por Xico Graziano *
Noutro dia, em seminário do PT na Bahia, Lula alisava seu ego político quando lançou um enigma: "Eu fico pensando o que seria o Brasil se não fosse o MST". A resposta me brotou fácil: haveria mais prosperidade e paz no campo. Explico o porquê.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) originou-se em 1979, motivado pela luta agrária dos colonos gaúchos nos municípios de Ronda Alta e Sarandi. O regime militar, que comandava o País na época, tentou desmantelar, pelas mãos do famigerado coronel Curió, aquela inquietação camponesa. Ao contrário, porém, sustentado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e apoiado por líderes da oposição democrática, o episódio prosperou, agigantando-se o acampamento de sem-terra.
Cinco anos depois, 8 mil pessoas invadiram a Fazenda Annoni, demonstrando uma ousadia que, de pronto, ganhou a simpatia da opinião pública. O sucesso da empreitada guindou a nova organização à liderança da ação "anti-latifundiária" no campo. Seu antípoda, criado no debate da Constituinte, era a União Democrática Ruralista (UDR). Seu rival "interno", de quem procurou sempre se diferenciar, era a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), considerada "pelega" pela esquerda de então. A sociedade em mudança adotou o MST.
Assim, no estrebuchar da ditadura, renascia no País a tese da reforma agrária. Agora, porém, a causa vinha despida de sua lógica econômica, conforme fora idealizada nos anos 1960, para se carregar de conteúdo social. Com a bênção da Teologia da Libertação, um pedaço de terra redimiria os excluídos do campo. Nascia uma utopia agrária.
Ruíra em 1989 o Muro de Berlim. Por aqui, findos os anos de chumbo, avançava a redemocratização. Simultaneamente, avançava a modernização capitalista da agricultura, modificando a dinâmica do agro; antigos latifúndios viravam empresas rurais. Mais à frente, o Plano Real retirou da terra ociosa seu ganho especulativo, empurrando-a para a produção. Começava o império da tecnologia na agropecuária brasileira.
Nesse caminhar da História, a bandeira revolucionária do MST começou a perder seu brilho. Foi então que a organização decidiu, em 1995, mudar sua estratégia, partindo para o confronto direto com os fazendeiros do País: invadiu a Fazenda Aliança, situada em Pedra Preta (MT). Pertencente a um conceituado líder ruralista, a propriedade mantinha excelente rebanho, elevado rendimento, 29 casas de alvenaria, 160 quilômetros de cercas, 21 empregados registrados, reserva florestal intacta. Um brinco produtivo.
Acabou nesse momento o MST "do bem". Inaugurando a fase ulterior da crise agrária, as invasões de propriedades tomaram conta do Brasil, avançando especialmente contra as pastagens de gado. Incontáveis "movimentos" surgiram alhures, arrebentando cercas, roubando gado, fazendo "justiça" com as próprias mãos. Verdadeiras quadrilhas disfarçaram-se de pobres coitados e saquearam regiões, como no sul do Pará. Banditismo rural.
O MST militarizou-se. Seus quadros passaram a fazer treinamento centralizado, o comando definiu regras de comportamento e seleção. Centros passaram a oferecer cursos de capacitação, baseados na cartilha básica intitulada Como Organizar a Massa. Doutrinação pura. Nascido como "movimento social", o MST transformou-se em rígida organização, adentrando a cidade. Recrutando miseráveis urbanos, montou uma "fábrica de sem-terra" no País. Nunca mais a reforma agrária encontrou seu eixo.
Como teria sido a reforma agrária sem o terrorismo das invasões de terras?
Primeiro, seria certamente um programa mais bem planejado, articulado, e não um remendo açodado para resolver conflitos. Não trombaria com a agronomia nem com a ecologia, projetando assentamentos tecnicamente viáveis. Não faria da reforma agrária um foco de devastação ambiental, conforme se verifica em toda a Amazônia. Não confundiria remanescentes florestais com terra inculta, promovendo uma infeliz união da miséria com a depredação ecológica, como, entre tantos exemplos, provam a Fazenda Zabelê, no litoral de Touros (RN), ou a Fazenda Araupel, em Rio Bonito do Iguaçu (PR).
Segundo, os beneficiários da reforma teriam aptidão reconhecida para a lide rural, jovens habilitados, filhos de agricultores familiares, jamais viriam dos excluídos da cidade. O vestibular da terra seria a capacitação, nunca a invasão. Os assentamentos rurais estariam baseados na produção tecnológica, integrada ao circuito de mercado, nunca firmada na roça de subsistência, isolada. Os novos produtores se emancipariam, seriam titulados, e não, como ocorre hoje, se tornariam subservientes ao poder.
Terceiro, e em decorrência dos anteriores, a reforma agrária seria menor em tamanho, porém muito maior em qualidade. Geraria produção e renda. Daria à sociedade retorno do investimento público. Hoje, acreditem, nem se avalia o custo-benefício dos assentamentos. Nunca se mediu sequer a produção agropecuária advinda das áreas reformadas no Brasil, que atingem 90 milhões de hectares, envolvendo 1,2 milhão de assentados. Ninguém sabe quanto nem o que produzem.
Conclusão: o distributivismo agrário resultou na mais onerosa e fracassada política social da História brasileira. Para se ter uma ideia, o custo médio de cada assentado beira os R$ 100 mil, valor que manteria uma família durante 13 anos recebendo um salário mínimo mensal. Com uma agravante: pelas mãos raivosas dos invasores de terra se criou no País um foco contínuo de encrenca, antipatias, inimizades. Cizânia agrária.
O que seria do Brasil se não fosse o MST? Respondo ao Lula, tranquilamente: mais produtivo e fraterno no campo.
Fonte: Estadão
COMENTO: alias, reproduzo o comentário do amigo que indicou o texto acima.
Esqueceu de mencionar a "mãozinha" dada por Pedro Simon (PMDB) para o crescimento e afirmação do MST, quando governador do RGS.
Lembro de um certo dia quando ouvi no programa matinal da Rogério Mendelski (hoje na Guaíba) na Rádio Gaúcha. Na ocasião ele entrevistava o então Cmt de Policiamento da Capital, da Brigada Militar, Cel Maciel (Cel Antonio Carlos Maciel Rodrigues?).
O Coronel mencionava que a BMRS localizara três centros de formação de guerrilheiros. Nonoai, Ronda Alta e outro que não recordo mais.
Na entrevista, explicava com detalhes as operações realizadas e o que havia sido encontrado.
Dizia que logicamente, nos galpões não havia uma placa com os dizeres "Centro de Treinamento de Guerrilheiros". Eram "Escolas" para alfabetização dos integrantes do MST e seus filhos, com salas de aula, banheiros, cozinhas . . .
No entanto, os conteúdos ministrados eram do ofício guerreiro, como construir Coquetéis Molotov com recipientes de vidro encontrados no meio rural — vidros de defensivos e remédios para animais. Como construir armadilhas contando com meios expeditos encontrados no ambiente agrário. Envenenamento de fontes de água potável e caixas de água com ácidos de bateria, com agrotóxicos, carrapaticidas fosforados, métodos de interrogatórios . . . e por aí vai.
O Pedro Simon deve ter exigido que o camarada se desdissesse, pois na manhã seguinte no mesmo programa e horário, ouvi uma nova entrevista onde era nítido o comportamento oprimido do cara falante do dia e vez anteriores. (seguidamente ele dava entrevistas bem articuladas e verborrágicas).
Negou tudo dizendo que não era bem assim, que não fora bem isso, que apuraram melhor, que a coisa era outra . . .
Era nítido o constrangimento dele e a incredulidade e a ironia com que o Rogério Mendelski conduzia a "nova" entrevista.
A tarde, possivelmente não aguentando o peso da situação, o Cel Maciel pediu as contas.
Se o Pedro Simon não havia gostado, que o demitisse. Não ele se humilhar como o fez, negando tudo o que afirmara no dia anterior. Será que pensou que seria "perdoado" pelos comprometimentos políticos-partidários que deveria ter?
Nunca mais ouvi falar dele.
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