por Jarbas Passarinho
Celso Láfer me convenceu a aceitar uma comparação, que ele desejava publicar na Revista da USP, entre os 21 anos do ciclo militar com o mesmo tempo, então, dos governos civis. Tomei o provérbio asiático “todo fato tem três versões, a minha, a sua e a verdadeira”, como advertência para que a minha versão resistisse à crítica da verdade. Dividi meu texto em duas vertentes: a econômica e a política. Neste espaço tento sintetizar o cotejo entre as duas décadas, servindo-me de fatos concretos e não de palavras desprovidas de fundamentação.
Ao receber o governo, Castello Branco, autorizado pela Lei Delegada nº 2 (anterior a 31 de março de 64), convidou Roberto Campos para ministro extraordinário, a fim de retomar os trabalhos do Ministério do Planejamento, interrompidos na fase final do governo Jango, depois que o Congresso mutilou o Plano Trienal de Celso Furtado. A rigor, para Roberto, planejamento significava a economia centralizada dos regimes marxistas, mas em face da insistência de Castello, aceitou o convite, certo de que — disse ele ao aceitar — o governo Castello Branco seria um “governo contador: Juscelino deixara contas a pagar, Jânio não tivera tempo de pagá-las e Jango as havia aumentado mais”.
Propôs que, não tendo recursos para obras, se fizesse reformas, começando pela política anti-inflacionária, pois nos três meses finais do governo Jango a inflação atingira 24% e projetava para 145% ao ano. O FMI insistia em política de choque, o que não foi aceito, preferindo-se o gradualismo; era contra a correção monetária, que foi mantida. As reformas se sucederam: Lei de Remessa de Lucros, política salarial, o Imposto de Renda, o sistema financeiro da habitação e criação do Banco Nacional de Habitação, a reforma bancária e a criação do Banco Central, o Estatuto da Terra, a política cambial, a reforma do sistema fiscal e a lei do inquilinato, entre outras.
Modernizado o país, a inflação cedeu e o PIB começou a crescer. Os governos seguintes colheram os êxitos da sementeira de Castello, sobreveio o milagre econômico (assim batizado pela mídia estrangeira e não pelo governo), crescendo o PIB à média de 9,5% ao ano, na gestão do presidente Médici, de emprego pleno. Lula, em 1989, entrevistado pelo historiador Ronaldo Costa Couto, disse que Médici ganharia qualquer eleição. Perguntado por quê, disse: “Porque nós trabalhadores escolhíamos o emprego que quiséssemos”. A economia brasileira atingira a oitava posição no mundo. Na comparação com os 20 anos do poder civil, em que a economia cresceu em média 2,5% ao ano e foi para o 15º lugar no mundo, a vantagem indiscutível é do ciclo militar.
Já no campo político, tivemos 10 anos de AI-5, com limitação de direitos políticos e civis, para vencer as guerrilhas urbanas e a rural, caracterizando um regime autocrático, ainda assim terminado no ciclo militar, com a Emenda Constitucional nº 11, de outubro de 1978, que restabeleceu os direitos políticos e civis, a anistia, a liberdade da imprensa, a ruptura do bipartidarismo, a economia no mesmo 8º lugar, a despeito dos dois choques brutais do preço do petróleo. Reconheci que, no campo da política social, os governos civis, nos 20 anos seguintes, foram mais vantajosos que os do ciclo militar. Mas lembrei que Fernando Henrique Cardoso, perto do término de seu segundo mandato, disse que “o Funrural é o maior programa de renda mínima do mundo”. Omitiu que foi iniciado no governo Costa e Silva, com o Plano Básico da Previdência Rural, concedido “pela primeira vez neste país” ao trabalhador rural.
A USP, creio, não publicou o meu texto nem o usou em debates com a esquerda que pretende ignorar todas as conquistas do ciclo militar. Seu pretenso argumento é uma litania surrada: “Minha opinião não é partilhada por quem viveu o outro lado da moeda e perdeu entes queridos ou sofreu nas mãos dos sádicos interrogadores do governo”. Não dizem que esses “entes queridos” foram financiados e adestrados em treinamento de guerrilha, em países do mesmo credo comunista, como China e Cuba. Na luta armada que desencadearam — a que Prestes foi contrário — não visavam derrubar o autoritarismo, mas, como os que têm caráter já confessaram, instalar a ditadura do proletariado segundo Marx.
Seria a troca do autoritarismo pelo totalitarismo pelos que, derrotados, hoje têm ganho polpudas indenizações nos governos que lhes são simpáticos. Alegam ter sofrido violências, mas mataram por vezes torpemente, até “por engano”. O Major Lício Maciel, que me honro de ter sido seu Capitão na AMAN, ele cadete de artilharia, flagrou guerrilheiros comunistas do Araguaia, trocou tiros e feriu uma guerrilheira, caída depois de atingida na perna. Cumpriu a Convenção de Genebra. Disse-lhe que seria salva e prosseguiu na perseguição aos outros. Ao retornar e aproximar-se dela, foi ferido gravemente pela arma que escondera. O tiro o deixou entre a vida e a morte, levado em rede por muitos quilômetros na mata, à noite, até o primeiro socorro.
Os “generosos entes queridos”, após a retirada da patrulha, foram à casa do pequeno fazendeiro Antonio Pereira, cujo filho João, de 17 anos, servira de guia ao Major. Frente à mãe e ao pai, fatiaram o corpo do menino, até matá-lo, para escarmentar a quem auxiliasse os militares. Muitos que choram seus “entes queridos” nada fizeram para poupá-los da loucura da paixão ideológica. Recusam enfrentar a verdade, porque ela, como o foco forte de luz, cega.
Jarbas Passarinho
Foi ministro de Estado, governador e senador
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