por Lenilton Morato
No seu editorial do dia 25 de abril, o jornal Zero Hora apresenta certa indignação com o resultado de uma pesquisa da fundação Getúlio Vargas que, dentre outros itens, mostra que 82% da população brasileira reconhecem que há facilidade para se descumprir as leis no Brasil. Estranho haver indignação no óbvio: é, de fato, fácil descumprir leis no país. Afinal, somos a pátria do jeitinho, da corrupção, onde tudo acaba em samba, cerveja, futebol ou um concurso de miss bumbum.
Dentre os motivos para termos chegado a esta situação, o editorial lembra que nossas leis permitem mais direitos do que deveres (ah, sério que só foram descobrir isso agora?), tornando dificultada a percepção de responsabilidade individual. Como antídoto para combatermos esta distorção, ZH sugere o seguinte: Uma revolução cultural. Mas, ora, estamos em plena revolução cultural! Uma revolução, aliás, que a própria empresa jornalística e especialmente as grandes redes de mídia (encabeçadas pelas organizações Globo) fazem questão de promover.
A percepção de impunidade reside na falta de noção de responsabilidade individual (como dito no editorial). Sem ela, não há como desenvolver no cidadão o conceito de que suas ações geram efeitos que podem ser bons ou ruins, louváveis ou puníveis. O problema é que as instituições responsáveis por ensinar-nos a termos esta responsabilidade, que o editorial julga ser de grande importância (e é) para mudarmos a atual situação, têm sido progressivamente diminuídas, atacadas e destruídas por nosso meio político, cultural, acadêmico e artístico, com flagrante apoio da imprensa: a religião e a família.
Este diagnóstico não é difícil de ser percebido. Questões como sexualidade, uso de drogas e conduta moral foram, ao longo de milênios de civilização, tratadas e ensinadas no seio familiar e nos templos religiosos. Não obstante, toda a legislação de qualquer povo deriva de preceitos morais que devem sua origem à prática religiosa. Valores como propriedade, vida, respeito e responsabilidade individual são pontos centrais das grandes religiões, especialmente da tradição judaico-cristã.
Com efeito, o papel da família é fundamental para o desenvolvimento do caráter do indivíduo. O núcleo familiar é a primeira comunidade estruturada onde a pessoa começa a ter as noções de limites e de respeito às individualidades de outrem. São os pais os orientadores e educadores de seus filhos, cabendo-lhes a atribuição primária de orientar e ensinar aquilo que seus próprios pais e avós os ensinaram. Assim, muitas das características da personalidade nos são legadas daquilo que aprendemos dentro de nossas famílias.
Ocorre que, diuturnamente, estas duas instituições são vítimas de uma campanha aberta para que sejam desmoralizadas. As notícias acerca da religião, notadamente as cristãs, são divulgadas de maneira que transpareça à sociedade que nelas só existem pedófilos e aproveitadores da boa-fé, estereótipos consolidados em grandes espaços nos noticiários ou pelas famigeradas novelas. Nada falam a respeito da imensa contribuição moral e social que a igreja, silenciosamente, presta aqui e no mundo, e tampouco tocam no extermínio cristão que se observa na China e em países islâmicos, por exemplo.
Com relação à família, a escola tem progressivamente avocado para si o papel que cabe aos pais, e não a ela. Assuntos como sexualidade, drogas e moral são tratadas por professores e educadores que são obrigados a seguir a determinação estatal contida nas diretrizes do MEC e de estatutos dos mais diversos matizes. Não é de se estranhar que crianças ameacem seus pais com denúncias junto aos Conselhos Tutelares quando são disciplinadas. Aprendem que, se forem desobedientes aos seus pais, o Estado estará lá, com seus mecanismos de amparo; de uma só vez, retira-se a autoridade paterna e amplia-se a irresponsabilidade do jovem que, sob o guarda-chuva estatal, aprende desde cedo que suas ações não irão gerar-lhes a correspondente responsabilização.
Sem a orientação moral religiosa e desprovido das noções de deveres que são aprendidas no seio familiar, o jovem cidadão transformar-se-á em um adulto cujas referências do que é certo e é errado é totalmente deturpada. Torna-se, assim, facilmente corruptível e corruptor, visto que a legislação lhe garante inúmeros direitos sem a contrapartida esperada de deveres. Ainda, foi acostumado e ensinado que, caso cometa alguma atitude que lhe exija responsabilidade, o Estado irá protegê-lo. O resultado da soma de todos esses fatores deságua naquilo que a pesquisa citada por ZH confirma: mais de 80% da população brasileira acredita ser fácil a tarefa de burlar a legislação brasileira.
O editorial de Zero Hora disse que precisamos de uma revolução cultural, mas parece ignorar que ela está ocorrendo. Ou os editores dos jornais não percebem a flagrante inversão de valores que vivemos? Claro que esta revolução atinge muitas outras áreas da sociedade, e não apenas a família e a religião. Mas isso é assunto para o próximo post.
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