quarta-feira, 7 de abril de 2010

Os Limites da Tolerância

por Carlos Brickmann
Dar emprego público para o namorado da neta é imoral, mas vá lá: que avô recusaria um pedido da netinha? Compactuar com atos secretos é inacreditável, ainda mais para alguém que tem formação em Direito, mas este país é assim mesmo, aceita bem o desrespeito à lei. Já receber R$ 52 mil reais por mês, quando a lei diz claramente que o limite de pagamento com dinheiro público é de R$ 26.723 mensais (aliás, um excelente salário para o trabalho que é feito), acumulando aposentadorias, aí é demais: não há tolerância que possa resistir a esse deboche. O presidente do Senado, José Sarney, cansou-se de citar "o ritual do cargo". Mas já não se trata de ritual do cargo: o que ele perdeu foi a compostura.
Sarney nunca foi lá essas coisas como conduta política. Nasceu apoiando o senador Vitorino Freire para depois traí-lo; foi o presidente da Arena, o partido da ditadura militar, e virou PMDB desde criancinha quando a ditadura caiu. Contribuiu, é certo, para consolidar as instituições democráticas; mas fez um Governo desastroso, cheio de planos fracassados. Sua inflação chegou a 80% ao mês.
Mas, com todos os defeitos, com a vaidade exacerbada, tinha de zelar por sua imagem. Como disse o presidente Lula, ele não é um homem comum. Isso traz responsabilidades. Sarney, homem de farto patrimônio, dono de ilhas e mansões, de um império que inclui tevês, rádios e jornais, não tem justificativa para empapuçar-se de aposentadorias. Seus filhos estão criados, são ricos; ele nem tem onde gastar o tanto que recebe. É ganância, é olho grande. É falta de vergonha.

Falta...
Sarney recebe R$ 16.500,00 mensais como senador (mais casa oficial, com empregados e todas as despesas pagas pelo Tesouro, carro oficial com motorista, seguranças 24 horas), e R$ 35 mil de aposentadorias por cargos que ocupou no Maranhão — governador e funcionário do Tribunal de Justiça.
Mas nem deve perceber quando esse dinheiro entra na sua conta. É como se o caro leitor recebesse um crédito mensal de dez centavos no banco. Como poderia dizer um importante político, para ele isso é dinheiro de pinga.

...de vergonha
A Assessoria de Imprensa da Presidência do Senado informa que o acúmulo de dinheiro recebido de esferas distintas de poder ou de governo "é aceitável".

Imagem limpa
Roberto Freire, que foi presidente do Partido Comunista Brasileiro e dirige seu sucessor, o PPS, transferiu o título de eleitor para São Paulo. Freire foi candidato à Presidência da República, em 1989, teve vários mandatos de deputado federal e senador por Pernambuco, e sempre se manteve longe da bandidagem que tanto assola nossas casas legislativas. Agora, deve candidatar-se a deputado federal pelo PPS paulista, como o grande puxador de votos do partido. O PPS faz parte da coalizão que apóia José Serra.

O jogo da morte
Neste momento em que o Congresso debate a legalização dos bingos, vale contar que um radialista de São José dos Campos, SP, vive sob forte escolta policial pela campanha que move contra bingos e máquinas caça-níqueis — que, embora ilegais, funcionam. O DHPP, Departamento de Homicídios, interceptou conversas entre bandidos que se queixavam de que o radialista João Alckmin, que já sofreu dois atentados a bala, continuava na luta contra o jogo ilegal. A ordem captada nas interceptações foi matá-lo. As autoridades determinaram então que Alckmin seja escoltado o tempo todo por policiais pesadamente armados.

Como é o nome deles?
Esta coluna colocará na Internet o nome de todos os parlamentares que votarem a favor da legalização dos jogos ilegais. É uma informação muito útil à véspera das eleições: quem for a favor, ou contra, saberá em quem votar ou não.

E a língua, senhores doutores?
O chanceler Celso Amorim, referindo-se à tragédia do Haiti, disse que, "com a contribuição adequada da comunidade internacional, o povo haitiano será capaz de refundar seu país". Na véspera, falando do PAC 2, o governador baiano Jaques Wagner disse que o presidente Lula "está refundando a nação brasileira".
Suas Excelências provavelmente não sabem o que estão dizendo: nos dicionários Houaiss, Aurélio e Caldas Aulete, a palavra "refundar" significa "tornar mais fundo; afundar, tornar mais profundo, profundar, aprofundar".
Ambos devem ter ido buscar o significado errado da palavra no poeta e ex-ministro Tarso Genro, que falava em "refundação do PT". Tarso e seus aliados, no sentido correto da palavra, fizeram o que puderam para refundar seu partido.

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