quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Pondo Pingos Nos II

O Nascimento de um Sonho
Moacyr Scliar
O fim do ano, com seu clima natalino e a excitada perspectiva de um novo ano, não costuma ser uma ocasião muito propícia para grandes movimentos políticos. Uma exceção ocorreu há poucos dias, com o golpe na Guiné. Outra exceção está agora completando seu cinquentenário. No primeiro dia de 1959 fugia de Cuba um dos muitos caudilhos que na América Latina fizeram história. Estamos falando de Fulgêncio Batista, que governou o país entre 1933 e 1944, e novamente entre 1952 e 1958, nesta segunda vez depois do clássico golpe militar, apoiado pelos Estados Unidos.
Alterava-se assim dramaticamente uma história que tivera seu início 60 anos antes, em 1898, quando eclodiu no Caribe a guerra hispano-americana em conseqüência da qual Cuba se tornou independente. Independente em termos. A proximidade da ilha, pobre e subdesenvolvida, ao território americano (a Flórida é logo ali) quase que inevitavelmente fazia de Cuba um potencial satélite dos Estados Unidos. Atribui-se a Porfírio Díaz, presidente mexicano, uma frase que ficou célebre: “Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos.” Pois os cubanos — os contestadores pelo menos — poderiam dizer a mesma coisa. E diziam, com base nos fatos: assim, em 1903, o governo cubano arrendou aos Estados Unidos a base militar de Guantánamo, recente cenário de torturas de prisioneiros. A presença — militar e econômica — dos americanos era uma constante em Cuba. Ali foram construídos numerosos cassinos frequentados por notórios gangsteres; ali era um paradisíaco lugar de farras, o bordel americano. Nestas circunstâncias, o apoio estadunidense a Fulgêncio Batista era apenas natural, e baseado num raciocínio sintetizado na frase que o presidente Roosevelt disse em 1939 a respeito de outro caudilho caribenho, Anastasio Somoza: “He’s a son of a bitch, but he’s our son of a bitch”. Ou seja: o governante poderia ser um FSP, mas desde que fosse confiável para o governo americano, tudo bem. Uma regra que depois se aplicou a Pinochet e a vários ditadores.
Mas nem todos os cubanos se conformavam com esta situação. Com o golpe de 1952 começaram os protestos contra o governo de Batista, liderados pelo movimento estudantil. Entre os ativistas estava um jovem advogado, Fidel Castro, conhecido por defender aqueles que eram perseguidos pelo governo e membro do Partido do Povo Cubano (não do Partido Comunista, que aliás tinha apoiado Batista na primeira gestão). Da retórica, Castro passou à ação e tentou um quixotesco ataque ao quartel militar de Moncada; preso, foi anistiado em 1955 e exilou-se no México. Junto com o irmão Raúl e com Ernesto Che Guevara, organizou o movimento 26 de Julho, cujo objetivo era derrubar a ditadura de Batista. Os revolucionários embarcaram num barco, o Granma (que até hoje pode ser visto no Museu da Revolução em Havana), mas no desembarque as tropas de Fulgêncio Batista, avisados, dizimaram os guerrilheiros. Fidel, Raúl e Che refugiaram-se em Sierra Maestra. Lá, organizaram os camponeses para a luta armada, com apoio também da classe média urbana. Nasceu daí a Frente Cívico-Revolucionária Democrática, que acabaria depondo Batista.
Em outubro de 1958, teve início a vitoriosa Marcha sobre Havana. No dia primeiro de janeiro, Batista deu no pé. Começava assim um dos capítulos mais controversos da história recente. O sonho continuou sonho? O sonho transformou-se em realidade? O sonho virou pesadelo? São perguntas que não querem calar. E ainda bem que não querem calar. Neste caso, como em outros, é da discussão que nascerá a luz. Não a luz dos fogos de artifício que saudaram 1959. Outras luzes.
Moacyr Scliar
PORCO AGRADECIDO NÃO VIRA O COCHO
Janer Cristaldo
Um leitor me envia uma crítica feroz de Moacyr Scliar à ditadura cubana, publicada na Zero Hora, de Porto Alegre, no sábado passado.
O máximo que ele se permitiu, na conclusão do artigo, diz o leitor, foi: "... Em outubro de 1958, teve início a vitoriosa Marcha sobre Havana. No dia primeiro de janeiro, Batista deu no pé. Começava assim um dos capítulos mais controversos da história recente. O sonho continuou sonho? O sonho transformou-se em realidade? O sonho virou pesadelo? São perguntas que não querem calar. E ainda bem que não querem calar. Neste caso, como em outros, é da discussão que nascerá a luz. Não a luz dos fogos de artifício que saudaram 1959."
Eu, francamente, não entendi o que ele ainda quer discutir...
Ivo
Ora, meu caro Ivo, a História é um lago que seca. Ao descerem, suas águas trazem à tona monstros insuspeitos. Todos os escritores gaúchos do século passado foram cúmplices da peste marxista, sem exceção. Dyonélio Machado, por exemplo, após a evidência dos gulags, passou a escrever sobre a antiga Grécia. Foi o mesmo movimento espiritual de Sérgio Faraco, que refugiou-se — literariamente — em Urartu, na Armênia, para não ter de falar do que sofreu em Moscou. Josué Guimarães foi caixeiro-viajante a serviço de Pequim e Moscou. Até as pedras da Rua da Praia sabiam que estes senhores eram comunistas, mas ai de quem o dissesse em público. Seria execrado como delator e expulso do rol dos vivos.
Érico Veríssimo também. Certa vez, pergunta a Faraco se não pensava escrever sobre sua estada na União Soviética. "Respondi que, de fato, tinha essa intenção, embora minha experiência não fosse edificante. Ele ficou pensativo, depois disse que, se era assim, talvez fosse ainda menos edificante narrá-la, enquanto vivíamos, no Brasil, sob uma ditadura militar. Ele tinha razão"diz Faraco. Ora, os militares lutavam para que o Brasil não virasse o imenso gulag que o futuro escritor então testemunhara. Em função de um regime que jamais o pôs na prisão, mesmo sendo comunista, Faraco silencia sobre o regime comunista que o internou em um hospital psiquiátrico, mesmo sendo comunista.
Covardes e omissos foram também todos os demais que, sem pertencerem ao Partido, silenciaram sobre os crimes do comunismo. Mário Quintana, por exemplo, refugiava-se em uma frase cômoda: "eu não entendo de problemas sociais". Moacyr Scliar foi premiado pela ditadura de Fidel Castro. É leitão agradecido, que não vira o cocho onde come. Ou seja, desde há muito se preparava para entrar na Academia Brasileira de Letras, aprazível reduto de viúvas do stalinismo. Já que estamos comentando o assunto: filho de Veríssimo, Verissiminho é. Luis Fernando, o rebento, apóia toda e qualquer ditadura, desde que de esquerda.
Apenas dois gaúchos, em todos os cem anos do século passado, ousaram escrever contra a barbárie. Um foi o jornalista Orlando Loureiro, que publicou A Sombra do Kremlin. Procure nos sebos: editora Globo, 1954, dez anos antes da viagem do alegretense deslumbrado. O outro é este que vos escreve, que tem denunciado o marxismo desde os dias em que Faraco passeava pelas ruas da nova Jerusalém.

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