por Lya Luft
Atletas são os modernos gladiadores. Não enfrentam animais de quatro patas ou adversários humanos na arena do matar ou morrer. Combatem outras feras: o público, o clube, a mídia, que os encaram como máquinas de produzir gols ou cestas, marcas extraordinárias, golpes, saltos ou velocidades sobre-humanas. Não se pode obter menos do que o primeiro lugar e a medalha de ouro. Se for de prata, amarelaram. Se for de bronze, nos envergonharam. Vejo espantada rapazes e moças que atuaram com sacrifícios e dores que nem imaginamos saírem como derrotados, xingados e aos prantos, quando não conquistaram o ouro. Que perversa cobrança lhes fazemos, ou os levamos a fazer a si mesmos? Que insano dever os obriga a estar na ponta, na frente, na trincheira? E, depois dessa medalha de ouro, tem de vir outra igual, pois nada lhes é permitido fora isso, a não ser pedir desculpas.
Eu nunca pude praticar esportes. Mas sempre os apreciei, numa casa em que se torcia entusiasticamente nas tardes de domingo, em partidas de futebol. Fiz parte da torcida de muitos jogos de basquete e vôlei em que primos e colegas meus disputavam aplausos ou vaias. Talvez eu ligue esportes a convívio alegre, a brilho, à busca do melhor. Saúde, competição boa, camaradagem.
Nossa crueldade com os atletas atuais é impressionante. Anos de treinamento severo, pouca vida pessoal, afastamento da família, implacáveis exigências dos outros, do público e de si próprios. Muito atleta brasileiro de origem modesta passou a ser um novo milionário em grandes cidades européias. Sua vida se resume a pouca diversão, dieta severa, sofrimento físico, e à pressão crescente de um público sempre insatisfeito. É preciso ser mais do que bom, pelo clube, pelo país. É uma obrigação ser um ídolo, manter-se um ídolo. Às vezes penso que odiamos nossos ídolos, estamos sempre à espreita de uma falha para os devorar. Polegar para baixo, fim de linha.
A questão não deveria ser o que esse atleta deu a seu país, mas, antes de tudo, o que o país fez pelo atleta para ele se tornar excelente. Esporte faz parte da educação. Se ela anda em níveis trágicos, dificilmente o esporte brilha. Nossas escolas caem aos pedaços, universidades afundam na mediocridade, estudantes vagam na descrença, pressionados por mentira, farsa, negligência e esquecimento. Onde estão as quadras esportivas públicas, para que se forme uma tradição e cresçam futuros vencedores, para que em lugar de rua e drogas crianças e jovens se empenhem em competir de forma saudável, com outros ideais além do mortal dinheiro fácil da venda de drogas? Rola muito dinheiro por trás dos esportes e de competições como as Olimpíadas: será que nossos atletas recebem cuidado, alimentação, acompanhamento de primeira, de primeiríssima — como deveria, aliás, receber qualquer cidadão brasileiro?
Bibliotecas combinam com quadras esportivas, professores bem pagos e treinadores valorizados. Ensinar a distinguir o pior do melhor, tornar criança e jovem cidadãos conscientes e ativos, isso somado a ensinar a ler, habituar a ler, fazer escrever direito, em suma, ensiná-los a pensar e expressar seu pensamento de forma clara e ordenada. Atletas não precisam ser broncos. Pobres não precisam ser ignorantes. Não considero boa a educação que apenas tenta formar o chamado "cidadão consciente", quando ele nem ao menos sabe de que deve ter consciência e como vai expressar isso. Quando tachamos de "ricos babacas" os estudantes que não vivem na miséria, o que esperar deles? Que estímulo recebem os pouquíssimos alunos "ricos", sabendo disso, e como reagem os seus colegas menos privilegiados? Esporte deveria ser convívio natural de gente saudável e pacífica, coerente e bem formada, sem medo de nenhum tipo de sucesso, e sem ter de correr atrás dele obsessivamente.
Nesta comédia de enganos, os "derrotados" por não ter o ouro devem se esconder. Os vitoriosos que fiquem atentos ao polegar: para cima ou para baixo, também para eles, se da próxima vez não cumprirem satisfatoriamente o seu papel.
Eu nunca pude praticar esportes. Mas sempre os apreciei, numa casa em que se torcia entusiasticamente nas tardes de domingo, em partidas de futebol. Fiz parte da torcida de muitos jogos de basquete e vôlei em que primos e colegas meus disputavam aplausos ou vaias. Talvez eu ligue esportes a convívio alegre, a brilho, à busca do melhor. Saúde, competição boa, camaradagem.
Nossa crueldade com os atletas atuais é impressionante. Anos de treinamento severo, pouca vida pessoal, afastamento da família, implacáveis exigências dos outros, do público e de si próprios. Muito atleta brasileiro de origem modesta passou a ser um novo milionário em grandes cidades européias. Sua vida se resume a pouca diversão, dieta severa, sofrimento físico, e à pressão crescente de um público sempre insatisfeito. É preciso ser mais do que bom, pelo clube, pelo país. É uma obrigação ser um ídolo, manter-se um ídolo. Às vezes penso que odiamos nossos ídolos, estamos sempre à espreita de uma falha para os devorar. Polegar para baixo, fim de linha.
A questão não deveria ser o que esse atleta deu a seu país, mas, antes de tudo, o que o país fez pelo atleta para ele se tornar excelente. Esporte faz parte da educação. Se ela anda em níveis trágicos, dificilmente o esporte brilha. Nossas escolas caem aos pedaços, universidades afundam na mediocridade, estudantes vagam na descrença, pressionados por mentira, farsa, negligência e esquecimento. Onde estão as quadras esportivas públicas, para que se forme uma tradição e cresçam futuros vencedores, para que em lugar de rua e drogas crianças e jovens se empenhem em competir de forma saudável, com outros ideais além do mortal dinheiro fácil da venda de drogas? Rola muito dinheiro por trás dos esportes e de competições como as Olimpíadas: será que nossos atletas recebem cuidado, alimentação, acompanhamento de primeira, de primeiríssima — como deveria, aliás, receber qualquer cidadão brasileiro?
Bibliotecas combinam com quadras esportivas, professores bem pagos e treinadores valorizados. Ensinar a distinguir o pior do melhor, tornar criança e jovem cidadãos conscientes e ativos, isso somado a ensinar a ler, habituar a ler, fazer escrever direito, em suma, ensiná-los a pensar e expressar seu pensamento de forma clara e ordenada. Atletas não precisam ser broncos. Pobres não precisam ser ignorantes. Não considero boa a educação que apenas tenta formar o chamado "cidadão consciente", quando ele nem ao menos sabe de que deve ter consciência e como vai expressar isso. Quando tachamos de "ricos babacas" os estudantes que não vivem na miséria, o que esperar deles? Que estímulo recebem os pouquíssimos alunos "ricos", sabendo disso, e como reagem os seus colegas menos privilegiados? Esporte deveria ser convívio natural de gente saudável e pacífica, coerente e bem formada, sem medo de nenhum tipo de sucesso, e sem ter de correr atrás dele obsessivamente.
Nesta comédia de enganos, os "derrotados" por não ter o ouro devem se esconder. Os vitoriosos que fiquem atentos ao polegar: para cima ou para baixo, também para eles, se da próxima vez não cumprirem satisfatoriamente o seu papel.
Fonte: ARQUIVO DE ARTIGOS
COMENTO: Lya Luft é uma excelente escritora, por isso conhecidíssima em nosso país. O texto faz jus ao seu talento, mas ao ler seu título me enganei pensando que iria tratar sobre tema que me parece interessante e que já se faz necessário abordar. Afinal, para um país como o nosso, vale a pena "investir" mais de R$ 650 milhões (seiscentos e cinqüenta milhões de reais), boa parte gasta não com os atletas mas sim com a "cartolagem" — em um programa de televisão, assisti o apelo de uma jornalista para que fossem pagas passagens de primeira classe às atletas da equipe de vôlei ou basquete, não recordo, pois as mesmas se viam na contingência de viajar em pé por não poderem acomodar-se nas poltronas da classe executiva (será que os cartolas viajam na classe executiva?) — para participar em eventos desse porte? Quem fiscaliza o emprego das verbas destinadas ao COI, CBF e outras "entidades" esportivas? O que as torna tão atraentes para que seus dirigentes perpetuem-se nos cargos? E, por fim, contrapondo-me a toda euforia que toma conta do país em épocas de competições internacionais, qual o ganho do país quando a seleção brasileira conquista uma Copa do Mundo, ou qual o retorno para a sociedade brasileira além da efêmera satisfação de ver de longe um atleta vitorioso? É claro que os recursos acima citados não foram gastos de uma só vez. Esse foi o "investimento" computado no último "ciclo olímpico" e desse total "Vale ressaltar que os valores aplicados no esporte de alto rendimento considerados poderiam ser ainda maiores caso fossem incluídos os gastos e os investimentos feitos pelo Ministério do Esporte com o Programa Rumo ao Pan 2007. Criado em 2004, o programa recebeu apenas dos cofres da pasta quase R$ 1 bilhão para ser aplicado na realização do evento no Rio de Janeiro." (Leandro Kleber - Contas Abertas). Podemos nos dar a esse luxo??
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