por Augusto Nunes
Ninguém na redação do Diário da Noite sabia quem era aquele homem de terno e gravata que chegou no começo da tarde, caminhou sem pressa até a mesa desocupada, pendurou o paletó na cadeira, sentou-se com a naturalidade de quem está em casa, fez algumas ligações telefônicas, recebeu cinco ou seis visitantes e conversou com cada um cerca de meia hora, sempre em voz baixa. Deve ter padrinho forte, imaginaram os que o viram partir na hora do crepúsculo.
Voltou na tarde seguinte e reprisou o ritual da véspera. E assim foi por cinco dias, quando alguém enfim lhe perguntou quem era e o que fazia na redação. Era advogado e tinha escritório montado ali perto da sede dos Diários Associados, esclareceu o desconhecido. Naquele início dos anos 70, um amigo que trabalhava na empresa vivia dizendo que aquilo se transformara numa terra sem lei. Ninguém sabia quem mandava, cada um fazia o que queria. Ao passar diante do prédio, bateu-lhe a ideia de acampar na redação do Diário da Noite. Como não encontrou nenhum impedimento, improvisou na mesa uma filial da banca de advocacia. Aquilo era mesmo uma terra sem lei.
Neste começo de inverno, o Brasil foi apresentado a uma história mais espantosa e mais desmoralizante que a do advogado do Diário da Noite, que os jornalistas costumam evocar em defesa da tese de que não há limites para o absurdo quando alguma redação escapa ao controle dos incumbidos de conduzi-la. Na versão reciclada, a empresa em estado terminal é o governo federal, o jornal à deriva é o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, vulgo DNIT, e o advogado desconhecido é um vigarista com nome, sobrenome e apelido.
Frederico Augusto de Oliveira Dias, o Fred, ocupa desde 2008 uma sala do DNIT e o cargo de “assessor do diretor-geral”. Há quase três anos, acumulando as funções de representante do deputado Valdemar Costa Neto — chefão do PR e do bando que age no Ministério dos Transportes —, Fred despacha com prefeitos, parlamentares e autoridades de outros ministérios, preside reuniões destinadas a estabelecer prioridades, apressa a liberação de verbas multimilionárias. É o que continuaria fazendo se não fosse localizado por VEJA no meio da turma que enriquece nas catacumbas do Ministério dos Transportes.
Nesta sexta-feira, a presidente Dilma Rousseff ordenou ao novo ministro, Paulo Passos, que demitisse o negociante de verbas. Impossível, informou nesta quinta-feira o Correio Braziliense: como o advogado do Diário da Noite, Fred nunca foi nomeado oficialmente para qualquer cargo, não figura na folha de pagamento, não aparece no quadro de funcionários. Chegou lá em 2008 porque Valdemar Costa Neto determinou-lhe que cuidasse dos seus interesses no DNIT. Instalou-se numa sala e entrou em ação. Como não encontrou nenhum impedimento, foi ficando.
Paulo Passos não sabe quem paga o salário do notório vigarista. Também garante que mal conhece Fred, que o acompanhou numa viagem à Bahia quando era ministro interino. O inverossímil Luiz Antônio Pagot faz de conta que não sabe direito quem é ou o que faz o assessor com quem conversava diariamente. “Não vou dizer que é um pobre coitado, mas não é funcionário de carreira, não tem poder de decisão nenhuma”, desdenhou. “Se pudesse comparar, diria que é um estafeta, um boy”. “Boy”, por sinal, é o apelido de Valdemar Costa Neto, que infiltrou numa sala perto do cofre o amigo e cabo eleitoral.
Em troca do apoio incondicional ao governo, Lula presenteou gatunos de estimação alojados no PR com o controle do Ministério dos Transportes e um salvo-conduto que permite roubar impunemente. O advogado do Diário da Noite ficou alguns dias na redação porque o jornal estava morrendo de anemia financeira. O quadrilheiro do DNIT ficou alguns anos por lá porque sobra dinheiro e falta cadeia.
Fonte: Direto ao Ponto
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