por Janer Cristaldo em 09 Set 09
Quem tem a minha idade, deve lembrar do sufoco que era não ser marxista nos anos 70. Intelectuais do mundo inteiro criam, unânimes, que o mundo rumava ao socialismo. Os brasileiros, sempre na rabeira da História, não poderiam pensar diferente. Eu, que havia lido e me formado em filosofia, não conseguia ver Marx como filósofo. Muito menos via qualquer consistência em seu pensamento. Por não participar do Zeitgeist da época, fui considerado agente do DOPS. A coisa era simples assim: se você não era comunista, só podia ser agente da ditadura. Mais tarde, fui promovido a agente do SNI. Quando comecei a viajar, atingi o ápice de minha carreira. Fui elevado a agente da CIA. Assim fosse. Agente da CIA devia ganhar bem. Em Estolcomo, eu tinha de espichar minhas kronor para poder tomar um vinhozinho em fim de semana.A pressão era tão violenta que chegava a impedir os relacionamentos pessoais. Já devo ter contado: certa vez, nos dias de Porto Alegre, eu estava debaixo de uma ducha com uma jornalista gaúcha, naquele estado em que Adão e Eva viviam antes de comer a frutinha aquela. Ela afastou-me delicadamente com as mãos. “Tu me excitas. Mas infelizmente nossas posições ideológicas não combinam”. Nada feito. Então tá!
Na época, me disse um bom amigo, o Aníbal Damasceno Ferreira: “tu estás contra toda tua geração”. Só anos mais tarde fui entender a frase do Damasceno: eu não era marxista. O curioso é que, enquanto era visto na universidade como agente da ditadura — ou do imperialismo, como também se dizia naqueles dias —, em Dom Pedrito fui preso como perigoso agitador comunista. Em Porto Alegre, para obter passaporte, tive de explicar junto a funcionários do DOPS, que não era comunista. O interrogatório foi ardiloso. Não me fizeram pergunta alguma. Eu é que tinha de confessar-me.
Le fonds de l’air est rouge, diziam na época os filhinhos de papai franceses que bagunçaram Paris em 68. O fundo do ar é vermelho. A mídia toda celebrou a Revolução de Maio de 68. Pas de sang, trop de sperme, como a definiu alguém. Sangue nenhum, esperma demais. Entre nós, paradoxalmente, a Ideia — como se dizia então — foi levada um pouco mais a sério. Se esperma houve, sangue também. Jovens fanatizados e sem maiores leituras, conduzidos por velhas raposas a soldo de Moscou, Pequim, Tirana e Havana, foram levados a uma aventura que resultou em centenas de mortes. O fundo do ar era de fato vermelho. O pior é que, cá no Brasil, continua vermelho. As raposas continuam pontificando na política e na história nacional. Os mortos, estes pelo menos descansam em paz.
Há 33 anos, morria Mao Tse Tung, o mais operoso assassino do século passado. Seu regime foi responsável pelo assassinato de 65 milhões de chineses. Matou mais do que Hitler e Stalin juntos. Levou a China à miséria e mesmo ao canibalismo. Um leitor com memória me envia uma terna lembrança daqueles dias. No dia 09 de setembro de 1976, o Jornal do Brasil saudava em garrafais, na primeira página do Caderno B, a morte do assassino:
"MAO, POETA, GUERREIRO E LÍDER".
Fonte: Janer Cristaldo
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