por Gravataí Merengue
Já que nunca ganhamos nada de muito relevante nas Olimpíadas, ao menos agora podemos comemorar (?) o fato de que sediaremos um desses eventos. O dia de hoje (2/10) foi marcado pelo bafafá ufanista misturado com o créu (em velocidade número cinco) — além de ponto facultativo previamente decretado pela prefeitura e governo estadual do Rio de Janeiro.Sim. Em 2016, a Olimpíada será na cidade maravilhosa.
Um dos problemas graves da mentalidade brasileira é o fato de que todo e qualquer assunto se transforma em festa, mesmo quando há implicações objetivas e evidentemente sérias. Não importa: é festa, é oba-oba, etc. E quem for contra, já sabe, é contra a festa e não merece atenção. Ou, no mais das vezes, é contra o próprio Brasil.
Cria-se, assim, uma série de frases feitas, repetidas 'goebbelicamente' de forma nauseabunda, a ponto de não precisar discuti-las. São ditas como axiomas. É isso e acabou. Não é bem assim, sobretudo porque são de um ridículo inescapável.
Pincei quatro bem idiotas. Vejamos:
— Se Não Fosse Bom, Não Disputavam!
Eis um raciocínio falho em si próprio, que já nasce idiota, vem quebrado da própria fábrica de pensamento. O problema aí nem é tanto a construção da frase, mas os complementos ocultos. "Bom" para quem? Para o país, para o povo, para o orçamento da União?
Ou bom para empreiteiras e políticos?
Claro que há disputas ferrenhas, gente praticamente se matando. E quem são essas pessoas? Políticos, para ganhar os "louros", na base do "fulano que trouxe a Olimpíada", e empresários, na base do "agora vamos ver como fica a construção dessas coisas todas". O povo, bom, esse aí fica com a comemoração e a dança do funk na rua.
O raciocínio rastaquera dessa frase é um pouco parecido com aquele do "rouba, mas faz". Meu grande problema com essa frase não reside apenas em sua aceitação por parcela considerável da população, mas sim pelo emprego da conjunção adversativa. Não deveriam usar "mas", pois o roubo acontece EM RAZÃO da feitura das obras. Desse modo, os "ladrões-obreiros" precisam "fazer" para que funcione o estratagema do roubo.
É isso, portanto: muitos disputam porque ganham com isso, política ou financeiramente (ou ambos). Se alguém acredita que aquele povo de paletó estava em Copenhague defendendo amorosamente suas respectivas pátrias, na boa, é hora de repensar conceitos como Papai Noel, Fada do Dente, entre outros ícones.
— O Evento Gera Emprego!
Sim, o tráfico de drogas também gera "emprego". Se tem uma desculpa cabível para todo tipo de dinheiro público jogado fora, trambique ou pura e simples ilegalidade é o "isso gera emprego" — ou o famoso "nós só queremos trabalhar".
Em primeiro lugar, é preciso diferenciar GERAÇÃO DE EMPREGOS de CRIAÇÃO PROVISÓRIA DE VAGAS. Quando se constrói um prédio, abrem-se tantas vagas para trabalhadores. Mas, acabada a construção, também se acabam as vagas. É isso.
Gerar emprego é um pouco mais complexo: trata-se do aquecimento da economia, em caráter permanente, fomentando seu crescimento e, assim, propiciando a criação de POSTOS DE TRABALHO decorrentes de empreendimentos, etc.
Haverá, sem sombra de dúvidas, milhares ou até milhões de vagas provisórias, mas é preciso um estudo mais profundo sobre a geração de EMPREGOS. Sobretudo quando se pensa na mão de obra extremamente qualificada exigida por esse tipo de evento (a própria China, que tem níveis de excelência, "importou" pessoal para algumas tarefas).
Alguém realmente acredita que a Olimpíada de 2016 transformará o Rio de Janeiro na capital nacional dos postos de trabalho?
— Quem Não Gosta Não Ama o Brasil!
Ditadura feelings, né? "Brasil: Ame-o ou Deixe-o". Hoje, no Twitter, li umas dez vezes essa mesma frase, escrita de formas diferentes, muitas vezes retuitada com aquele orgulho a um só tempo engraçado (pelo humor involuntário) e amedrontador (pela afeição ao totalitarismo ufanista).
Mas, claro, é um raciocínio imbecil.
Em primeiro lugar, "amar o Brasil" não está em jogo, e pouco importa ter ou não esse tipo de amor. Tem muita gente por aí que declara esse tipo de paixão, mas no fim das contas não anda em dia com a Receita Federal, aceita trabalhar sem carteira assinada e assim por diante. E não adianta dizer que "quem ama também trai", ok? Sigamos.
De tanto prejuízo que uma Olimpíada em geral traz (somente Barcelona não se complicou tanto), talvez os verdadeiros amantes da pátria sejam os que levem em consideração todos os problemas, e não os que aproveitem ponto facultativo pra dançar funk na calçada.
— Só a Oposição Partidária Está Contra!
Sempre há politicagem, claro! Quando foi a vez de FHC, lembro CLARAMENTE de vários petistas fazendo cara feia — e com razão. Agora, estão comemorando enquanto alguns outros é que torcem o nariz. Mas o debate deve ser feito acima das bandeiras e legendas.
No fim das contas, dada a FESTANÇA do povão, claro que nenhum político em sã-consciência será contra a Olimpíada no Rio de Janeiro. Salvo um ou dois mais corajosos, a grande maioria apoiará, fará discursos entusiasmados, soltará lagriminha (por que o choro?) e assim por diante. O povo é bocó o bastante pra cair nessa.
Desta feita, não creio que os contrários sejamos meramente "oposição partidária", mas sim uns chatos de galocha que de vez em quando refletem alguns instantes sobre como serão gastos alguns bilhões do orçamento federal, em especial quando se trata dessa porção de obras para lá de faraônicas.
Seria ridículo negar a existência de um jogo partidário, sobretudo porque inequivocamente Lula ganhou muito, politicamente, com a eleição do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada. Tanto existe politicagem que uma das maiores estrelas partidárias da delegação brasileira na Dinamarca foi o senador Marcelo Crivella, da Igreja Universal, relator do "Ato Olímpico" (agora candidato ao Governo do Rio).
Enfim...
Claro que é bacana ter uma Olimpíada no próprio país, na própria cidade ou no próprio bairro. A questão aqui, porém, são os gastos públicos envolvidos, a roubalheira, as mutretas, etc.
Mas o brasileiro, infelizmente, não gosta de pensar nisso. Muitas vezes, inclusive, NÃO ACEITA que falem nisso. Pois estraga a festa. E as coisas costumam ser uma grande festa.
Depois, por favor, não reclamem dos políticos.
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