Eduardo Italo Pesce (*)
A América do Sul costumava ser "o mais desarmado dos continentes", mas isto está mudando. A velha história, de que o Brasil não tem inimigo, não corresponde à realidade. As guerras do Século XXI tendem a ser conflitos não-westfalianos de quarta geração, nos quais o "inimigo" não é necessariamente um Estado organizado.
A emergência de facções políticas hostis ao Brasil, em países vizinhos, é uma hipótese que pode se concretizar. As dificuldades econômicas e sociais internas desses países podem tornar conveniente, para lideranças populistas em busca de afirmação interna ou de influência regional, a identificação de um suposto inimigo externo a quem responsabilizar.
Na América Latina, os Estados Unidos geralmente têm sido o escolhido, para desempenhar o papel de "vilão" e culpado principal pelas mazelas do subdesenvolvimento. Há indícios de que o Brasil estaria sendo considerado como ator substituto para tal papel, embora não haja percepção de ameaça de conflitos interestatais na região.
No passado, a ambição dos reis era motivo para guerras. Depois, o interesse nacional e a ideologia política entraram na equação do poder. Hoje, motivações de natureza étnica, religiosa ou cultural contribuem para a proliferação dos conflitos irregulares e assimétricos. O Estado vem perdendo o monopólio sobre os conflitos armados, que exercia desde 1648.
Atualmente, pode-se afirmar que o colapso de Estados, principalmente os localizados na periferia, constitui a maior ameaça à segurança do sistema internacional. A fim de neutralizar essa ameaça e auxiliar países em dificuldades, os Estados soberanos devem fortalecer seu Poder Nacional, em especial suas Forças Armadas.
Contudo, não basta capacitar as Forças Armadas para atuar em conflitos irregulares e em operações humanitárias ou de paz. É preciso também ampliar sua capacidade de "resposta simétrica", para dissuadir conflitos interestatais ou para derrotar possíveis agressores, caso a dissuasão falhe.
O Brasil lutou para consolidar sua unidade, sua integridade territorial e suas fronteiras no Século XIX, e participou de duas Guerras Mundiais no Século XX. Apesar disso, os brasileiros têm hoje dificuldade em aceitar a ideia de empregar a força, para defender o país contra ameaças e agressões externas.
Desde o fim da Guerra Fria, o Brasil tornou-se refém da retórica anti-imperialista e do discurso "politicamente correto". Durante duas décadas, os instrumentos coercitivos à disposição do Estado brasileiro, especialmente as Forças Armadas, sofreram um injustificável processo de sucateamento.
Por isso, não seria surpresa se o anúncio oficial do novo Plano Estratégico Nacional da Defesa (PEND), constituído pela Política Nacional de Defesa (PND) e pela Estratégia Nacional de Defesa (END), provocasse reações e protestos, no Brasil e no exterior.
Afirma-se que o novo plano mudará os paradigmas da defesa nacional, criando um novo modelo de Forças Armadas para o Brasil. Alguns detalhes vêm sendo divulgados pela mídia. Provavelmente seria dada maior prioridade às operações combinadas ou conjuntas, e a abrangência do serviço militar poderia ser ampliada.
Notícias um tanto confusas referem-se a alterações profundas na organização do Ministério da Defesa. Entretanto, para concretizar alterações significativas seria necessário alterar a Lei Complementar nº 97, de 09/06/1999, que fixa as normas gerais sobre a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.
A renovação dos meios deve ser um dos destaques do plano. Daqui a alguns anos, Marinha do Brasil poderia ter uma segunda Esquadra, no litoral norte/nordeste. O Programa de Reaparelhamento da Marinha (PRM) teria prosseguimento, assim como o desenvolvimento do projeto do submarino de propulsão nuclear brasileiro.
O Exército Brasileiro poderia desenvolver sua capacidade expedicionária de pronto emprego. A Força Aérea Brasileira modernizaria sua aviação de transporte e sua aviação de caça. Mísseis, veículos aéreos não-tripulados e satélites de emprego militar poderiam ser desenvolvidos, para uso das três forças.
Os sistemas de comando, controle e comunicações das Forças Armadas poderiam ser integrados, de acordo com o conceito de "guerra centrada em redes". A ciência e a tecnologia deveriam ser priorizadas, a fim de garantir a autonomia estratégica do Brasil no desenvolvimento e na produção de equipamentos de defesa.
O anúncio do plano pode ocorrer no final de novembro. Ou talvez coincida com a visita oficial do presidente francês ao Brasil, prevista para dezembro de 2008. A França vem sendo apontada como provável fornecedora de tecnologia avançada, para a modernização das Forças Armadas brasileiras, mas isso ainda não foi confirmado.
Entre os acordos de cooperação, que poderiam ser assinados entre Brasil e França, estão o projeto e a construção de submarinos para a Marinha, a fabricação de helicópteros para as três forças e o fornecimento de aeronaves de caça para a FAB. Se confirmados e efetivamente implementados, tais acordos poderiam influenciar, de modo favorável ao Brasil, o equilíbrio de forças na América do Sul.
O potencial do mercado regional de defesa, representado pelos países sul-americanos, também teria que ser considerado. Provavelmente, a iniciativa francesa visaria à conquista de uma fatia significativa desse mercado, em associação com empresas locais do Brasil e dos principais países da região.
No dia 11 de novembro, durante visita do presidente da República à Itália, foi assinado um acordo de cooperação de defesa entre o Brasil e aquele país. Este acordo abre possibilidade de cooperação em diversas áreas, inclusive na de desenvolvimento e produção de materiais de emprego militar.
Para viabilizar a modernização das três forças singulares, seria conveniente se o orçamento anual das Forças Armadas brasileiras fosse aumentado para 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Atualmente, tal percentual situa-se na faixa de 1,5%, o que tem colocado o Brasil abaixo da média mundial.
Resta esperar que todas as dificuldades sejam efetivamente superadas, e que o plano não se transforme em mais um protocolo de intenções. É preciso que o fluxo de recursos para a defesa nacional seja garantido, e que os projetos de fato saiam do papel. É o que esperam os brasileiros que realmente se preocupam com o futuro do país.
(*) Especialista em Relações Internacionais,
professor da UERJ e colaborador da EGN.
professor da UERJ e colaborador da EGN.
Fonte: Monitor Mercantil de 15-17/11/2008, pág. 2 (Opinião).
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