sábado, 31 de maio de 2025

Cooperação Internacional — Sendo Socialista/Comunista, Pode

OPERAÇÃO CONDOR
por Carlos Ilich Santos Azambuja (*)
Quando da prisão do general Augusto Pinochet, em Londres, em 1999, foram publicadas no Brasil uma série de reportagens, algumas de páginas inteiras, sobre a denominada Operação Condor (década de 70), buscando vincular órgãos de Inteligência brasileiros, especialmente o extinto Serviço Nacional de Informações com a referida operação, por ter cooperado para formar e preparar quadros para os órgãos de repressão das ditaduras chilena, argentina, boliviana, uruguaia e paraguaia (O Globo de 5 de janeiro de 1999. Sempre O Globo...).
Após indiciar o general Pinochet por genocídio, o juiz espanhol Baltasar Garzón (ex-deputado socialista) passou a buscar documentos objetivando demonstrar que, depois da deposição de Salvador Allende, no Chile, em 11 de setembro de 1973, os governos de cinco países — Argentina, BRASIL, Bolívia, Paraguai e Uruguai — uniram-se, sob o comando da DINA, o Serviço de Inteligência chileno, numa espécie de Mercosul do terror. A parceria teria sido formalizada em 1975, sendo denominada Operação Condor.
Nesse mister, o juiz Garzón contou com a colaboração do advogado espanhol Joan E. Garcés, assessor de Allende, no Chile, nos anos 1971-1973, que abandonou o Palácio La Moneda minutos antes de este cometer suicídio. Joan Garcés, posteriormente, em 1976, foi o fundador, na Espanha, da Federação dos Partidos Socialistas e, em 1979, da esquerda socialista do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Felipe Gonzalez.
Em 1976, Joan Garcés escreveu o livro “Allende e as Armas da Política”, editado no Brasil em 1993 pela Editora Scritta, traduzido pelo escritor e jornalista brasileiro Emir Sader, que viveu no Chile como auto-exilado durante o governo Allende, onde integrou os quadros do Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR).
Vamos aos fatos. Àquilo que os jornalistas que abordaram o tema não disseram ou não quiseram dizer. Muitos dados aqui relatados foram extraídos do livro “Europa Versus Pinochet - Indebido Proceso”, escrito por Hermógenes Perez de Arce — professor universitário e colaborador do jornal El Mercurio — lançado em Santiago, Chile em 1998, e já em segunda edição.
Deve ficar claro que quando existe uma ameaça terrorista de caráter internacional, os órgãos de Segurança dos países ameaçados se coordenam. Sempre foi e continua sendo assim. Nesse sentido, a France-Press divulgou, em 21 de novembro de 1998, o seguinte telegrama: O presidente francês, Jacques Chirac, e o Primeiro-Ministro Lionel Jospin, confirmaram ao chefe do governo espanhol, José Maria Aznar, a adesão da França à luta antiterrorista na Espanha ao ser concluída, ontem, a reunião de cúpula França-Espanha, em La Rochelle. Ou seja, esses dois países coordenaram seus órgãos de Inteligência para combater a ETA-BASCA.
Esse acordo não ficou no papel. Dia 10 de março de 1999, O Globo transcreveu um telegrama vindo de Paris, segundo o qual “as forças de segurança da França e da Espanha” haviam detido no dia anterior, em território francês, seis espanhóis, membros do grupo ETA, incluindo o chefe militar José Javier Arizcuren Ruiz, conhecido como ‘Kantari’, procurado desde a década de 80 e acusado de haver tentado matar o rei Juan Carlos I, em Palma de Mallorca, em 1995 (...) A prisão foi resultado de uma operação conjunta entre a França e a Espanha”.
Voltando à América Latina, deve ser recordado que o desafio terrorista contra os governos do continente nada mais era do que uma derivação da Guerra-Fria.
Em 1974 — menos de um ano após a deposição de Allende — foi fundada em Paris uma Junta de Coordenação Revolucionária (JCR), integrada pelo Exército de Libertação Nacional (ELN), da Bolívia, o Exército Revolucionário do Povo (ERP), da Argentina, o Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros MLN-T), do Uruguai, e o Movimento de Izquierda Revolucionário (MIR), do Chile.
O Secretário-Geral da JCR era o cubano Fernando Luis Alvarez, membro da Direção Geral de Inteligência (DGI) cubana, casado com Ana Maria Guevara, irmã de Che Guevara, o que conferia à JCR o caráter de instrumento do Estado cubano.
Pouco tempo depois, em outubro de 1974, a Comissão Política do MIR, através de seu jornal El Rebelde en la Clandestinidad, dava conta desse fato nos seguintes termos: No campo internacional, nosso partido redobrará a coordenação e o trabalho conjunto com o ERP, O MLN-T e o ELN da Bolívia, e junto com eles lutará para fortalecer e acelerar o processo de coordenação da Esquerda Revolucionária Latino-Americana e Mundial (...). Chamamos a todas as organizações e movimentos irmãos a redobrar a luta em seus próprios países, a fortalecer e ampliar a Junta Coordenadora do Cone Sul (...)”.
O dirigente do PC Chileno, já falecido, que também foi Ministro do governo Allende, Orlando Millas, escreveu em suas Memórias, 1957-1991. Ediciones Chile-América, Santiago, 1995, páginas 186 e 187, o seguinte: Reunimo-nos em Moscou, em 1974, os membros da Comissão Política do partido que estávamos no exílio, ou seja, os titulares Volodia Teitelboim, Gladys Marin (na época Secretária-Geral do Partido Comunista Chileno) e eu, e o suplente Manuel Cantero. Nessa oportunidade soube do acordo que haviam chegado, em Havana, dirigentes dos respectivos partidos (chileno e cubano), para que contingentes de militantes comunistas chilenos fossem aceitos como alunos, na qualidade de cadetes, na Escola Militar de Cuba.
Foi recrutado para essa tarefa o melhor do melhor da nova geração no exílio. Senti que os conduzíamos a queimar-se no Chile em batalhas impossíveis. Quem menos direito tem de criticá-los somos nós, que assumimos a responsabilidade, estremecedora, de sugerir-lhes, sendo adolescentes, que o caminho para ser dignos de seu povo deveria ser percorrido empunhando armas”.
Infelizmente, isso não aconteceu somente no Chile. No Brasil, também na década de 70, mais da metade dos que foram mandados para a morte pela direção do Partido Comunista do Brasil, nas selvas do Araguaia, eram jovens estudantes ou recém-formados.
Anteriormente a tudo isso, no Congresso do Partido Socialista Chileno, ao qual pertencia Salvador Allende, realizado na cidade de Chillán, em 1967, foi aprovada uma Resolução Política que dizia: (...) A violência revolucionária é inevitável e legítima (...). Só destruindo o aparato burocrático e militar do Estado-burguês, pode consolidar-se a revolução socialista”. Essa linha política foi confirmada no Congresso realizado em 1971 — ano em que Allende assumiu o governo — realizado na cidade de La Serena.
A decisão do PS chileno de optar pela “violência revolucionária” estava de acordo com os protocolos adotados no ano anterior, 1966, em Havana, na Conferência Tricontinental, quando foi aprovada pela unanimidade das 27 delegações presentes a sugestão de criar a Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS) uma cópia do Komintern dos anos 30, um pacto político-militar para revolucionar a América Latina. O autor dessa proposta foi o delegado que representava o Partido Socialista Chileno: Salvador Allende.
Quem melhor resumiu a consistência da ameaça armada ilegal constituída durante os quase três anos em que Allende esteve no governo foi o ex-senador e ex-presidente do Partido Socialista durante o referido governo, Carlos Altamirano. No livro da jornalista Patrícia Politzer, editado no Chile em 1995, pode ser lido o seguinte diálogo: Entrevistadora: “Quantos homens formavam esse modestíssimo aparato armado do Partido Socialista?” Altamirano: “Mas ou menos mil a mil e quinhentos homens, com armas leves”. Entrevistadora: “Mil homens não é pouco”. Altamirano: “Não era pouco se houvesse uma coordenação com o aparato militar do MIR, que supostamente era bastante mais importante que o nosso; com o do Partido Comunista, que também era maior, e com os que tinham o MAPU e a Esquerda Cristã. Porém, essa coordenação não aconteceu...”.
É evidente que o número de 1.000 a 1.500 homens, do PS, 3.000 a 5.000 do MIR (“bastante mais importante”), 2000, do Partido Comunista (“também era maior”), do MAPU e Esquerda Cristã, aproximadamente 1.000, redundava em um total aproximado de 10.000 homens armados que, somado aos “companheiros de Tropas” (referidos por Patrício La Guardia, como se verá adiante) e a um número indeterminado de outros estrangeiros, era, sem dúvida, um contingente respeitável.
Nos anos 80, a ação armada subversiva, no Chile, ganhou impulso com os sucessivos desembarques de armas realizados desde navios cubanos, em janeiro, junho e julho de 1986: 3.200 fuzis, 114 lança-foguetes soviéticos RPG-7, 167 foguetes anti-blindagem LAW (alguns utilizados no atentado contra Pinochet nesse mesmo ano de 1986, que causou a morte de cinco militares de sua escolta), granadas, munições e outras armas (livro Chile, Crônica de um Assédio, Santiago, 1992, tomo I, página 98). Ou seja, o maior contrabando de armas jamais registrado na América Latina.
A prova da intervenção cubana e de que um contingente dessa nacionalidade encontrava-se no Chile durante o governo Allende, inclusive integrando a segurança pessoal do presidente, pode ser encontrada em uma publicação cubana sobre o julgamento, muitos anos mais tarde, já no final da década de 80, de diversos altos oficiais do Exército cubano, acusados de narcotráfico. Um desses oficiais, Patrício La Guardia, amigo pessoal de Fidel Castro, condenado à morte e fuzilado, viu-se submetido ao seguinte interrogatório: Pergunta: E missões internacionalistas, além dessa de Angola, que cumpriu anteriormente? Resposta de Patrício La Guardia: “Estive no Chile. Fui condecorado com a Medalha Internacionalista de Primeiro Grau porque estava no Chile à frente dos companheiros de Tropas, quando do golpe de Estado, e cumpri outras operações especiais (Vindicación de Cuba, 1989, Editorial Política, Havana, Cuba, página 291).
O ex-presidente chileno Eduardo Frei em declarações ao jornal “ABC”, de Madri, Espanha, disse o seguinte: O marxismo, com o conhecimento e aprovação de Salvador Allende, e talvez por instigação dele próprio, havia introduzido no Chile inumeráveis arsenais, que eram guardados em residências, escritórios, fábricas e armazéns. O mundo não sabe que o marxismo chileno dispunha de um armamento superior em número e qualidade que o do Exército (...). Os militares salvaram o Chile e a todos nós, cujas vidas não são, certamente, tão importantes como o Chile.
Pergunta-se o que poderiam fazer os governos ameaçados frente a uma internacional terrorista. A OLAS nos anos 60, e a JCR, nos anos 70? Obviamente, o mesmo que fizeram França e Espanha: coordenar suas ações antiterroristas. Assim, teria nascido a Operação Condor.
Se no decorrer das operações repressivas foram cometidos delitos, sucedeu algo parecido com o grupo espanhol denominado GAL (Grupos Antiterroristas de Libertação), constituído por elementos pertencentes aos Órgãos de Inteligência espanhóis. As responsabilidades pelos delitos deveriam recair sobre as pessoas que os cometeram, como, de fato, recaíram. Em 19 de julho de 1998 o Supremo Tribunal da Espanha condenou vários auxiliares de Felipe Gonzalez (que governou a Espanha por 14 anos, de 1982 a 1996), inclusive seu Ministro da Justiça, por crimes praticados durante a luta contra a ETA-BASCA.
Em nenhum momento, porém, os diligentes juízes espanhóis pensaram em responsabilizar Felipe Gonzalez por esses crimes.
Assim, como ao juiz espanhol Baltasar Garzón não ocorreu submeter a processo Felipe Gonzalez, assim, tampouco, existe fundamento para acusar o então senador Pinochet, por alguma atuação indevida de seus subordinados durante o desenrolar da Operação Condor, quando presidente do Chile.
Mas, no entanto, o juiz Baltasar Garzón, assessorado por Joan Garcéz, buscou satanizar a Operação Condor. É indiscutível, porém, que face a um desafio terrorista coordenado, que não era um pic-nic, os Órgãos de Inteligência dos países ameaçados fizeram o mínimo que deveriam fazer: coordenar-se. E deverão fazê-lo sempre.
Outra acusação feita a Pinochet é a de genocídio, por haver supostamente perseguido um grupo político: o de comunistas nativos e de outros países exilados no Chile. Tal delito, no entanto, é tipificado pelo Convênio sobre Genocídio, como “a perseguição a um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, e não de grupos políticos. E mais: o Convênio Internacional sobre crimes de genocídio, patrocinado pela ONU, estabelece expressamente que o Tribunal competente para julgar esse tipo de crime é o do lugar onde foi cometido o delito.
Sobre o assassinato, nos EUA, do ex-chanceler de Allende, Orlando Letelier, do qual Pinochet foi também responsabilizado pelo juiz Garzón, recorde-se uma entrevista de seu filho, deputado Juan Pablo Letelier, a uma jornalista, em Santiago, em 1995: Pergunta: “O senhor tem se dedicado nos últimos tempos a exculpar de toda a responsabilidade o Exército do Chile e seu Comandante em Chefe pela morte de seu pai. Por que?” Resposta: “Não me dediquei a exculpar. O que já disse, por mais de uma vez, porque me ensinaram a falar a verdade, é que não há nenhuma evidência que flua do processo, de milhares de folhas, que permita sustentar que tenha havido participação do Exército ou de seu Comandante em Chefe no assassinato de meu pai” (jornal El Mercurio de 4 de junho de 1995, página D-2).
A comunidade jurídica internacional sempre considerou profundamente injusto julgar uma época aplicando os padrões morais de outra. Por isso, entre outras razões, existe universalmente a prescrição, através da qual o transcurso do tempo extingue as responsabilidades. Existe, pois, um ingrediente de tremenda injustiça em querer julgar, anos depois, acontecimentos que hoje parecem desprovidos de toda a carga de incerteza, temor e ódio que existiam no Chile e em toda a América Latina nos anos 70. Sempre, “antes” as coisas são diferentes do que parecem “depois”, quando o perigo já passou. Um velho ditado diz que “depois da batalha, todos são generais”.
O terrorismo e os terroristas, por sua vez, não têm que responder ante ninguém. Se triunfa converte-se em um regime totalitário, e este, por definição, não tem que responder por seus atos. Se é derrotado, converte suas baixas em “vítimas”, e descreve a guerra suja que perdeu como um “extermínio” — ou, como deseja o juiz Garzón, um “genocídio”.
Em 1990, mesmo depois do Governo Militar, as vítimas do “genocídio” e do “extermínio” continuaram a atuar, e assassinaram, em plena democracia, o coronel Fontaine, do Corpo de Carabineiros, o Major do Exército Carlos Perez e sua mulher, e feriram gravemente os generais Leigh e Ruiz, da Força Aérea, em atentados.
No Chile, durante os primeiros anos do Governo Militar, o juiz Rafael Retamal, que havia sido presidente da Corte Suprema, ante um requerimento de que a Justiça fosse mais severa com os “excessos repressivos”, replicou: Os extremistas iam nos matar a todos. Ante essa realidade, deixemos que os militares façam a parte suja. Depois chegará a hora dos direitos”.
Hoje, não só no Chile alguns extremistas, que insistem em fazer um boca-a-boca na falida doutrina científica, e correligionários seus, defensores dos direitos humanos, acusam de “assassinos” os militares. Porém, o então Ministro da Corte Suprema, e depois presidente desse Tribunal, temia ser assassinado pelos extremistas. Quem eram, então, os assassinos?
Nos anos 60 e 70 o mundo vivia sob a chamada Guerra-Fria. A possibilidade de um conflito bélico global sempre esteve presente. Na América Latina, a exportação da guerrilha e do terrorismo, de Cuba para o restante do continente, era uma constante. Em 1967, Che Guevara havia sido morto na Bolívia à frente de um grupo de guerrilheiros cubanos. Um grande desembarque de armas extremistas havia sido descoberto e frustrado na Venezuela. Fidel Castro e Guevara falavam abertamente que os Andes se converteriam na Sierra Maestra do continente e que seriam criados “vários Vietnãs”. Então, os Tupamaros, no Uruguai, os Montoneros, na Argentina, os militantes do MIR chileno, e Marighela e Lamarca, no Brasil, atuavam coordenados sob a batuta da Inteligência cubana.
Para concluir, deve ser recordado que, posteriormente, em 3 de julho de 1998, o comandante Fidel Castro, em discurso pronunciado quando do encerramento de um seminário, em Havana, sobre o tema Globalização, convocado pela “Associação de Economistas da América Latina”, reconheceu seu papel de promotor da guerrilha em toda a América Latina nos anos 60. Guerrilha que fez uma montanha de mortos.
Todos os argumentos e relatos acima serviriam para que o pedido de prisão de Garzón-Garcéz contra o então senador Pinochet fosse arquivado pela Câmara dos Lordes inglesa. Todavia, isso não seria politicamente correto, pois Pinochet não é de esquerda. O processo contra ele foi, evidentemente, um acerto de contas, uma vingança política contra quem destruiu um mito marxista: a derrubada do poder de um governo comunista.
É isso que a esquerda de todos os matizes não admite, não aceita e não perdoa.
(*) Carlos Ilich Santos Azambuja é historiador.
COMENTO: O historiador Carlos Ilich Santos Azambuja (CISA), ou Dr Pirilo, ou ainda, Antônio Pinto, foi um dos melhores e mais atuantes analistas do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA). Falecido em 2018, deixou um grande legado de pesquisas e textos com relatos da história da Inteligência brasileira.

terça-feira, 20 de maio de 2025

O Brasil de Cabeça Para Baixo

por Paulo Filho
O IBGE acaba de divulgar um novo mapa-múndi em que o Brasil aparece no centro do planisfério e com o Sul voltado para o topo da página. Dessa forma, o mapa representa o mundo “de cabeça para baixo” quando comparado às representações convencionais da cartografia, nas quais o Norte ocupa sempre a parte superior.
O novo mapa destaca em cores os países que integram os BRICS, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o Mercosul e o Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).
Do ponto de vista técnico, a opção por uma representação invertida por parte de um órgão oficial é, no mínimo, controversa. Mapas são tradicionalmente norteados não por convenção aleatória, mas com base em acordos cartográficos internacionais respaldados por critérios geográficos cientificamente aceitos. Alterar essa lógica arbitrariamente pode gerar confusão e comprometer a clareza informativa, especialmente em contextos educacionais.
Mas o que está em jogo aqui são razões essencialmente políticas — e é sobre elas que me proponho a refletir. A inversão foi justificada pelo presidente do IBGE, Márcio Pochmann, em suas redes sociais: A novidade busca ressaltar a posição atual de liderança do Brasil em importantes fóruns internacionais como no BRICS e Mercosul e na realização da COP 30 no ano de 2025.
A justificativa de Pochmann revela o intento simbólico do mapa: transmitir dois recados. O primeiro, de que o Brasil está “no centro do mundo”; o segundo, de que o chamado “Sul Global” seria agora uma espécie de “novo Norte”, apto a liderar o restante do planeta.
É inegável que mapas embutem visões de mundo e hierarquias simbólicas. A projeção de Mercator — com a qual fomos familiarizados desde os primeiros anos escolares — é uma projeção cilíndrica que mantém as formas dos países, mas distorce suas proporções. Como resultado, os países localizados em altas latitudes, majoritariamente no Hemisfério Norte, parecem maiores do que realmente são. A Groenlândia, com seus 2,1 milhões de km², muitas vezes aparenta ser maior do que a Austrália, que tem 7,7 milhões de km² — mais de três vezes seu tamanho real. Pensando bem, talvez tenha sido essa representação que inspirou a fixação de Donald Trump pela Groenlândia.
Outras nações também moldam os mapas segundo sua própria cosmovisão. Os chineses, por exemplo, utilizam representações em que a China ocupa o centro do mundo — algo coerente com seu nome nativo: Zhōngguó (中国), ou “País do Meio”. O primeiro caractere, 中 (zhōng), significa “meio” ou “centro”; o segundo, 国 (guó), quer dizer “país” ou “nação”. Historicamente, o nome reflete a auto percepção da China como o epicentro civilizacional do mundo conhecido, sobretudo durante os períodos imperiais. Essa centralidade tem sentido não apenas geográfico, mas também cultural, simbólico e político. Porém, nesse tipo de mapa, o Atlântico Sul — tão relevante para o Brasil — praticamente desaparece. Um navegador brasileiro que usasse essa carta para alcançar Angola provavelmente teria dificuldades.
Uma definição simples de geopolítica é que ela trata da aplicação do poder sobre um espaço geográfico. Sob essa ótica, não há novidade na intenção do presidente do IBGE ao usar uma representação cartográfica para transmitir uma mensagem política.
É justamente aí que reside, a meu ver, o erro do mapa. Ao colocar o Brasil voltado para o Sul, ele simbolicamente nos posiciona de costas para o Norte. Isso é problemático por diversas razões — culturais, econômicas e estratégicas. Mas escolho aqui uma motivação simbólica e histórica, relacionada à data da divulgação do mapa: 7 de maio de 2025, véspera do 80º aniversário da vitória aliada na Segunda Guerra Mundial.
O Brasil enviou 25 mil soldados ao “Norte Global” — mais especificamente à Itália — para combater o nazifascismo. Centenas deles não retornaram. Se o mapa do IBGE destacasse os países aliados na Segunda Guerra, muitos daqueles representados em tons neutros teriam de ser coloridos para marcar os que, juntamente com o Brasil, derramaram o sangue de seus cidadãos em defesa da liberdade e da democracia.
Aliás, se o critério fosse destacar os países democráticos, talvez também houvesse uma inversão inesperada: o IBGE teria que apagar a cor de muitos dos países hoje realçados, justamente por não promoverem a democracia que o Brasil, em sua Constituição, se compromete a promover e defender.
Paulo Filho é oficial do Exército, formado na AMAN, em 1990.
Seus textos são fruto de suas reflexões, estudos e experiências,
pessoais e profissionais. Não fala em nome do Exército.
COMENTO: Essa mudança do mapa-múndi pelo IBGE de Lula me parece ser muito mais do que uma prestidigitação para distrair a atenção da população dos problemas que o Brasil está enfrentando. É uma mostra de como o IBGE pode estar sendo usado para, também, maquiar os dados oficiais do país de acordo com os interesses de quem está no governo, particularmente os números da inflação e do crescimento econômico. Notícias de desconforto dos funcionários do órgão com as atitudes do atual chefe ratificam essa intuição. Aparentemente, para o PT, além da democracia, a matemática também é relativa.
Resta saber como o Meridiano de Greenwich e as bússolas receberão a novidade brasileira.

domingo, 11 de maio de 2025

Os Guardiões do Papa: Espionagem, Proteção e Fé

por Artiom Vnebreaci Popa
Dos corredores dos palácios papais aos becos de Roma; da época medieval à Guerra Fria e hoje: uma rede discreta de protetores zela pelos sucessores de São Pedro há séculos. O bem-estar e a segurança do Papa não são uma invenção contemporânea: suas raízes estão na Idade Média, quando cruzados, ordens militares e formas primitivas de inteligência eclesiástica teciam uma rede de defesa em torno do Vigário de Cristo.
Hoje, esse sistema se tornou uma mistura de tradição medieval e tecnologia de ponta: a Guarda Suíça divide espaço com cibercriminosos especializados, analistas de contrainteligência e espiões treinados em todos os tipos de técnicas.
A Igreja Católica, como a mais antiga organização em funcionamento no mundo, sobreviveu a impérios, revoluções e guerras. Embora seus líderes atribuam tal resistência à providência divina, por mais poético que isso possa soar, devemos destacar a existência de uma sofisticada rede de inteligência que se espalhou pelo mundo e permitiu tal atribuição.

Origens: Cruzados, espiões e conspirações
A necessidade da proteção do Papa surgiu em tempos turbulentos. No século VIII, as Scholae Palatinae (um corpo de soldados francos) guardavam o pontífice. Mas foi durante as Cruzadas que surgiram os primeiros "serviços de inteligência" eclesiásticos. Os Cavaleiros Templários agiam como uma rede de inteligência (de forma rudimentar), coletando informações na Terra Santa e protegendo as rotas de peregrinação. Sua rede bancária passou a financiar operações secretas.
Por outro lado, a evolução desse sistema de segurança acompanhou o turbulento século XVI, quando a Igreja Católica, ameaçada pela Reforma Protestante e por múltiplas intrigas geopolíticas, começou a promover a necessidade de profissionalizar suas próprias redes de inteligência. Assim, cardeais e legados começaram a ser empregados como agentes de inteligência, infiltrando-se em tribunais europeus para combater as maquinações de seus oponentes. Mas foi somente no pontificado de Leão XIII que a base moderna do que hoje é conhecido como serviço de inteligência do Vaticano foi estabelecida.

O Vaticano e a Santa Aliança
Após a Revolução Francesa, o Vaticano aliou-se aos poderes conservadores da Santa Aliança (1815), mas também desenvolveu sua própria diplomacia discreta e secreta. Os embaixadores papais não apenas negociaram concordatas, mas também coletaram informações sobre movimentos revolucionários.
Assim, durante o Risorgimento italiano, o Papa Pio IX empregou uma rede de padres para monitorar nacionalistas que buscavam tomar o controle dos Estados Papais. Nessa época, a Guarda Suíça já era um órgão profissional, mas sua função era simbólica. A segurança operacional era responsabilidade da Gendarmaria Pontifícia (que reprimia revoltas e perseguia conspiradores anticlericais).

Século XX: Acordo Duplo, Guerra Fria, Intriga e Mudança
O século XX testou a resiliência do Vaticano. Em 1929 , os históricos Pactos de Latrão marcaram uma virada na estratégia papal. Ao formalizar um acordo político com o governo fascista de Mussolini, a Santa Sé fez mais do que se tornar um estado soberano: trocou seu poder militar tradicional por uma forma de poder muito mais sutil. Enquanto o mundo assistia ao Vaticano abandonar oficialmente suas forças armadas (acreditando que elas estavam enfraquecendo), poucos notaram como ele estava investindo em suas redes de inteligência. A Guarda Suíça continuou a usar seus uniformes simbólicos, enquanto a influência real mudou para estruturas menos visíveis.
Assim, durante o período do fascismo italiano, a Segunda Guerra Mundial e a subsequente Guerra Fria, o Vaticano foi capaz de manobrar com uma liberdade impensável para um Estado convencional do século XX. Enquanto o mundo celebrava a estabilização da Santa Sé, esta era apoiada por uma suposta neutralidade religiosa que lhe permitia estabelecer ligações com múltiplos serviços de inteligência, diplomatas, organizações, estados, grupos e empresas; juntamente com o treinamento de seus clérigos selecionados em técnicas HUMINT.
Dessa forma, eles mantiveram e controlaram fluxos de informação (e dinheiro) por meio de canais discretos, estabelecendo uma nova forma de poder: soft power e sharp power. O menor estado do nosso planeta demonstrou que o verdadeiro poder não está nos quartéis, mas nos corredores onde os segredos estão entrelaçados.
Nos parágrafos acima, alguns pontos chaves podem ser destacados nas ações da Santa Sé ao longo do século XX e início do século XXI: 
— Durante a Segunda Guerra Mundial, o Papa Pio XII usou seus canais diplomáticos para ajudar refugiados, mas também para negociar secretamente com ambos os lados.
— Figuras como Giuseppe Dalla Torre (diretor do jornal do Vaticano L'Osservatore Romano) e Monsenhor Montini (futuro Paulo VI) trabalharam em estreita colaboração com os Aliados, vazando informações cruciais contra o Eixo.
— A Operação La Rete (uma rede de fuga de prisioneiros de guerra) demonstrou a capacidade do Vaticano de operar nas sombras.
— Após a guerra, o relatório Himmerod revelou as preocupações do Vaticano com a reconstrução da Europa e a ameaça comunista. Paulo VI, durante seu pontificado, manteve uma relação ambígua com a CIA, usando padres infiltrados em países do bloco soviético para coletar informações e apoiar movimentos dissidentes, como o Solidariedade na Polônia.
— Apesar de estar parcialmente associado às democracias liberais ocidentais, há outros casos em que situações extraordinárias exigem soluções igualmente surpreendentes: o que explica o Vaticano ter se alinhado à Rússia em sua oposição à primeira Guerra do Golfo.  Isso demonstra a flexibilidade e a resiliência da Santa Sé em responder a conflitos internacionais.

Controvérsias e conflitos
Nas décadas de 1970 e 1980, o Vaticano se envolveu em escândalos financeiros e políticos. O Caso Calvi e o colapso do Banco Ambrosiano expuseram uma rede de lavagem de dinheiro que ligava o Vaticano à máfia siciliana. Roberto Calvi (informalmente apelidado de "Banqueiro de Deus") foi encontrado enforcado sob a Ponte Blackfriars, em Londres, em um suposto suicídio que muitos atribuem a um acerto de contas. Assim, a sombra da máfia siciliana paira sobre o Vaticano há décadas. Da lavagem de dinheiro ao tráfico de influência, a conexão entre a Igreja e o crime organizado tem sido um segredo aberto.
A tentativa de assassinato de João Paulo II em 1981 acrescentou outro capítulo sombrio à história do Vaticano contemporâneo. Mehmet Ali Agca foi o executor material. O ataque revelou falhas críticas: Ağca já havia sido preso na Turquia por outro assassinato, mas a inteligência do Vaticano não conseguiu detectá-lo. Em seguida, foi criado um Serviço de Segurança interno mais sofisticado, com a colaboração da CIA e do Mossad.

Eventos atuais e continuidade
Em 21 de abril de 2025, o Papa Francisco faleceu. Nos últimos anos, o pontificado de Francisco enfrentaram um aumento de ameaças que vão desde ataques físicos até campanhas de difamação orquestradas no ciberespaço. A vulnerabilidade do Papa ficou evidente em 2023, quando as forças de segurança interceptaram um indivíduo armado durante uma audiência pública, enquanto no Iraque um ataque suicida foi frustrado graças à colaboração entre os serviços de inteligência britânicos e unidades especiais do Vaticano.
A eleição do Papa Francisco, com sua abordagem reformista e críticas ao sistema financeiro global, acrescentou uma camada adicional de complexidade, atraindo tanto apoiadores quanto inimigos poderosos. A natureza dessas ameaças reflete os novos desafios do século XXI. A Inteligência Eclesiástica aprimorou suas capacidades para monitorar não apenas riscos tradicionais, mas também ameaças digitais. O Papa se tornou alvo de grupos extremistas de direita que o acusam de ser um "herege" por sua postura reformista, assim como de grupos hacktivistas como o Anonymous, que tentaram violar os sistemas do Vaticano em protesto contra seu conservadorismo.
Tais incidentes revelam um paradoxo na base do aparato de segurança do Vaticano. Embora formalmente leais ao Papa reinante, os serviços de inteligência navegam entre facções religiosas em guerra. O caso Vatileaks demonstrou como setores conservadores dentro da própria Cúria vazaram informações confidenciais para minar a autoridade de Francisco, demonstrando que a lealdade institucional nem sempre é absoluta quando divisões ideológicas entram em jogo. Essa situação representa um dilema de segurança sem precedentes: como proteger um líder quando as ameaças vêm tanto de inimigos externos quanto de setores dissidentes dentro da própria Igreja?

Conclusões
O Papa não é apenas uma figura religiosa, mas um estrategista chave na política global. No Vaticano, o sagrado e o mundano estão interligados, e toda crise exige uma resposta cuidadosamente medida. O verdadeiro poder não emana dos púlpitos, mas dos corredores ocultos onde as decisões são tomadas.
Hoje, diante de crises migratórias, conflitos geopolíticos e divisões sociais, a Santa Sé utiliza sua influência diplomática para defender a paz. Contudo, por trás dessa imagem de neutralidade, suas estruturas de inteligência operam incansavelmente para salvaguardar os interesses da Igreja em um cenário internacional volátil. Essa dupla natureza não é recente: já durante a Segunda Guerra Mundial, líderes como Hitler e Mussolini monitoravam de perto Pio XII, suspeitando que sua neutralidade escondia uma falsa prudência.
O que continua sendo mais intrigante é a capacidade deles de preservar o sigilo. Sua força não está na tecnologia avançada, mas em uma sofisticada rede humana de alianças e lealdades que nenhuma agência secular foi capaz de replicar.
Com a morte do Papa Francisco em 21 de abril de 2025 e a convocação de um novo conclave, surge a pergunta: que direção seu sucessor tomará? Durante seu pontificado, Francisco promoveu reformas progressistas , enfrentando resistência interna de setores conservadores. Agora, as facções do Vaticano estão se reagrupando: de um lado, aqueles que buscam continuar seu legado de abertura e foco social; por outro lado, há tradicionalistas que defendem um retorno a posições mais dogmáticas.
O próximo Papa herdará uma Igreja sob tensão, onde lutas por controle definirão seu pontificado. Manterá o equilíbrio entre modernidade e tradição? Ou isso fará a balança pender a favor de uma das correntes? Uma coisa é certa: enquanto o Vaticano mantiver sua influência global, sua máquina de influência continuará sendo uma das mais eficazes do mundo. A fé move almas, mas nos corredores do poder, são estratégias silenciosas que decidem o futuro dos séculos vindouros.
E como disse o Papa em Os Jovens Papas, de Paolo Sorrentino: "O mundo é esse fluxo que passa rapidamente por nós à medida que envelhecemos; a Igreja é o fundamento sobre o qual esse envelhecimento cai".
Artiom Vnebreaci Popa
é Graduado em Filosofia e Letras
 pela Universidade Autónoma de Barcelona.
Fonte: tradução livre do Boletim LISA News
(Learning Institute of Security Advisors)

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Heróis da Segunda Guerra — Antigos Alunos CMPA


Vídeo especialmente feito para as comemorações dos 80 anos do final da Segunda Guerra Mundial (1945-2025), apresentando alguns heróis brasileiros que foram alunos do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA). 
Todos esses vultos da nossa história foram jovens estudantes dessa centenária instituição de ensino, e lá formaram caráter e civismo que nortearam suas vidas e serviram como base nos seus feitos.
Jamais serão esquecidos!
Fonte:  You Tube
Aproveito para acrescentar a homenagem produzida pelo Comando da 14ª Brigada de Infantaria Motorizada (Florianópolis/SC).