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Por Vinicius Domingues Cavalcante*
Em meados de fevereiro de 2008 todo o país foi sacudido pela notícia de que informações sigilosas da PETROBRAS teriam sido alvo de espionagem. Notebooks contendo dados das mais recentes reservas brasileiras de petróleo e gás teriam sido furtados inteiros, no interior de containeres/escritórios, transportados sob a responsabilidade de uma outra grande companhia petrolífera americana, a Halliburton, parceira da nossa companhia e com franca atuação na plataforma continental brasileira. A Halliburton que é uma das maiores corporações do mundo nos serviços de pesquisa e exploração de petróleo, coligada às gigantes Energy Services Group (EGS) e Kellogg Brown & Root (KBR), teve como presidente Dick Cheney, o atual vice-presidente dos Estados Unidos. Cheney deixou o cargo na Halliburton, empresa presente em mais de 100 países, para ser o vice de George Bush Júnior. Como em casos semelhantes, em que importantes instituições que se vêem completamente furadas em seus esquemas de segurança demoram a acusar o golpe, permitindo toda sorte de especulações, a PETROBRAS também foi surpreendida.
Altas autoridades do país, entre elas o próprio Presidente da República, manifestaram sua crença de que fôramos alvo de uma ação de espionagem. Certamente não faltaria interesse estrangeiro acerca do assunto. O Brasil tinha reservas estimadas em 14,4 bilhões de barris (24º do ranking de reservas mundiais); isso até as descobertas dessa nova área, ao largo da bacia de Santos, a qual se estima entre 5 e 8 bilhões de barris. Supõe-se que tais reservas permitam ao país galgar várias posições neste ranking, chegando à 8ª ou 9ª posição.
A PETROBRAS é a quinta empresa do mundo entre as que têm grandes reservas e operam em Bolsas de Valores. Com as descobertas recentes estima-se que possa saltar para o terceiro lugar. Para o cidadão comum, sob bombardeio da mídia com a notícia de que o país mais uma vez fora pilhado em suas riquezas e que certamente não conhece a extensão dos acordos milionários firmados entre a PETROBRAS e a Halliburton, é mesmo difícil entender a razão pela qual material da empresa brasileira, supostamente tão sensível, estivesse sendo transportado e posto sob guarda de uma companhia estrangeira.
Até onde iria uma relação de parceria, principalmente quando sabemos que, por mais que se afirme em contrário, não faltam exemplos de ações espionagem comercial/industrial conduzidas por grandes companhias? Com justa razão, muita gente deve ter imaginado que não havia nada de importante nas tais informações confidenciais sobre pesquisas e nos dados das recentes descobertas de petróleo e gás em águas profundas; pois, se houvesse certamente o pessoal da PETROBRAS haveria de ter tomado mais cuidado. De qualquer forma os jornais especulavam e as declarações das autoridades em nada traziam luz ao caso.
Nessas horas as teorias conspiratórias se multiplicam exponencialmente. Ao longo de mais de uma semana, manchetes se repetiram com a história da espionagem até que a Polícia Federal, conduzindo uma investigação discreta e sem pré-julgamentos, acabou por apontar os autores do furto e recuperar todo o material subtraído. Descobriu-se que os vigilantes, lotados no depósito da operadora logística na zona portuária do Rio, estavam comercializando o produto do roubo. Vigilantes, bem, dos males o menor... Porém é temerário colocar a cabeça no travesseiro e pensar que se pode dormir tranqüilo. Furto de informações, a quebra da compartimentação de informações proporcionando o acesso indevido a algum assunto reservado, o uso indevido de senhas de terceiros, a invasão de redes computacionais, a subtração de componentes de hardware e até mesmo o furto ou roubo de notebooks e palmtops são ações adversas que vitimam as empresas brasileiras cotidianamente. O leque de autores de tais delitos compreende desde os tradicionais funcionários descontentes, endividados ou chantageados até os hackers, ladrões comuns e quem sabe até, espiões clássicos.
A espionagem é o esforço de desvendar, através de métodos ocultos e não-convencionais, toda sorte de segredos alheios. Na busca de tais objetivos, os fins mais do que justificam todos os meios ilícitos dos quais os espiões costumam lançar mão. No curso desses dias de especulação cheguei a ouvir que "se eles (no caso, os eventuais espiões) quisessem acessar às informações da PETROBRAS não haveriam de violar lacres e arrombar cadeados"; que as informações teriam sido subtraídas (copiadas) diretamente das máquinas" etc. Eu realmente não conheço de geologia, de engenharia de petróleo ou da planta de tecnologia da informação para saber, no caso específico da PETRÓLEO BRASILEIRO S.A., como seria mais fácil de efetuar a subtração daqueles segredos que estariam contidos nos micros furtados; porém, como profissional de inteligência não creio que possamos ser tão cartesianos.
O intento do espião é apropriar-se da informação, porém apagando completamente seus rastros e sempre que possível, eliminando quaisquer indícios de que a espionagem ocorreu. Até pelo fato de que, escondendo do "alvo" o "modus operandi" do agressor, sempre se poderá tentar repetir uma tática que já deu certo. Como, segundo o reportado pela mídia, a PETROBRAS já teria um significativo histórico de perda de computadores por roubo e furto, talvez se julgasse oportuno fazer parecer que se estivesse diante de mais um daqueles roubos comuns. Nesse ramo de ludibriar e iludir, o outro lado nem sempre se comporta da maneira que imaginamos. Um ditado que cansei de ouvir dos mais antigos reza que "quem pode o mais, pode o menos". Nesse nosso caso específico, se não conseguimos proteger fisicamente os computadores e o acesso às informações nele contidas contra a ação de ladrões amadores; quanto mais assegurar a incolumidade dos segredos de uma de nossas maiores, mais competitivas e rentáveis empresas, frente a uma eventual ação profissional e organizada, perpetrada por agentes de inteligência à soldo de interesses estrangeiros.
Desde muito tempo, governos espionam empresas, grandes empresas espionam grandes empresas e nada pode favorecer mais ao espião do que a crença generalizada de que não haja (tantos) segredos por proteger e que os cautelosos (normalmente os "chatos", da área de segurança) se preocupam sem razão, pois estariam apenas "vendo fantasmas". Em pleno século XXI ainda há quem creia que o Brasil esteja imune a tais ocorrências; e que os dispositivos da Lei bastariam para desencorajar a ação daqueles que podem lucrar com a espionagem.
Tragicamente, o brasileiro é quase sempre um otimista que acha que pode liberar o consumo de drogas; que tácita e discretamente reconhece o poder paralelo do crime organizado; que acredita em todo tipo de ONGs; que pensa poder se despojar das suas armas e que não imagina a necessidade de gastar com as Forças Armadas; que não se previne e só bota tranca depois da porta arrombada.
Pessoas assim são presas fáceis de toda sorte de espiões e sabotadores. Para finalizar (remetendo-me um artigo sobre inteligência no meio corporativo que escrevi e foi publicado em 2001), continuo acreditando que se não existe altruísmo entre as nações (pois suas políticas são movidas por interesses, muitos dos quais nem sempre claros e lícitos); logo, como esperar que as empresas, no competitivo mundo de hoje, concorram entre si, observando estritamente as regras do Marquês de Queensberry (que há cerca de dois séculos norteiam as lutas de boxe)? Atualmente, quando a competição entre as empresas tornou-se global e concorrências comerciais são encaradas como verdadeiras guerras, os contentores não costumam se preocupar muito em colocar seus golpes apenas acima da cintura...
*Vinicius Domingues Cavalcante, é consultor de segurança certificado pela American Society for Industrial Security.
E-mail: vdcsecurity@hotmail.com
Fonte: Recebido por e-mail
COMENTO: Vinte e cinco anos atrás, me ensinaram que em Operações de Inteligência, "nada é o que parece ser"!!
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