por Francisco César Pinheiro Rodrigues
Quando o jornalista, no Iraque, arremessou sapatos contra Bush, algo que me revoltou pela grosseria — há limites intransponíveis na forma de protestar contra políticos em visita a um país — não pude deixar de pensar que algo de bem concreto e grave provavelmente sucederia como conseqüência de tal injúria. Passaram-se os dias e estranhei a ausência de um revide qualquer da orgulhosa nação americana, justamente ofendida com o humilhante gesto simbólico que, embora direcionado especificamente contra o seu presidente, ofendia indiretamente os brios de um país poderoso, não acostumado a ser publicamente espezinhado, como foi o caso dos arremessos, seguidos das palavras especialmente ofensivas — cachorro! — no mundo árabe.
Em fim de mandato, Bush teria muita dificuldade política para impor — ele mesmo, oficialmente — um “castigo” à altura da ofensa pessoal — imerecida, repito. Aí, aconteceram os ataques israelenses contra o Hamas, em Gaza, com centenas de mortos. Não haveria aqui, pensei — exagerando na desconfiança — um dedo de Bush, dando apoio, ou incentivando mesmo, o ataque contra edifícios e tudo o mais relacionado com o Hamas? O tenaz jornalismo investigativo americano talvez nos revele, daqui a meses, ou anos, alguma ligação não apenas vagamente suspeitosa entre as “sapatadas” e os ataques israelenses em Gaza. Embora a ofensa tenha ocorrida no Iraque e não na área agora sob ataque, há uma evidente identificação — aos olhos de Bush — entre o jornalista agressor e as tendências políticas do Hamas, inimigo figadal do governo americano.
Espero — sinceramente, por incrível que pareça — que os jornalistas mais “abelhudos” não consigam encontrar essa ligação entre uma coisa e outra, que só agravaria a má biografia de um político americano que, no fundo — bem no fundo — só queria o “bem” de seu país, embora da forma nada inteligente.
Como já disse em artigos anteriores, Bush é — ou melhor, foi, porque não tem mais qualquer futuro — um político vítima de seu fraco discernimento e caráter. Uma conseqüência do nepotismo na área política. Não fosse ele filho de um ex-presidente, não teria chegado onde chegou. Se mentiu deslavadamente antes de invadir o Iraque assim o fez “de boa-fé”, como “bom e corajoso patriota” — assim ele se justificava — pensando em diminuir a inquietante necessidade de petróleo de seu país. Engraçado é que todos são contra o nepotismo, mas não em matéria política, justamente onde ele pode ser mais lesivo porque as decisões do “nepote” afetam milhões. Partidos correm ansiosos atrás de grandes sobrenomes, filhos de grandes políticos — pouco importando suas características individuais —, porque sabem o quanto de temor reverencial pelo “sangue azul”, continua presente nos “ossos” do eleitorado. E, no caso de Bush, a vontade de mostrar valor a seu pai, agravou suas falhas de discernimento, em razão da força militar e econômica de seu país. Em resumo, Bush ocupou um cargo acima de seu potencial natural. Que sirva isso de atenuante no julgamento da História.
E por falar em falhas de discernimento, sempre me intrigou — a idade me faz cada vez mais desconfiado — a imensa estupidez — o termo é grosseiro mas pertinente — do Hamas em continuar soltando seus foguetes contra Israel. Praticamente sem conseqüências. Salvo engano, houve apenas uma vítima judia fatal nos ataques recentes, antes do revide aéreo. Uma autoridade egípcia também estranhou essa absurda estratégia de lançar foguetes que só servem, quase, para assustar. Dizia ela, repetindo um provérbio egípcio, que “se você não tem como matar um cão, não convém ficar lhe puxando o rabo”.
Se não houve significativos benefícios bélicos para o Hamas — a morte de muitos judeus — tais foguetes beneficiam enormemente o governo israelense, dando-lhe justificativa — verdadeira ou aparente, ou a mistura de ambos — para ataques massivos contra os palestinos. Fala-se, até agora, em cerca de trezentos mortos e setecentos feridos com os ataques israelenses, desferidos com aviões e helicópteros munidos de mísseis. Repetindo: para uma morte israelense, trezentas mortes palestinas, além de setecentos feridos. Só mesmo muita falta de lucidez pode justificar essa estratégia do Hamas.
Relembre-se que em situação de conflito bélico as conversações que realmente interessam — a paz na Palestina, com a criação de um Estado Palestino — ficam interrompidas. E quanto mais demorar essa paralisação, melhor para aqueles políticos “falcões”, “linha dura”, de Israel, adeptos do expansionismo necessário à construção de uma grande nação judia. Com os foguetes do Hamas incomodando — mais os ouvidos que outra coisa — os políticos israelenses mais esclarecidos, os “pombas”, perdem apoio.
Voltando às desconfianças — as grandes descobertas da Ciência surgiram da “desconfiança” de espíritos mais especulativos sobre o que poderia haver “por detrás” dos fenômenos — não sei se é absurda a hipótese do Mossad estar fomentando, sutilmente, a tola política do Hamas, ao insistir no arremesso de foguetes que pouco dano causam ao inimigo mas retardam o acordo de paz. Se eu pertencesse ao serviço de inteligência israelense, se tivesse vivo rancor contra palestinos e se considerasse o bem de meu país acima de qualquer consideração ética — coisa que não faço, mesmo porque um dia a farsa é denunciada — passar-me-ia pela cabeça a idéia de, sutilmente, infiltrar no Hamas alguns agentes do Mossad, para manter sempre aberta a chaga do ódio — expressa em foguetes. O ódio represado facilitaria o convencimento do Hamas de que a atitude mais “viril” seria, não a de dialogar, “abaixar a cabeça”, “obedecer ao cão infiel”, mas “castigar” ou pelo menos “inquietar” os israelenses “que nos expulsaram de nossas terras”.
Não sei até que ponto chega o jornalismo investigativo em Israel. Talvez seja mínimo o alcance da investigação — ou a difusão do que foi apurado — porque esse país sente-se constantemente inquieto, rodeado de nações hostis. Qualquer revelação de política escusa, baixa — como a mencionada acima —, não seria apenas matéria de manchetes, mas ameaçaria a própria sobrevivência de um país que ainda corre algum risco — remoto que seja — de “desaparecer do mapa”, se privado do apoio externo que até agora tem recebido. É diferente, por exemplo, de um segredo feio ocorrido no governo dos EUA. Ali um presidente pode até ver-se obrigado a renunciar ao cargo. Sua renúncia, porém, não afetará a existência do país. Com Israel, um escândalo político de enormes proporções terá imensas conseqüências. Um jornalista que apurasse uma manobra suja, como a referida infiltração para propósitos torpes, agiria, realmente, como um traidor da jovem nação. Se o Mossad, eventualmente, de algum modo incentivou, sutilmente, os ataques dos foguetes palestinos, tais manobras só poderiam vir à luz daqui a muitas décadas. E pela mão dos historiadores, não dos jornalistas.
Fiquemos por aqui. Faço votos para que minha especulações não tenham fundamento. Devo estar assistindo muito filme de espionagem. Espero que Bush não tenha movido um dedo no sentido de sugerir o ataque israelense como “troco” das sapatadas aéreas em que demonstrou inesperada agilidade. Muitos talvez comentem o incidente, brincando, dizendo que agredido e o agressor devem ter treinado muito, juntos, ensaiando o arremesso e a rápida esquiva. Espero também que os arremessadores de foguetes, em Gaza, sejam apenas “burros” por conta própria, sem influência da astuta inteligência israelense, um modelo de eficiência, capaz de pensar o impensável.
Em todo o caso, ficarei atento à mídia. Estranho que, até o presente momento, não tenham sido aventadas, na mídia, as negras hipóteses que levantei, na minha infinita descrença.
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