por Paulo Filho
O IBGE acaba de divulgar um novo mapa-múndi em que o Brasil aparece no centro do planisfério e com o Sul voltado para o topo da página. Dessa forma, o mapa representa o mundo “de cabeça para baixo” quando comparado às representações convencionais da cartografia, nas quais o Norte ocupa sempre a parte superior.
O novo mapa destaca em cores os países que integram os BRICS, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o Mercosul e o Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).
Do ponto de vista técnico, a opção por uma representação invertida por parte de um órgão oficial é, no mínimo, controversa. Mapas são tradicionalmente norteados não por convenção aleatória, mas com base em acordos cartográficos internacionais respaldados por critérios geográficos cientificamente aceitos. Alterar essa lógica arbitrariamente pode gerar confusão e comprometer a clareza informativa, especialmente em contextos educacionais.
Mas o que está em jogo aqui são razões essencialmente políticas — e é sobre elas que me proponho a refletir. A inversão foi justificada pelo presidente do IBGE, Márcio Pochmann, em suas redes sociais: “A novidade busca ressaltar a posição atual de liderança do Brasil em importantes fóruns internacionais como no BRICS e Mercosul e na realização da COP 30 no ano de 2025.”
A justificativa de Pochmann revela o intento simbólico do mapa: transmitir dois recados. O primeiro, de que o Brasil está “no centro do mundo”; o segundo, de que o chamado “Sul Global” seria agora uma espécie de “novo Norte”, apto a liderar o restante do planeta.
É inegável que mapas embutem visões de mundo e hierarquias simbólicas. A projeção de Mercator — com a qual fomos familiarizados desde os primeiros anos escolares — é uma projeção cilíndrica que mantém as formas dos países, mas distorce suas proporções. Como resultado, os países localizados em altas latitudes, majoritariamente no Hemisfério Norte, parecem maiores do que realmente são. A Groenlândia, com seus 2,1 milhões de km², muitas vezes aparenta ser maior do que a Austrália, que tem 7,7 milhões de km² — mais de três vezes seu tamanho real. Pensando bem, talvez tenha sido essa representação que inspirou a fixação de Donald Trump pela Groenlândia.
Outras nações também moldam os mapas segundo sua própria cosmovisão. Os chineses, por exemplo, utilizam representações em que a China ocupa o centro do mundo — algo coerente com seu nome nativo: Zhōngguó (中国), ou “País do Meio”. O primeiro caractere, 中 (zhōng), significa “meio” ou “centro”; o segundo, 国 (guó), quer dizer “país” ou “nação”. Historicamente, o nome reflete a auto percepção da China como o epicentro civilizacional do mundo conhecido, sobretudo durante os períodos imperiais. Essa centralidade tem sentido não apenas geográfico, mas também cultural, simbólico e político. Porém, nesse tipo de mapa, o Atlântico Sul — tão relevante para o Brasil — praticamente desaparece. Um navegador brasileiro que usasse essa carta para alcançar Angola provavelmente teria dificuldades.
Uma definição simples de geopolítica é que ela trata da aplicação do poder sobre um espaço geográfico. Sob essa ótica, não há novidade na intenção do presidente do IBGE ao usar uma representação cartográfica para transmitir uma mensagem política.
É justamente aí que reside, a meu ver, o erro do mapa. Ao colocar o Brasil voltado para o Sul, ele simbolicamente nos posiciona de costas para o Norte. Isso é problemático por diversas razões — culturais, econômicas e estratégicas. Mas escolho aqui uma motivação simbólica e histórica, relacionada à data da divulgação do mapa: 7 de maio de 2025, véspera do 80º aniversário da vitória aliada na Segunda Guerra Mundial.
O Brasil enviou 25 mil soldados ao “Norte Global” — mais especificamente à Itália — para combater o nazifascismo. Centenas deles não retornaram. Se o mapa do IBGE destacasse os países aliados na Segunda Guerra, muitos daqueles representados em tons neutros teriam de ser coloridos para marcar os que, juntamente com o Brasil, derramaram o sangue de seus cidadãos em defesa da liberdade e da democracia.
Aliás, se o critério fosse destacar os países democráticos, talvez também houvesse uma inversão inesperada: o IBGE teria que apagar a cor de muitos dos países hoje realçados, justamente por não promoverem a democracia que o Brasil, em sua Constituição, se compromete a promover e defender.
Paulo Filho é oficial do Exército, formado na AMAN, em 1990.
Seus textos são fruto de suas reflexões, estudos e experiências,
pessoais e profissionais. Não fala em nome do Exército.
Fonte: Blog do Paulo Filho
COMENTO: Essa mudança do mapa-múndi pelo IBGE de Lula me parece ser muito mais do que uma prestidigitação para distrair a atenção da população dos problemas que o Brasil está enfrentando. É uma mostra de como o IBGE pode estar sendo usado para, também, maquiar os dados oficiais do país de acordo com os interesses de quem está no governo, particularmente os números da inflação e do crescimento econômico. Notícias de desconforto dos funcionários do órgão com as atitudes do atual chefe ratificam essa intuição. Aparentemente, para o PT, além da democracia, a matemática também é relativa.
Resta saber como o Meridiano de Greenwich e as bússolas receberão a novidade brasileira.
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