por Janer Cristaldo
Tenho em Porto Alegre um grande amigo, hoje já entrado em anos, que tem dificuldade para caminhar cem metros. Precisa parar para respirar. Um enfisema deixou-lhe apenas 22% da capacidade pulmonar. Deixou de fumar talvez há uns trinta anos, mas já tarde demais. Tomou consciência dos estragos do fumo em um curso de prevenção ao tabagismo, quando teve ante os olhos os pulmões de um fumante e o de um não-fumante. Me procurou angustiado:— Janer, tens de parar com o cigarro.
Ora, eu nunca havia fumado. Lá pelos dez anos, pus um cigarro na boca, não gostei e joguei fora na primeira tragada. Nunca mais pensei no assunto. Assim, quando vejo fumantes se queixando da propaganda, da influência do meio familiar, do convívio com fumantes, acho muita graça. Em meu clã, todos os homens fumavam e inclusive algumas tias. Cresci vendo filmes de bang-bang, onde não se sabia quem fumava mais, se o mocinho ou o bandido. Me criei entre adolescentes que julgavam ser o cigarro atestado de virilidade. Ninguém me convenceu. Não gostava e fim de papo.
Dito isto, nunca me ocorreu dizer a um adulto para não fumar. Se vejo uma menina de quinze anos fumando, alguma coisa me dói na alma. Ela talvez esteja buscando ser adulta, moderninha, ou algo do gênero, e não tem uma ideia precisa do preço a pagar. Adulto sabe o que faz. Se nada tenho contra fumantes, há algo no ex-fumante que me desagrada. É sua mania de cristão novo. Quer converter os gentios à sua nova crença.
“É inacreditável que a medida do governo de São Paulo proibindo o fumo em lugares fechados tenha sido contestada pela Justiça — escreve Danuza Leão na Folha de São Paulo —. Isso na contramão do mundo inteiro, que vem fazendo tudo que é possível para coibir o vício do fumo.
O fumo é um veneno, e quem fuma vai um dia pagar caro por ter achado alguma graça em acender um canudinho de papel cheio de porcarias, inalar a fumaça direto para os pulmões e depois soprar de novo a fumacinha; no mínimo, ridículo. Nos anos 40, todos os filmes mostravam os atores e atrizes fumando, e isso fazia parte do glamour da época. Lembro da cena de um filme em que o ator punha dois cigarros na boca, acendia os dois e passava um deles para a atriz com quem contracenava. Quanta burrice; quanta ignorância. Eu também fui burra e ignorante durante anos, e apesar de ter sido alertada por tanta gente, só parei de fumar no tranco, isto é, quando meus pulmões pediram socorro”.
Se a moça foi burra e ignorante durante anos, como ela mesmo confessa, não pode negar a ninguém o direito de incorrer na mesma burrice. Jornalista, Danuza parece ainda não ter descoberto, mesmo depois de velha, que existe algo em um Estado constituído que se chama lei. E que, entre estas leis, existem leis maiores e leis menores. Lei menor não revoga lei maior. Que ela considere o cigarro um veneno, tudo bem. Nem fumante discorda. Que pretenda passar por cima do Estado de direito para que as pessoas não fumem, vai uma longa distância.
José Serra não nasceu ontem. Ao propor a lei antifumo, sabia muito bem que ela teria pernas curtas. O que o candidato tucano quer é promover sua candidatura. Uma liminar já derrubou parcialmente sua estúpida proposição e pelo menos outras quatro estão a caminho. Enquanto isso, seu nome tem exposição na mídia e o insosso candidato poderá alegar mais tarde: eu tentei, os juízes é que me impediram.
Escrevia ontem o Estadão em editorial: “Ao impor medidas excessivamente severas, que entrariam em vigor no início de agosto, prevendo multas de até R$ 3 mil, fechamento de estabelecimentos comerciais por 30 dias e proibição de cigarros até em prédios residenciais, sob a justificativa de preservar a saúde da população, o governador feriu direitos individuais assegurados pela Constituição e foi muito além da esfera de competência dos governos estaduais”.
Pior ainda, a legislação proposta por Serra punia quem nada tinha a ver com o peixe. O fumante não é multado, mas o estabelecimento onde alguém fuma. Ou seja, se alguém quiser afundar um bar ou restaurante, basta ir até lá e puxar um cigarro. Serra anunciou que irá recorrer. Se recorrer, irá perder. Ou pretende um governador revogar leis federais? Se alguém quiser acabar com o fumo em lugares públicos, que busque o caminho adequado, o Congresso Nacional.
A quem aproveita a medida estúpida? Ao medíocre e inescrupuloso tucano, que divulga seu nome às custas de incomodações inúteis para milhares de pessoas. E à guilda dos advogados, que sempre aplaude a produção em série de leis anticonstitucionais.
“Está aí uma coisa de que me arrependo muito: ter sido fumante — escreve Danuza —. Quando vou subir uma escada ou mesmo uma pequena ladeira, e tenho que parar para respirar, sinto muita vergonha. Como eu gostaria de ser lépida e ligeira como já fui; e sei que a culpa disso não tem outra origem a não ser o cigarro”.
Que se arrependa à vontade. Que sinta vergonha até o imo. Que se fustigue com correntes, que dilacere suas carnes com chicotes. Ninguém a obrigou a fumar. Mas que não pretenda rasgar a Constituição só porque foi burra no passado.
Fonte: Janer Cristaldo
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