por Hugo Studart
Noam Chomsky, o mais instigante pensador da atualidade, tenta explicar a economia globalizada de uma forma singular. Segundo ele, não vivemos o capitalismo, nem nos Estados Unidos, nem na Europa. O sistema que haveria seria o do “estatismo oligopolizante”. A expressão é dele. Assim, a economia é toda organizada por oligopólios, com cinco ou seis mega-corporações dominando cada um dos principais setores da economia – financeiro, siderúrgica, petróleo, química, mídia, armamentos, tecnologia, e assim por diante.
Ao sistema, segundo o pensador, não interessa a existência de monopólios, como o monopólio global no setor de tecnologia que a Microsoft tentou firmar, mas sim de oligopólios. E essas mega-corporações oligopolistas, por sua vez, precisam da ajuda dos Estados e dos políticos para firmarem-se como corporações nacionais ou globais. Financiam os políticos que, no poder, lhes dão concessões de todo o tipo. Como financiamento de bancos públicos, investimentos estatais diretos, prioridade para o fornecimento ao governo e toda e qualquer espécie de concessão imaginável e inimaginável. Chomsky referia-se aos EUA, Europa e Japão.
Mas poderia estar falando do Brasil que Dilma Roussef recebeu de mão-beijada de Luis Inácio Lula da Silva – e este, por sua vez, recebeu de Fernando Henrique Cardoso. Se listarmos os cinco principais setores econômicos – Bancos, Construção, Siderurgico-Metalúrgico, Petroquímico e Farmacêutico – vamos descobrir que, no Brasil, menos de 30 empresas controlam dois terços dos empréstimos subsidiados do BNDES e 90% dos investimentos dos fundos de pensão das Estatais. Outra curiosidade: essas 30 empresas desses cinco setores financiaram a maior parte da campanha de Dilma e do PT. Mas essa é outra história a ser contada em detalhes em outra ocasião.
Pensem num setor, prezados leitores. Bancos, por exemplo: há duas grandes corporações estatais, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, dois mega-bancos privados nacionais, Bradesco e Itaú, e dois estrangeiros, Santander e HSBC. E o resto não conta, são todos sub-instituições financeiras que devem vassalagem explícita a um dos seis bancos supra-citados.
No setor de construção, o mais complexo de todos – e portanto o mais organizado – temos três mega-grupos que comandam todos os grandes empreendimentos nacionais: Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Cabe a elas, e somente elas, liderar os consórcios de empreendimentos bilionários como os complexos hidroelétricos do rio Madeira e de Belo Monte, a transposição do São Francisco e, agora, as obras das Olimpíadas e Copa do Mundo, incluindo a ampliação de aeroportos e a construção do tal do trem-bala.
Nos empreendimentos na casa das centenas de milhões, mas sempre em combinação com as três irmãs, podem entrar no jogo as empreiteiras tradicionais, como CR Almeida, Queiroz Galvão e Serveng-Civilsan; ou as emergentes do governo Lula, como a Carioca, a Delta e a ARG. Daí para frente, terceira divisão, nas obras na faixa das dezenas de milhões, o cartel deixa trabalhar as empreiteiras regionais ou de médio porte. Há espaço para todos. Mas funciona um cartel oligopolista. E muito bem organizado. São organizados de acordo com as obras públicas encomendadas por diferentes ministérios – Transportes, Esportes, Defesa, Integração, Minas e Energia e assim por diante.
Esses oligopólios estão sendo estruturados basicamente através de três caminhos. No primeiro, é a montagem de esquemas, puro e simples, para o fornecimento de bens ou serviços aos governos. Com licitações dirigidas ou superfaturadas. Esse é o modelo primário, o tradicional, que funciona sob o controle direto de grupos políticos que tomam de assalto feudos em órgãos públicos – como o Partido da República de Alfredo Nascimento, dono do Ministério dos Transportes desde o início do governo Lula. É assim em todo o mundo.
No caso brasileiro, há ainda dois outros esquemas mais sofisticados. Um é a concessão de empréstimos do BNDES, do Banco do Brasil ou de outras instituições financeiras públicas. Foi JK quem inventou essa fórmula, acelerada nos tempos FHC e aprofundada na Era Lula. Outro tipo de concessão é a participação direta dos fundos de pensões das Estatais no capital das empresas. FHC inventou e Lula levou a fórmula ao limite da irresponsabilidade.
Algum leitor arrisca dizer qual seria o montante hoje dos investimentos diretos do Estado em empresas privadas? R$ 200 bilhões? R$ 500 bilhões. Não, bem mais. A resposta encontra-se algumas linhas abaixo. Mas o fato é que os oligopólios estão sendo formados ou com dinheiro público, ou sob a bênção dos governos.
Se estendermos essa equação proposta por Noam Chomsky para os 20 maiores setores da economia, descobre-se que a premissa se comprova em quase todos eles – com cada um dos setores formado por oligopólios (de cinco a 10 empresas, em média) que recebem apoio irrestrito do Estado para concentrarem ainda mais o poder econômico e político.
Na edição de 13 de Junho último, a revista Época apresentou um estudo sobre a participação do Estado nos 21 maiores setores da economia, em reportagem de capa com o título “Estado Ltda: Um levantamento inédito destrincha 675 empresas com participação do governo federal – e comprova a necessidade urgente das privatizações”.
Pelo estudo, descobre-se, por exemplo, que essas 675 empresas que possuem participação acionária direta do governo representam o valor de mercado de R$ 1,1 trilhão, ou 30% do PIB brasileiro. E que as 50 maiores privadas somam R$ 400 bilhões. A maior influência estatal é em setores considerados estratégicos, como energia e petro-química – ambos sob influência cada vez maior dos grupos Odebrechet, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez.
Descobre-se ainda a formação de cartéis e oligopólios em cada um dos setores, sempre financiados pelo Estado. Em alguns setores, como siderurgia, o oligopólio é formado por três corporações – CSN, Gerdau e Votorantim. No caso do setor aeronáutico, o oligopólio é também de três empresas, lideradas pela Embraer, cujos maiores acionistas são os fundos de pensão Previ, do Banco do Brasil, e Sistel, da Telebrás – mas quem manda de fato é o oligopólio europeu EADS, fabricante do Air Bus e dos caças Rafale, que Lula queria comprar sem licitação, sabe-se lá por quais razões patrióticas.
Em outros setores, como a mineração de Eike Batista, ou papel e celulose da família Feffer, é formado por exatamente cinco corporações. No setor de alimentos e bebidas, o oligopólio estatal tem 10 empresas, enquanto no de comércio tem nove corporações com participação direta do governo.
Nem o Grupo Pão de Açúcar de Abílio Diniz, nem o Carrefour, aparecem nesse levantamento de Época. Nem poderia. O estudo foi realizado antes de Abílio pedir R$ 3 bilhões do BNDES para tentar transformar o atual oligopólio do varejo em um quase monopólio.
No caso brasileiro, o mais preocupante nesse sistema econômico que Chomsky definiu por “estatismo oligopolizante”, é que desde FHC acelera-se o processo de concentração econômica cruzada, com as mesmas mega-corporações recebendo apoio estatal para criarem outros oligopólios em vários setores.
Assim, a Votorantim de Ermínio, inicialmente oligopolista somente em cimento, esmera-se em criar oligopólios também em siderurgia, metalurgia e, agora, em papel e celulose. A Odebrecht expande-se rápido em petroquímica, química fina e, agora, em papel e celulose. Os dois bancos privados, Bradesco e Itaú, entram quase todos os oligopólios. Especialmente no controle da mídia – que forma outro oligopólio.
O sistema político, por sua vez, entra no esquemão como parceiro coadjuvante. Essas empresas financiam os políticos que, uma vez eleitos, tentam manipular as empresas. Como? Ora, tudo começa no controle dos fundos de pensões da Estatais.
Previ, por exemplo, é acionista em cerca 500 grandes empresas. Quem controla a Previ tem o poder de barganhar contribuições de campanha de todas essas grandes empresas – e ainda determinar quais os amigos que podem receber e quais os inimigos que devem ficar à mingua. Foi FHC quem inventou esse esquema; mas foi Lula, através do ex-presidente do PT e ex-ministro Luis Gushiken, quem o aperfeiçoou.
Cada ministério ou órgão público, por sua vez, serve como um feudo para a arrecadação de dinheiro em esquemas de fornecimento de material ou serviços superfaturados. Assim, os Correios eram divididos entre PTB e PT até estourar o mensalão. Hoje são divididos entre PT, PTB e PMDB. O Porto de Santos, é de um barão paulista chamado Michel Temer, ora vice-presidente da República.
O Partido Comunista do Brasil, por seu turno, até o final do governo FHC tinha o esquema da emissão de carteirinha estudantil da UNE. Gerava uns R$ 15 milhões por ano para a máquina do partido. Os tucanos permitiam em nome dos bons tempos. No governo Lula, ganharam o Ministério dos Esportes. Primeiro montaram um esquema de repasse de dinheiro a fundo perdido para ONG’s fantasmas. Depois, de obras superfaturadas de quadras poliesportivas. Na sequência, Lula lhes concedeu esquemas de arrecadação no setor petrolífero, coisa de gente grande. Foi Dilma, ainda no governo Lula, quem acertou com os aliados comunistas que participariam dos mega-esquemões de obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Mas não de tudo, só de uma beirada.
Dilma herdou o esquema do PR (ex-PL do mensalão) no Ministério dos Transportes. Nos governos Sarney, Itamar e FHC, era o PMDB quem decidia quais as empreiteiras que fariam quais obras, em quais rodovias e sob quais valores. Lula entregou esse esquema ao PL como dote pelo casamento com José Alencar. Desde então, há nove anos, os Transportes e seu braço operacional, o Dnit, têm protagonizado sucessivos escândalos de superfaturamento. Sempre com impunidade. Sempre com a manutenção dos mesmos grupos políticos, mudando apenas um nome ou outro.
O mais recente é esse ai com o ex-cabo da Aeronáutica Alfredo Nascimento. Qual sua competência para ser ministro? Ora, cara-de-pau para organizar os oligopólios e sub-oligopólios das empreiteiras. Cabo Nascimento já havia protagonizado três escândalos anteriores no governo Lula, sempre abafados por “falta de provas”. Num deles, o segundo, Lula convocou o então governador do Mato Grosso Blairo Maggi, Rei da Soja, e o convidou a controlar o esquema. Blairo então mudou-se para o PR e indicou seu chefe do Gabinete Civil, Luiz Antônio Pagot, para controlar o Dnit.
Curioso: Pagot chegou a Brasília com a credencial de construir no Mato Grosso estradas até cinco vezes mais baratas do que as do esquema Nascimento. Sai demitido por fazer estradas duas vezes mais caras do que as que Nascimento fazia – e dez vezes mais caras do que o próprio Pagot sabia fazer. Para o lugar de Nascimento, o mensaleiro Valdemar da Costa Neto quer colocar o agora senador Blairo Maggi. E a imprensa noticia que Dilma prefere o atual Paulo Sérgio Passos, que foi secretário-executivo de Nascimento por todos esses anos em que o ex-cabo mandou nos esquemas de empreiteiras do ministério.
Enfim, prezados leitores, a informação essencial é que Dilma quer manter os esquemas de arrecadação do PR, em caixa dois, junto às empreiteiras que constroem estradas. Direto com Blairo, ou com um preposto de Nascimento, deve continuar tudo como d’antes.
Dilma herdou esse sistema político e econômico de Lula, que o herdou de Fernando Henrique, que o herdou de Itamar, Collor e Sarney, que o herdou, em muito menor escala, dos governos militares. É por essa razão que Dilma terá que continuar aprofundando a economia oligopolista, o tal “estatismo oligopolizante”, concedendo bilhões do BNDES para Abilio Diniz, Eike Batista ou Emílio Odebrecht, e distribuindo ministérios e órgãos públicos, como se fossem feudos medievais, a diferentes grupos mafiosos que formam o tal “arco da governabilidade”, como o PR de Blairo, do mensaleiro Valdemar e do cabo Nascimento.
Ou Dilma não quer mudar os esquemas por razões inconfessáveis – porque tem pretensões de trair Lula e buscar o segundo mandato, por exemplo. Ou, se Chomsky estiver certo, porque Dilma não pode mudar o sistema. É global, é muito maior do que ela.
Fonte: Brasil 247
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