por Jorge Serrão
Sem que a opinião pública e a mídia tenham dado a devida importância, o sagrado sigilo fiscal de cidadãos e empresas no Brasil já não existe mais desde 5 de junho de 2012. Foi quando a Secretaria da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Fazenda, e o Conselho Nacional do Ministério Público firmaram, por prazo indeterminado, um convênio para “intercâmbio de informações de interesse recíproco” que, na prática, viabiliza a quebra coletiva do sigilo fiscal de pessoas físicas e jurídicas.
O fato gravíssimo é que o convênio número 0.00.002.000033/2012-81, por quebrar coletivamente o sigilo fiscal, é flagrantemente inconstitucional. Tanto para pessoas físicas quanto jurídicas, tal sigilo só pode ocorrer de forma pontual ou individual, justificada em processo regular, devidamente fundamentada por decisão judicial recorrível. O Secretário da Receita, Carlos Alberto Freitas Barreto, e o presidente do CNMP e Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, deviam saber disto quando firmaram o convênio de cinco páginas, cujo extrato, com apenas nove linhas, foi publicado na página 147, seção 3, do Diário Oficial da União, número 118, em 20 de junho de 2012.
Por princípio, nenhum órgão público pode estar acima da Lei Maior. No entanto, não é isto que acontece no Brasil, nos últimos tempos. Da forma simplista e genérica como está escrita no convênio, o caminho fica escancarado para pedidos de quebra de sigilo coletivas. Por isso, tal acordo entre o Leão e o CNMP tem tudo para ser questionado no Supremo Tribunal Federal.
Sigilos quebrados
Pelo convênio, a Receita Federal poderá fornecer ao CNMP as informações cadastrais da base de dados dos sistemas Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
No caso dos contribuintes individuais, a promotoria fica com acesso ao número de inscrição, nome, situação cadastral, indicativo de residente no exterior, código e nome do país, nome da mãe, data de nascimento, sexo, código de natureza de ocupação, código da ocupação principal, endereço do domicílio fiscal, telefone, número do titulo de eleitor e data de inscrição no CPF ou da última operação de atualização.
No caso de pessoas jurídicas, os promotores podem ter acesso ao número de inscrição, indicador de matriz ou filial, nome empresarial, nome de fantasia, situação cadastral, data da situação cadastral, cidade no exterior, código e nome do país (caso o estabelecimento seja domiciliado no exterior), natureza jurídica, data de abertura, CNAE principal e secundário, endereço, telefone, e-mail, responsável pela PJ (com nome e CPF), capital social da empresa, quadro societário da empresa, dados do contador, porte do estabelecimento, opção simples nacional, sucedidas e sucessórias.
Só a Velhinha de Taubaté acredita que tais informações sigilosas, guardadas nos computadores do Serviço Nacional de Processamento de Dados (SERPRO), serão usados apenas dentro do estrito respeito à Lei. É o mesmo que acreditar, ingenuamente, que o sistema de governança do Crime Organizado, seja uma mera ilusão ou um devaneio de teóricos da conspiração. Mesma ingenuidade é crer que dados sigilosos não vazam de órgãos públicos, do Executivo, Legislativo e Judiciário, no Brasil.
Modelito globalitário
O mais curioso é que tal acordo obedece, direitinho, ao modelo globalitário de quebra dos sigilos e atentado contra a soberania individual.
Deste mesmo sistema fazem parte os movimentos por “Justiça ou Transparência Tributária”.
É o formato da Tax Justice Network — organismo transnacional que, em nome da boa intenção de combater o crime organizado global, acaba de levantar quem são e em que paraísos fiscais os grandes milionários ou bilionários de 139 países aplicam seu rico dinheirão.
Brasileiros ricaços
Os brasileiros mais ricos têm uma fortuna estimada em US$ 520 bilhões (mais de R$ 1 trilhão) depositados em paraísos fiscais.
Nossos ricaços movimentam o quarto maior volume de recursos no mundo.
Ficam atrás apenas de China (US$ 1,18 trilhões), Rússia (US$ 798 bilhões) e Coreia do Sul (779 bilhões).
Além dos brasileiros, adoram paraísos fiscais os ricos do México (US$ 417 bilhões), Venezuela (US$ 406 bilhões) e Argentina (US$ 399 bilhões).
Tax Justice Network
O resultado é do Price of Offshore Revisited, escrito por James Henry, ex-economista-chefe da consultoria McKinsey, e encomendado pela Tax Justice Network.
Tal pesquisa foi realizada com com base em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial (BIRD), do Banco de Compensações Internacionais (BIS) e dos governos nacionais.
No total, os milionários de 139 países pelo mundo tinham entre US$ 21 trilhões e US$ 32 trilhões depositados em “offshores” ao fim de 2010.
Somente 100 mil pessoas, que formam uma elite financeira global, respondem por US$ 9,8 trilhões desse total.
Evasão e crise
O estudo revelou ainda que 50 bancos privados movimentaram US$ 12,1 trilhões, entre as fronteiras dos países, para seus clientes.
Os destaques ficam para gigantes como UBS, Credit Suisse e Goldman Sachs.
O economista James Henry comentou que o tamanho da fortuna em paraísos fiscais chama atenção em um momento em que muitos países precisam arrecadar impostos e cortar gastos para enfrentar seus problemas de endividamento.
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