domingo, 23 de outubro de 2011

Sobre Ídolos, Hipocrisia, Falsidade, Patifaria e Congêneres

Em fevereiro, publiquei aqui um texto do Janer Cristaldotratando sobre como "a estória se repete" na forma de tragédia ou palhaçada, parodiando o trabalhador aquele que sempre viveu pendurado nas burras de algum amigo rico enquanto se dedicava a criticar a riqueza alheia.
Volto a publicar o texto, ilustrando-o com imagens colhidas na rede mundial.

por Janer Cristaldo
Pois... isso de chefes de Estado do Ocidente ficarem se roçando junto a dirigentes árabes acaba caindo mal.
Agora que Kadaffi mandou bombardear os manifestantes em cidades líbias e promete publicamente matar quem lhe faça oposição, como ficam na fotografia os líderes ocidentais?
Tony Blair recebeu afavelmente o ditador e o qualificou como parceiro na guerra contra o terror. Logo Kadaffi, que deu apoio aos terroristas que explodiram um avião sobre Lockerbie, matando 270 pessoas.
Silvio Berlusconi encontrou em Kadaffi uma alma gêmea. 
Condoleeza Rice foi homenageada pelo assassino com jantar de gala.
Kadaffi acaba de declarar que não irá deixar a Líbia, que é "a nação de seus ancestrais", e irá morrer no "honrado solo de seu país". Traduzindo: vai matar mais gente, até que não possa matar mais ninguém.
Ditador nenhum gosta de morrer no honrado solo de seu país. Ditador sempre prefere morrer em exílio dourado.
Lula o considerava “amigo e irmão”. Ao longo de seus oito anos de mandato, teve quatro encontros com o ditador. Em um deles posa com Kadaffi, ornado com um de seus berrantes parangolés, de um amarelo de doer os olhos. Justifica:
Quando o primeiro-ministro britânico se reúne com o Kadaffi, todo mundo acha o máximo, mas quando eu me reúno com ele, todos criticam — rebateu Lula à época do segundo encontro.
Ou seja: se o premiê britânico abraça um tirano, eu também posso abraçar. Curiosa lógica. 
Mas o melhor está acontecendo na França. Em 2007, o coronel Muamar Kadaffi visitou um de seus congêneres, o presidente Nikolas Sarkozy.
Em tais encontros, a praxe é que o evento seja registrado com uma fotografia oficial. Nesta foto, um Sarkozy sorridente, em gesto afável, aperta a mão do ditador, que por sua vez ergue o braço esquerdo em sinal de plena adesão.
Segundo leio no Nouvel Obs, a França aderiu à prática soviética de eliminar da história companhias inconvenientes. Stalin era mestre nisto. É célebre a foto de um discurso de Lênin, em 1920, na qual a foto de Trotsky foi apagada. E isso quase um século antes do photoshop.
Pois bem. No atual site da Presidência da República, que faz a cobertura completa do governo Sarkozy, com mais de dez mil fotografias, a foto do ditador líbio apertando a mão de Sarkozy sumiu. Nem precisa mais retoques, nem photoshop. Basta detonar a foto.
Espantoso ver, em 2011, um presidente francês usando recursos stalinistas dos anos 20 do século passado.
COMENTO: não chega a causar tanto espanto, agora que o ex-líder e atual ex-ditador está comprovadamente morto, verificarmos o quanto esse pessoal ama a democracia e a paz mundial.
O terrorista dos anos 80, líder do mundo árabe nos 20 anos seguintes, rebaixado a tirano nos últimos dez meses, teve seu reino bombardeado por forças militares da OTAN, com o apoio histérico das lideranças políticas francesa, italiana e alemã e um suporte moral mais discreto das demais "potências", sob o argumento de defesa da população civil.
Certamente, os mortos em tais bombardeios não faziam parte da população civil. Interessante ninguém se preocupar com a população civil da Somália. 
Como no Iraque, as grandes multinacionais dedicadas ao ramo da construção já se organizam para a "reconstrução" do país, em troca, é claro dos petrodólares líbios. Nada a favor de Muammar Kadafi (ou Ghadhafi na melhor aproximação da pronúncia oficial), mas se a "nova direção" líbia tentar pensar em estabelecer condições para essa "reconstrução", não vai se sustentar por muito tempo. 
Mas ao vermos as fotos mostrando, em um momento, sua recepção com cordialidade pelos dirigentes mundiais e sabendo-se que no momento seguinte essas mesmas pessoas incentivaram sua destruição como autoridade e como ser humano, dá um certo mal estar e descrença geral na honestidade do bicho gente.
É certo que alguém já afirmou com precisão que no jogo diplomático não existe amizade entre países, mas somente interesses nacionais, todavia assistir tanta falsidade e hipocrisia em "líderes" mundiais é muito desconfortável. É claro que não é novidade. Saddan Hussein, Osama Bin Laden, o próprio Bachar Al Assad (aparente "bola da vez") já serviram de exemplo de como o vento muda ao soprar sobre os tais interesses nacionais, mas que é nojento é!
O jornalista Carlos Chagas, ainda hoje, escreveu:
"O espetáculo medieval do assassinato e mutilação do cadáver de Muamar Kadaffi nos leva à suposição de no futuro o falecido passar de ditador a vítima, depois mártir e finalmente a herói em seu país. Será sempre bom lembrar que Napoleão, depois de Waterloo, era mostrado na imprensa européia como o monstro sanguinário isolado em Santa Helena até a morte. Com os Bourbon outra vez no trono, a Santa Aliança e a volta das monarquias absolutas, ficou sufocado o sentimento majoritário francês, a ponto de divulgarem que o “filho da Revolução” tornara-se o “genro da Reação. Passadas poucas décadas, no reinado de Luis Felipe, com o corpo de Napoleão transladado a Paris, atravessando a cidade em cortejo monumental, milhões de cidadãos ficaram nas ruas para pranteá-lo. Cada país tem o Napoleão que merece. Kadaffi foi um déspota cruel, impôs sua vontade por 42 anos, mas criou uma nova Líbia, com maciços investimentos em educação e saúde públicas. Melhor aguardar o pronunciamento da História."
De tudo, nos resta que a vaidade humana é uma grande imbecilidade. E temos tanta gente "se achando o máximo"!
.

Nenhum comentário: