por José Roberto Guzzo
Uma das principais dificuldades do governo Dilma Rousseff, pelo que foi possível perceber nestes primeiros seis meses, é que a presidente da República vive brava. Diante de todo e qualquer problema que aparece, o noticiário diz sempre a mesma coisa: Dilma ficou brava, ou muito brava. Está irritada. Ou está impaciente. Ou não gostou. Ou passou uma descompostura geral à sua volta. Ou deixou de castigo os doutores fulano, beltrano e sicrano, e por aí se vai. E quanto ao problema real que causou esse mau humor todo — ficou bem resolvido? Não vai acontecer de novo? Alguma coisa melhorou? Nada disso; fica tudo igual e, às vezes, pior. A presidente acha que está, com os seus pitos, corrigindo os erros cometidos e mostrando que tem braço firme para governar. Na prática, o que está fazendo é outra coisa. Está confundindo cara feia com autoridade; é o governo através da bronca. Talvez seja bom para a máquina de propaganda do Palácio do Planalto, que pode vender a imagem de uma presidente capaz de botar na linha qualquer peixe graúdo que lhe apareça pela frente, que age rápido e não tolera serviço mal feito. Mas na prática, até agora, a qualidade de seu governo não melhorou nada com isso, pois Dilma não muda, e talvez nem possa mudar aquilo que realmente está criando os problemas. É trovoada que vai embora e não traz um pingo de chuva.
O que está criando os problemas é o avanço cada vez mais rápido da privatização do estado brasileiro — ou, em linguagem mais direta, a utilização da máquina do governo em benefício de interesses privados e a transferência de renda pública para bolsos particulares. É história que está aí há muito tempo, mas que atravessa, na atual administração, fronteiras nunca atingidas antes neste país. Os exemplos são constantes, custam caro e acontecem praticamente à vista de todos. Basta olhar, para começo de conversa, as empreiteiras de obras públicas — jamais mandaram tanto no governo como agora. Decidem preços, falsificam licitações, alteram contratos, ignoram prazos e dão ordens nos ministérios. O empresário Abílio Diniz se comportava até outro dia como presidente do BNDES, que se dispunha a lhe oferecer mais de 4 bilhões de reais para a realização de um negócio de seu interesse pessoal no Grupo Pão de Açúcar; o projeto acabou em naufrágio, mas deixou claro como empresários amigos do governo se sentem à vontade diante do patrimônio público. O notório deputado Valdemar Costa Neto, dono de um dos mais extensos prontuários da política brasileira, despachava até outro dia dentro do Ministério dos Transportes, foco do último escândalo classe “A” da administração federal. Amigos, aliados e parceiros do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não tem cargo oficial nenhum e teoricamente é um cidadão particular, circulam nos ministérios, empresas estatais e outros órgãos públicos como se estivessem em casa. Jatinhos de magnatas que têm negócios pendentes com o governo são hoje o meio de transporte regular de Lula e da companheirada.
Enquanto as coisas forem assim, e elas são cada vez mais assim, não adianta nada a presidente ficar brava. A braveza de Dilma pode assustar os subordinados mais inseguros, mas não causa a menor impressão em profissionais calejados como o deputado Costa Neto — podem até trocar de sala, mas não mudam de atividade. O desfecho da mais recente calamidade fornecida pelo Ministério dos Transportes, onde reportagens de VEJA flagraram práticas grosseiras de corrupção, é um excelente exemplo disso. O ministro Alfredo Nascimento, depois de receber a “confiança” de Dilma, acabou sendo colocado na rua junto com os burocratões mais vistosos do seu entorno. Mas para o seu lugar foi nomeado o número 2 do ministério, que está lá há anos; a menos que não comparecesse ao local de trabalho, viveu esse tempo todo no meio da ventania.
Qual é a mudança, então? O PR, grupo que foi presenteado com o Ministério dos Transportes pelo presidente Lula, não vai largar o osso; a “base aliada” e as gangues partidárias que mandam em Brasília não vão mudar de conduta. Alteração, mesmo, só continua acontecendo com o PT, em consequência de sua caminhada ao lado de gigantes da política brasileira como o PR e bandos semelhantes. O partido-farol das massas populares, em algum momento dessa viagem que já dura mais de oito anos, acabou trocando de lado. Na pose e no palavrório, ainda se apresenta como a vanguarda das forças do bem. Na vida real, fica cada vez mais parecido com o deputado Costa Neto.
Fonte: VEJA - Feira Livre
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