem. Temos mecanismos na vida democrática para avançar nesse processo e eu defendo uma opinião. Nós temos defendido isso no âmbito do Grupo de Trabalho do Tocantins, é uma opinião inclusive do camarada Aldo Arantes, ex-deputado constituinte, também vítima da ditadura militar brasileira, de que nós só vamos avançar nesse trabalho de localização dos corpos dos desaparecidos políticos no Brasil se os militares falarem sobre o que aconteceu com relação a isso tudo.
Rádio Brasil Atual: A abertura de todos os arquivos é uma etapa importante desse processo?
Fonteles: Exatamente. Nós temos um caso nesse trabalho, que é o do Valdim Pereira de Souza, que durante sete anos foi motorista do Curió. Ele foi o primeiro cara nesse processo todo a dizer o seguinte: “Eu participei da operação de limpeza”. Depois do Araguaia foi feito, da década de 1970 até a década de 1990, um conjunto de operações para retirar ossadas daquela região.
Rádio Brasil Atual: Você está sendo ameaçado de morte e até anunciaram sua morte na internet. Como é que você vê essa situação?
Fonteles: Desde junho do ano passado começaram ameaças àquelas pessoas que estão trabalhando no GTT e também colaboradores do GTT. Em julho do ano passado, dois doutores, Marcos e Ivan – que eram agentes do DOI-CODI e do DOPS e que atuaram no período da Guerrilha do Araguaia – visitaram colaboradores do GTT da região do Araguaia. A partir desse momento, de junho e julho do ano passado, esta coisa tem começado a acontecer. No final do ano passado, isso se fortaleceu. Neste ano, mais diretamente pessoas ligadas ao GTT, como é o meu caso e como é o caso do Sezostrys Alves da Costa, que é dirigente da Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia, começou a ter ameaças com relação a nós. Ameaças de ligações telefônicas, de carro peliculados rondando as nossas casas, e agora esse episódio mais recente que foi o anúncio da minha morte nas redes sociais, na madrugada do último dia 5 de maio, que foi um negócio absolutamente absurdo. Coincidentemente, neste mesmo dia, eu participei de um processo que tratava da ABIN no Pará. Eu fui chamado como testemunha para um processo interno da ABIN que tratava exatamente da ocultação de cadáveres da Guerrilha do Araguaia, bem como também a queima de arquivos sobre a rebelião lá no Sul do Pará, e nesta mesma noite, estava em casa dormindo com a minha família, minhas filhas, minha mulher, e o pessoal da minha família bateu em casa dizendo que estava circulando na cidade que eu tinha morrido e tinha amigos meus em Macapá, em Porto Alegre, já me velando.
Poderia render boas gargalhadas, mas isso, na minha opinião, é uma tentativa de intimidação, não apenas a mim, mas a todo esse trabalho que tem sido realizado no sul do Pará, nesse esforço nacional que tem havido de nós revisitarmos esse passado brasileiro, um passado da violência do Estado, do próprio Estado contra brasileiros. Nós temos denunciado essa questão das ameaças há quase um ano. E só agora, que o governo brasileiro procura fazer, digamos, a proteção dessas pessoas. Tanto eu como outros companheiros estaremos ingressando naquele programa nacional de defensores de Direitos Humanos.
Rádio Brasil Atual: Nesse momento está protegido?
Fonteles: Não. Até agora não tem nenhuma proteção, nem pra mim e nem pra essas pessoas todas que se encontram sob ameaça desses remanescentes da repressão política, que não tenho dúvida partem basicamente de dois lugares, da turma do Curió, ele ainda tem uma turma muito atuante na região do Araguaia, tem uma turma ainda que atua sob as suas ordens e desse pessoal da ABIN do Pará.
Rádio Brasil Atual: O Curió inclusive outro dia deu uma entrevista no SBT para o Roberto Cabrini, você deve ter acompanhado. O que você achou?
Fonteles: Ele é muito cara-de-pau. Acho que grande parte dessa caradura dele diz respeito à própria leniência com que o Estado brasileiro tem tratado essa questão dos desaparecidos políticos, da tortura no país. Acho e reforço isso que nós precisamos radicalizar com esse período da história nacional brasileira. Nós precisamos ser duros com quem praticou a tortura e transformou todos os cômodos do país numa grande cadeira do dragão.
Rádio Brasil Atual: Você teme pela sua vida?
Fonteles: Tenho minhas preocupações, mas eu temo muito mais pelo trabalho que nós estamos desenvolvendo. Eu acho que esse trabalho é um trabalho que nós não podemos arredar pé.
Rádio Brasil Atual: Como é pra você saber que existe um ex-torturador ligado ao DOI-CODI – que foi o centro de tortura mais temido pelos ativistas de esquerda nos anos 60 e 70 – à frente da ABIN no Pará. Tem empresários envolvidos nessa questão, são os agentes do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, das Forças Armadas, mas há também empresários envolvidos que financiaram a repressão e a tortura aqui no Brasil. Como é para você saber que tudo continua da mesma forma?
Fonteles: Eu tenho a impressão que isso é luta política. Acho que as denúncias que nós fazemos, reforçadas por outras denúncias, podem fazer com que o Brasil passe essa questão adiante. Esses caras, por exemplo, da ABIN do Pará, tanto o Magno José Borges como o Armando Souza Dias, não podem estar à frente do serviço público, é preciso inclusive ter uma reestruturação do trabalho de inteligência do nosso país. Para vocês terem uma ideia, por exemplo, vários informantes desses dois é gente que participa do movimento social, eles vivem ainda a bisbilhotar movimentos sociais, como é o caso do MST, como é o caso de sindicatos de trabalhadores rurais, como é o caso de partidos políticos de esquerda, de militantes dos direitos humanos. Então, é preciso haver uma reestruturação desse trabalho de inteligência do nosso país. O que não pode acontecer é que remanescentes do Serviço Nacional de Informações, do DOI-CODI, do DOPS estejam encastelados no serviço público, nem em delegacias nas grandes cidades ou no interior do nosso país, então isso é uma necessidade histórica. Penso que isso só vai mudar com decisão política do governo e também a partir da pauta que a própria sociedade civil possa organizar no sentido de denunciar aqueles que participaram da tortura e que estão à frente de órgãos públicos. Uma outra questão é do braço civil da ditadura militar brasileira. Várias empresas, por exemplo, foram colaboradoras da ditadura. Aqui no Araguaia, por exemplo, a Camargo Correa foi uma das principais colaboradoras da repressão. Inclusive a própria Associação de Torturados na Guerrilha do Araguaia está estudando uma ação, não apenas contra a Camargo Correa, mas também outras empresas que erigiram aquela grande estrutura repressiva em todo o sul do Pará. Então, é preciso que a sociedade também conheça isso, para que possa cobrar reparação dessas empresas, e também para que eles não passem, como têm passado, a vida inteira com cara de bons cidadãos.
Rádio Brasil Atual: Você citou uma construtora que financia a campanha de todos os partidos políticos do país, praticamente.
Em entrevista à Rádio Brasil Atual, o pesquisador Paulo Fonteles Filho debateu, na quarta-feira (11/5), a Guerrilha do Araguaia. Segundo ele, o ex-senador e ex-delegado da Polícia Federal, Romeu Tuma, foi uma das figuras centrais na repressão aos guerrilheiros do Araguaia.
Fonteles também denunciou agentes que atuaram na ocultação de cadáveres de desaparecidos políticos e na destruição de documentos da ditadura militar. De acordo com o pesquisador, muitos desses ex-agentes integram hoje a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) no estado do Pará. Ele destaca, ainda, o envolvimento de empresas, como a empreiteira Camargo Correa, no financiamento da tortura durante os anos de chumbo.
Ameaçado de morte, há 15 anos o pesquisador busca respostas para os crimes de lesa-humanidade cometidos por militares na região da Guerrilha do Araguaia. Filho de Paulo Fonteles, o primeiro advogado a defender os interesses dos familiares dos desaparecidos na guerrilha, ele traz em sua própria história de vida as marcas dos crimes ainda sem solução daquele período.
Rádio Brasil Atual: Como você herdou esse interesse pela Guerrilha?
Paulo Fonteles Filho: Primeiro, pelo fato de ter nascido na prisão, quando meus pais eram estudantes da UNB em Brasília. Em outubro de 1971 eles foram presos, e foram até o Pelotão de Investigações Criminais do Ministério do Exército. E lá, no PIC, aprisionados, torturados, eles souberam da Guerrilha do Araguaia e tiveram contato com os primeiros camponeses presos na região do Araguaia. Então, desde o ventre da minha mãe é que a gente tem uma ligação com essa luta do Araguaia, dos camponeses do Araguaia, pela reparação desses camponeses e também pelo fato da memória histórica tão importante para o avanço da democracia no nosso país.
Meu pai foi assassinado em 1987 por forças ligadas à repressão política, ao esquema da tortura no nosso país. Os caras que liquidaram fisicamente meu pai todos eles participaram dos esquemas da tortura, alguns foram da Operação Bandeirantes, como foi o caso do James Vita Lopes, que veio para o Pará para agenciar grandes latifúndios aqui na Amazônia.
Rádio Brasil Atual: A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenou o Brasil, no final do ano passado, por violação dos direitos humanos. O Brasil foi condenado internacionalmente, e a decisão dos ministros do STF contra a revisão da Lei da Anistia foi colocada em xeque. Como é que você vê hoje o Brasil em relação à questão do Araguaia?
Fonteles: Países vizinhos nossos, latino-americanos, se encontram em posições muito mais avançadas com relação ao Brasil neste tema. Agora, essa condenação eu creio que é importante porque chama a atenção do país para posições ainda conservadoras em relação àqueles que participaram da tortura no Brasil. A posição, por exemplo, do STJ (Superior Tribunal de Justiça) é uma posição muito ruim quando não julga, quando avalia que a Lei da Anistia pode ser um manto que continua acobertando aqueles que torturaram e violaram os direitos humanos daqueles que lutaram pelo restabelecimento da vida democrática no nosso país.
Essa medida é uma medida importante, outras ações também são muito importantes, como é o caso da ação da juíza Solange Salgado, da Justiça Federal do Rio de Janeiro, que condenou, inclusive a União, a dar conta dos mortos desaparecidos do Araguaia, como também da história verdadeira que ocorreu naqueles sertões e naquela tragédia que foi a invasão militar às matas do Araguaia e do Pará para combater os brasileiros que lutavam ali pelo restabelecimento da vida democrática.
Creio que pesa ainda o Brasil ser um país recalcitrante nesse tema, eu consigo observar importantes avanços nesses trabalhos e um deles é o debate sobre a Comissão Nacional da Verdade. É claro que o mundo já assistiu, nesse período, experiências em 40 países de Comissões da Verdade. A grande maioria dessas experiências ensejou países mais avançados, com uma democracia mais fortalecida e revisitando, naturalmente, os seus passados de tragédia, de tortura e de infâmia.
Rádio Brasil Atual: Você acha que a Comissão da Verdade vai sair?
Fonteles: Tenho a informação de que o deputado Brizola Neto (PDT-RJ) já pediu urgência no projeto. Agora isso é uma luta política. Os setores mais avançados da nossa sociedade, mais esclarecidos, aqueles que estão preocupados em vacinar a consciência nacional, precisam atuar para que essa Comissão Nacional da Verdade se torne um fato na vida brasileira e que desta Comissão da Verdade nós possamos apurar o conjunto dos crimes perpetrados pelos generais que tomaram de assalto o poder no Brasil em 31 de março de 1964.
Rádio Brasil Atual: A gente sempre percebe que pra mexer com os militares há um problema político, que fica ali num ponto “agora a gente vai mexer com os militares, como é que fica?”. Tem uma tensão, as pessoas parecem que não querem conversar sobre esse assunto, não vão mexer nesse assunto.
Fonteles: Acho que o segmento da sociedade brasileira que deveria estar mais interessado na Comissão da Verdade é o próprio Exército Brasileiro. Temos atuado, no âmbito do GTT que agora mudou para GTA (Grupo de Trabalho Araguaia), e era impressionante a forma e o constrangimento com que militares, muitos deles de altas patentes, ficavam diante dos relatos dos camponeses. Essa nova geração que existe nas Forças Armadas no Brasil nada tem a ver com aquela turma que tomou o poder de assalto em 64. Então, para as Forças Armadas da atualidade, julgo eu, é fundamental a Comissão da Verdade, para fazer inclusive uma reparação com aqueles que nada tiveram a ver com a tortura.
Aproximadamente sete mil militares foram perseguidos pela própria ditadura militar brasileira, isso está inclusive na edição mais recente da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que é aquele livro Habeas Corpus. As Forças Armadas não podem ter uma posição recalcitrante com relação à Comissão da Verdade. Se assim o fizerem, estarão cometendo um erro de grande envergadura – inclusive do ponto de vista da sua própria história. A gente sabe que o Exército Brasileiro, as Forças Armadas, estão presentes na vida republicana brasileira. Em alguns momentos acertaram, em outros erraram, como foi o caso de 64, mas é uma força política e social muito importante da vida do país, da própria vida brasileira.
Tenho a impressão de que se os militares, se os generais que dirigem as Forças Armadas a partir do General Enzo, atual Comandante do Exército Brasileiro, não tiverem essa consciência da importância que tem essa Comissão da Verdade, eles estarão cometendo um grande erro. E isso a gente tem na convivência com militares de carreira, na atualidade tem observado o constrangimento com que eles ficam diante dos relatos, dos depoimentos sobre a tortura no país e sobre a infâmia cometida contra os camponeses do Araguaia. Esse é um dado muito importante e isso também diz respeito à questão da própria formação do Exército Brasileiro. A gente sabe que grande parte desses recalcitrantes estão na reserva, mas a própria formação atual das Forças Armadas ainda é muito atrasada, muito conservadora. Inclusive a decisão da própria Organização dos Estados Americanos levanta a necessidade de que na formação militar esteja embutido o tema Direitos Humanos. Isso é uma necessidade histórica para o avanço da mentalidade dos militares brasileiros, para que não cometam os erros cometidos em 64.
Rádio Brasil Atual: Nos oito anos do governo Lula a coisa foi caminhando em banho-maria, não se resolveu nada a respeito, e por isso ficamos um pouco céticos com relação à criação da Comissão da Verdade. Por outro lado, foi assinada recentemente uma portaria que vai ampliar as atividades do Grupo de Trabalho de Tocantins (GTT) que deveria localizar os corpos dos ativistas da Guerrilha do Araguaia. Como é que você vê essa mudança de estrutura, de organização para apurar o caso?
Fonteles: Sobre o problema da portaria, penso que é um avanço nesse trabalho de busca dos mortos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia. Penso que foi uma evolução absolutamente necessária e importante a participação da sociedade civil nesse trabalho, como também o problema da verdade histórica. Hoje nós temos tido informações de ex-militares que estão ameaçados por prestar informações a esse Grupo de Trabalho de Brasília e eles revelam coisas que nós não tínhamos conhecimento, como diversos fuzilamentos de camponeses, de castanheiros naquela região do Araguaia, sequestro de filhos de guerrilheiros, prisão de crianças e várias coisas que ocorreram naquele contexto da ditadura militar que está vindo à tona nesse momento e, particularmente, a partir da visão que ex-soldados tiveram do processo e dessa realidade estabelecida em todo processo de combate à Guerrilha do Araguaia. Em minha opinião é um momento muito rico, um momento em que a gente pode dar grandes avanços neste contencioso, nesta luta civilizatória pelo direito à memória e à verdade. Acho que isso depende fundamentalmente da decisão do próprio governo. Se o governo quiser, se a Dilma quiser, se os ministros quiserem, se isso for uma decisão política verdadeira, nós poderíamos passar o Brasil a limpo. Esse dado também nos remete à questão da própria luta política, porque há setores que não estão empenhados naturalmente em rever esse momento todo da vida do país e nós sabemos que dentro do próprio Estado brasileiro, há instituições, servidores de instituições, que atuam no sentido de acobertar o que houve na Guerrilha do Araguaia. Falo isso me reportando à prática da própria ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) do estado do Pará. Dois atuais servidores da ABIN, inclusive o vice-superintendente no Pará, foi um cara que atuou na Guerrilha do Araguaia, foi do DOI-CODI, torturador e hoje está como vice-superintendente na ABIN do Pará, que é o ex-capitão Magno José Borges.
Rádio Brasil Atual: Recebendo do governo, não?
Fonteles: Recebendo do governo. Tanto Magno José Borges como Armando Sousa Dias foram da tortura, atuaram no Araguaia, combateram no Araguaia. Seguramente, têm as suas mãos sujas de sangue e estão encastelados na ABIN no estado do Pará, e tem outros exemplos já citados de pessoas remanescentes da repressão política que estão atuando em cargos públicos, na esfera da Administração Pública federal e também nos estados.
Rádio Brasil Atual: Nos estados, há casos de torturadores, um delegado em Presidente Prudente e também o caso do Major Curió. Quando estavam sendo feitas as escavações lá no Araguaia, ele até ironizou “vocês não vão achar nada aí do que estão procurando, eu sei onde estão os corpos”. Os militares têm essa informação?
Fonteles: Eles têm essa informação. Eles têm que falar e o país tem que ter, digamos, os seus mecanismos da vida democrática para fazer com que eles falem. Temos mecanismos na vida democrática para avançar nesse processo e eu defendo uma opinião. Nós temos defendido isso no âmbito do Grupo de Trabalho do Tocantins, é uma opinião inclusive do camarada Aldo Arantes, ex-deputado constituinte, também vítima da ditadura militar brasileira, de que nós só vamos avançar nesse trabalho de localização dos corpos dos desaparecidos políticos no Brasil se os militares falarem sobre o que aconteceu com relação a isso tudo.
Rádio Brasil Atual: A abertura de todos os arquivos é uma etapa importante desse processo?
Fonteles: Exatamente. Nós temos um caso nesse trabalho, que é o do Valdim Pereira de Souza, que durante sete anos foi motorista do Curió. Ele foi o primeiro cara nesse processo todo a dizer o seguinte: “Eu participei da operação de limpeza”. Depois do Araguaia foi feito, da década de 1970 até a década de 1990, um conjunto de operações para retirar ossadas daquela região.
Rádio Brasil Atual: Você está sendo ameaçado de morte e até anunciaram sua morte na internet. Como é que você vê essa situação?
Fonteles: Desde junho do ano passado começaram ameaças àquelas pessoas que estão trabalhando no GTT e também colaboradores do GTT. Em julho do ano passado, dois doutores, Marcos e Ivan – que eram agentes do DOI-CODI e do DOPS e que atuaram no período da Guerrilha do Araguaia – visitaram colaboradores do GTT da região do Araguaia. A partir desse momento, de junho e julho do ano passado, esta coisa tem começado a acontecer. No final do ano passado, isso se fortaleceu. Neste ano, mais diretamente pessoas ligadas ao GTT, como é o meu caso e como é o caso do Sezostrys Alves da Costa, que é dirigente da Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia, começou a ter ameaças com relação a nós. Ameaças de ligações telefônicas, de carro peliculados rondando as nossas casas, e agora esse episódio mais recente que foi o anúncio da minha morte nas redes sociais, na madrugada do último dia 5 de maio, que foi um negócio absolutamente absurdo. Coincidentemente, neste mesmo dia, eu participei de um processo que tratava da ABIN no Pará. Eu fui chamado como testemunha para um processo interno da ABIN que tratava exatamente da ocultação de cadáveres da Guerrilha do Araguaia, bem como também a queima de arquivos sobre a rebelião lá no Sul do Pará, e nesta mesma noite, estava em casa dormindo com a minha família, minhas filhas, minha mulher, e o pessoal da minha família bateu em casa dizendo que estava circulando na cidade que eu tinha morrido e tinha amigos meus em Macapá, em Porto Alegre, já me velando.
Poderia render boas gargalhadas, mas isso, na minha opinião, é uma tentativa de intimidação, não apenas a mim, mas a todo esse trabalho que tem sido realizado no sul do Pará, nesse esforço nacional que tem havido de nós revisitarmos esse passado brasileiro, um passado da violência do Estado, do próprio Estado contra brasileiros. Nós temos denunciado essa questão das ameaças há quase um ano. E só agora, que o governo brasileiro procura fazer, digamos, a proteção dessas pessoas. Tanto eu como outros companheiros estaremos ingressando naquele programa nacional de defensores de Direitos Humanos.
Rádio Brasil Atual: Nesse momento está protegido?
Fonteles: Não. Até agora não tem nenhuma proteção, nem pra mim e nem pra essas pessoas todas que se encontram sob ameaça desses remanescentes da repressão política, que não tenho dúvida partem basicamente de dois lugares, da turma do Curió, ele ainda tem uma turma muito atuante na região do Araguaia, tem uma turma ainda que atua sob as suas ordens e desse pessoal da ABIN do Pará.
Rádio Brasil Atual: O Curió inclusive outro dia deu uma entrevista no SBT para o Roberto Cabrini, você deve ter acompanhado. O que você achou?
Fonteles: Ele é muito cara-de-pau. Acho que grande parte dessa caradura dele diz respeito à própria leniência com que o Estado brasileiro tem tratado essa questão dos desaparecidos políticos, da tortura no país. Acho e reforço isso que nós precisamos radicalizar com esse período da história nacional brasileira. Nós precisamos ser duros com quem praticou a tortura e transformou todos os cômodos do país numa grande cadeira do dragão.
Rádio Brasil Atual: Você teme pela sua vida?
Fonteles: Tenho minhas preocupações, mas eu temo muito mais pelo trabalho que nós estamos desenvolvendo. Eu acho que esse trabalho é um trabalho que nós não podemos arredar pé.
Rádio Brasil Atual: Como é pra você saber que existe um ex-torturador ligado ao DOI-CODI – que foi o centro de tortura mais temido pelos ativistas de esquerda nos anos 60 e 70 – à frente da ABIN no Pará. Tem empresários envolvidos nessa questão, são os agentes do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, das Forças Armadas, mas há também empresários envolvidos que financiaram a repressão e a tortura aqui no Brasil. Como é para você saber que tudo continua da mesma forma?
Fonteles: Eu tenho a impressão que isso é luta política. Acho que as denúncias que nós fazemos, reforçadas por outras denúncias, podem fazer com que o Brasil passe essa questão adiante. Esses caras, por exemplo, da ABIN do Pará, tanto o Magno José Borges como o Armando Souza Dias, não podem estar à frente do serviço público, é preciso inclusive ter uma reestruturação do trabalho de inteligência do nosso país. Para vocês terem uma ideia, por exemplo, vários informantes desses dois é gente que participa do movimento social, eles vivem ainda a bisbilhotar movimentos sociais, como é o caso do MST, como é o caso de sindicatos de trabalhadores rurais, como é o caso de partidos políticos de esquerda, de militantes dos direitos humanos. Então, é preciso haver uma reestruturação desse trabalho de inteligência do nosso país. O que não pode acontecer é que remanescentes do Serviço Nacional de Informações, do DOI-CODI, do DOPS estejam encastelados no serviço público, nem em delegacias nas grandes cidades ou no interior do nosso país, então isso é uma necessidade histórica. Penso que isso só vai mudar com decisão política do governo e também a partir da pauta que a própria sociedade civil possa organizar no sentido de denunciar aqueles que participaram da tortura e que estão à frente de órgãos públicos. Uma outra questão é do braço civil da ditadura militar brasileira. Várias empresas, por exemplo, foram colaboradoras da ditadura. Aqui no Araguaia, por exemplo, a Camargo Correa foi uma das principais colaboradoras da repressão. Inclusive a própria Associação de Torturados na Guerrilha do Araguaia está estudando uma ação, não apenas contra a Camargo Correa, mas também outras empresas que erigiram aquela grande estrutura repressiva em todo o sul do Pará. Então, é preciso que a sociedade também conheça isso, para que possa cobrar reparação dessas empresas, e também para que eles não passem, como têm passado, a vida inteira com cara de bons cidadãos.
Rádio Brasil Atual: Você citou uma construtora que financia a campanha de todos os partidos políticos do país, praticamente.
Fonteles: Pois é, são situações da nossa vida democrática. Eles financiaram o golpe, e hoje financiam grande parte dos partidos do nosso país, mas isso são as contradições da nossa vida democrática. Eu acho que a denúncia, a pesquisa séria, correta, pode ajudar muito para que o Brasil não viva mais diante essas situações todas.
Rádio Brasil Atual: A gente vai precisar resgatar toda história desse país, por exemplo, faleceu o senador Romeu Tuma e ele tinha muita história pra contar e não se sabe se ele acabou contando antes da morte dele ou não.
Fonteles: O Romeu Tuma, naquilo que nós temos levantado na região, junto com amigos jornalistas, foi visto no Araguaia pela primeira vez em setembro de 72. Ele chefiou a equipe que torturava, que pegava depoimentos sob tortura, que assassinava, que empacotava e que dava fim aos corpos do Araguaia. O Romeu Tuma era conhecido, inclusive na região do Araguaia, como delegado Silva ou Doutor Silva, um dos mais violentos dos doutores da repressão política à Guerrilha do Araguaia e o fato precisa ser contado por nós...
Rádio Brasil Atual: Pois é, mas ele morreu e não vamos conseguir colocá-lo na Comissão da Verdade, onde ele deveria ser ouvido.
Fonteles: É. Inclusive em torno de uns vinte dias atrás, nós descobrimos o aparelho do DOPS em Marabá, onde acontecia a tortura, particularmente aquilo que eles chamavam de subversivos mais perigosos, lá na região do Araguaia. Tudo isso capitaneado pelo Doutor Silva, pelo delegado Silva que é o Romeu Tuma, e isso quem diz são ex-mateiros, ex-militares, ex-camponeses. Quando Romeu Tuma se lançou na atividade política e ganhou notoriedade, ele foi reconhecido por ex-militares, por ex-mateiros. A tarefa da equipe que ele chefiava era a seguinte: quando tinha uma batalha, quando alguém era preso ou quando alguém morria na luta guerrilheira do Araguaia, ele que cuidava da história toda, então, me parece que esta memória foi com ele para junto de Satanás, mas outros membros da equipe dele estão vivos, como é o caso daquele sujeito que deu a entrevista ao Conexão Repórter, do Cabrini, aquele Leal.
Rádio Brasil Atual: Estamos na expectativa de que o governo Dilma faça uma ação correta, inclusive, que proteja a sua vida.
Fonteles: Um outro fato que é importante destacar nesse debate todo é que essas ameaças começaram quando foram suspensas as reparações econômicas dos camponeses do Araguaia. Ali, há dois anos, quando as Caravanas da Anistia do Ministério da Justiça, um juiz federal do Rio de Janeiro, José Carlos Zebulum, da 27ª Vara, suspendeu através de liminar a reparação econômica dos camponeses. Os advogados que entraram com uma ação civil pública para que esse juiz suspendesse essa liminar são advogado dos Bolsonaros. Então, ali tenho a impressão que começaram essas pressões pelo Judiciário brasileiro, por aqueles que têm a tarefa primeira de defender a Justiça do nosso país e essa história vem se desenvolvendo. Nesses últimos dois anos, cinco camponeses pobres já foram a óbito. Essa talvez seja a mais infame das ameaças que existe contra esse problema da memória histórica do país e diversas pessoas se encontram ameaçadas, mas eu continuo a dizer que essa questão do governo Dilma é luta política. Se os setores da sociedade mais interessados na Comissão da Verdade cruzarem os braços, o governo não vai fazer essa questão avançar, isso depende da ação dos movimentos sociais, de personalidades políticas do nosso país, daqueles que têm a consciência de que passando a limpo o Brasil nós vamos vacinar nossa consciência democrática para que isso nunca mais aconteça. E colocando o Brasil num outro patamar da vida democrática, porque as principais experiências da Comissão da Verdade sempre ensejaram um país mais avançado, com mais democracia.
Rádio Brasil Atual: A gente vai precisar resgatar toda história desse país, por exemplo, faleceu o senador Romeu Tuma e ele tinha muita história pra contar e não se sabe se ele acabou contando antes da morte dele ou não.
Fonteles: O Romeu Tuma, naquilo que nós temos levantado na região, junto com amigos jornalistas, foi visto no Araguaia pela primeira vez em setembro de 72. Ele chefiou a equipe que torturava, que pegava depoimentos sob tortura, que assassinava, que empacotava e que dava fim aos corpos do Araguaia. O Romeu Tuma era conhecido, inclusive na região do Araguaia, como delegado Silva ou Doutor Silva, um dos mais violentos dos doutores da repressão política à Guerrilha do Araguaia e o fato precisa ser contado por nós...
Rádio Brasil Atual: Pois é, mas ele morreu e não vamos conseguir colocá-lo na Comissão da Verdade, onde ele deveria ser ouvido.
Fonteles: É. Inclusive em torno de uns vinte dias atrás, nós descobrimos o aparelho do DOPS em Marabá, onde acontecia a tortura, particularmente aquilo que eles chamavam de subversivos mais perigosos, lá na região do Araguaia. Tudo isso capitaneado pelo Doutor Silva, pelo delegado Silva que é o Romeu Tuma, e isso quem diz são ex-mateiros, ex-militares, ex-camponeses. Quando Romeu Tuma se lançou na atividade política e ganhou notoriedade, ele foi reconhecido por ex-militares, por ex-mateiros. A tarefa da equipe que ele chefiava era a seguinte: quando tinha uma batalha, quando alguém era preso ou quando alguém morria na luta guerrilheira do Araguaia, ele que cuidava da história toda, então, me parece que esta memória foi com ele para junto de Satanás, mas outros membros da equipe dele estão vivos, como é o caso daquele sujeito que deu a entrevista ao Conexão Repórter, do Cabrini, aquele Leal.
Rádio Brasil Atual: Estamos na expectativa de que o governo Dilma faça uma ação correta, inclusive, que proteja a sua vida.
Fonteles: Um outro fato que é importante destacar nesse debate todo é que essas ameaças começaram quando foram suspensas as reparações econômicas dos camponeses do Araguaia. Ali, há dois anos, quando as Caravanas da Anistia do Ministério da Justiça, um juiz federal do Rio de Janeiro, José Carlos Zebulum, da 27ª Vara, suspendeu através de liminar a reparação econômica dos camponeses. Os advogados que entraram com uma ação civil pública para que esse juiz suspendesse essa liminar são advogado dos Bolsonaros. Então, ali tenho a impressão que começaram essas pressões pelo Judiciário brasileiro, por aqueles que têm a tarefa primeira de defender a Justiça do nosso país e essa história vem se desenvolvendo. Nesses últimos dois anos, cinco camponeses pobres já foram a óbito. Essa talvez seja a mais infame das ameaças que existe contra esse problema da memória histórica do país e diversas pessoas se encontram ameaçadas, mas eu continuo a dizer que essa questão do governo Dilma é luta política. Se os setores da sociedade mais interessados na Comissão da Verdade cruzarem os braços, o governo não vai fazer essa questão avançar, isso depende da ação dos movimentos sociais, de personalidades políticas do nosso país, daqueles que têm a consciência de que passando a limpo o Brasil nós vamos vacinar nossa consciência democrática para que isso nunca mais aconteça. E colocando o Brasil num outro patamar da vida democrática, porque as principais experiências da Comissão da Verdade sempre ensejaram um país mais avançado, com mais democracia.
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