por Percival Puggina
No ano de 2004, os jornalistas Alberto Carrera Tyszka e Cristina Marcano publicaram, com o título “Hugo Chávez sin uniforme”, uma detalhada biografia do presidente venezuelano. O último capítulo da obra foi reservado para abordar seu desejo, nutrido no caráter revolucionário e missionário que se atribui, de esticar ao máximo o tempo de sua permanência no poder. Chávez, desde criança, sonhou com morar no Palácio Miraflores. Passada a adolescência, nunca teve outra aspiração. Na madrugada do dia 16 de agosto de 2004, quando venceu o referendum revocatório, apareceu no balcão do palácio rodeado de familiares vestindo camisetas com o dístico “Até 2021”. E ele mesmo, em inúmeras ocasiões, proclamou que não sairia antes disso — “es mejor que vayan acostumbrandose”, arrematava. Nedo Paniz, que integra a vasta lista dos ex-amigos de Chávez a quem ele rotula traidores, conta ter ouvido dele, ainda no início dos anos 90: “Se yo llego a Miraflores, nadie nos vá a quitar el poder”. O relato está sendo confirmado pelos fatos.
No entanto, a biografia e o conhecimento das manifestações do presidente venezuelano a respeito de suas pretensões apenas corroboram algo perfeitamente possível de intuir quando se sabe como opera a mentalidade revolucionária. Ninguém faz revolução para durar 24 horas, 24 dias ou 24 meses. Revolucionários se creem merecedores de todos os meios necessários para cumprir sua tarefa. Se pegam em armas, vão pavimentando o caminho sobre as vítimas de sua ambição. Quando conquistam o poder pelo voto sabem que seus fins são incompatíveis com a manutenção de princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. E os derrubam. O tempo não é fim; o tempo é meio. Chávez está fazendo aquilo que diz. Está fazendo revolução.
A parcela da esquerda ibero-americana, que tantas vezes tentou chegar ao poder pela via das armas, aprendeu que era muito mais fácil obtê-lo através das regras desse desprezível fetiche burguês chamado democracia. Assim, enquanto os companheiros do Foro de São de Paulo governam uma dúzia de países do continente, apenas na Colômbia (e mais recentemente no Paraguai) persiste acesa a chama da guerrilha comunista.
Quem se debruçar sobre os quatro anos do governo de Olívio Dutra no Rio Grande do Sul perceberá que os gaúchos estiveram naquele período sob um governo acometido de idêntica síndrome. Venceu uma eleição, mas assumiu convencido de que o êxito eleitoral era o equivalente político de um sucesso revolucionário. Os gaúchos perceberam e disseram não.
“Qual é o problema de permanecer longo tempo no poder através da vitória em sucessivas eleições?”, perguntam os defensores de Hugo Chávez. Em países que adotem o sistema parlamentar de governo, no qual fica instituída uma separação perfeita entre os poderes e funções do Estado, não há problema. Com efeito, quando as instituições estão organizadas desse modo, é possível que o primeiro-ministro comande o gabinete em nome de uma maioria parlamentar que se mantenha por longo período. Em tais casos, no entanto, há um poder moderador, um judiciário independente e uma administração autônoma. Não é isso é o que ocorre na Venezuela, onde o presidente é simultaneamente chefe do Estado, do governo, da administração, domina inteiramente o parlamento, exerce supremacia sobre o sistema judiciário do país, controla a imprensa e implantou o culto da própria personalidade.
A situação brasileira é quase a mesma, embora o Poder Judiciário desfrute de maior autonomia e a maioria do Congresso Nacional se venda aos poucos (e não por inteiro) aos favores do Erário. Ainda assim, assistindo tantos partidários de Lula defenderem sucessivas reeleições para Chávez, Morales, Correa, Ortega e Zelaya, eu me preocupo com o que possa acontecer no Brasil quando a senhora mãe do PAC e do Apagão correr na pista sem velocidade suficiente para decolar. Vão entregar toda a rapadura assim no mais?
Fonte: Blog do Percival Puggina,
citado em Navegação Programada
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