O Exército está redescobrindo um Brasil desconhecido, com rios e morros e onde mora muita gente que conhece os segredos da floresta.
Flávio Fachel, São Joaquim, AM
Uma viagem por uma Amazônia desconhecida, misteriosa, escondida sob um gigantesco manto verde e que até hoje não aparece em nenhum mapa. São montanhas que brotam da selva, rios desconhecidos que rasgam a mata, vales nunca imaginados.
Veja os bastidores da gravação
Durante duas semanas, avançamos pela maior floresta do mundo para encontrar uma impressionante parte do Brasil que só agora está sendo descoberta.
A equipe de reportagem decola de Manaus com destino ao ponto mais remoto do país. São 1.160 quilômetros pelo ar, quatro horas em um voo, em que os pilotos só tem referências dos instrumentos.
Aos nossos olhos, aparecem cores deslumbrantes, rios espalhados pela floresta que esconde o que há debaixo das árvores. Os mapas que nos orientam não mostram o que existe lá. "Região sem informação de relevo" é o que está escrito neles.
Ao todo, 610 mapas da Amazônia com três mil quilômetros quadrados cada um são uma imensa região chamada de "vazio cartográfico", 1,8 milhão de quilômetros quadrados de um gigantesco Brasil desconhecido, onde caberia, por exemplo, 11 vezes a Alemanha.
Vamos pousar em São Joaquim, no Amazonas, lugar onde normalmente só se chega de barco. Para usar a pista é preciso autorização das Forças Armadas. E nós conseguimos.
O Globo Repórter chega à fronteira do Brasil com a Colômbia, no meio da selva.
"A gente está aqui para tentar mostrar um pouquinho quem vocês são, o que vocês fazem e por que vocês estão aqui", diz o repórter Flávio Fachel à população que espera na pista assim que a equipe pousa.
Mesmo com chuva, a recepção é de gala. Em um lugar longe de tudo, qualquer novidade é motivo para comemoração. E a equipe de reportagem é recebida com o hino nacional.
A pista de pouso divide em dois a única comunidade que existe na região. De um lado, fica uma aldeia de índios curipacos. Do outro, está o pelotão de fronteira do Exército, onde vivem os soldados e suas famílias.
Os militares montam guarda permanente na única via de acesso para quem vem da Colômbia: o Rio Içana. Já os índios tocam a vida na velocidade da floresta e com as dificuldades que logo ficam evidentes em um lugar, onde não adianta ter pressa.
Para se ter uma ideia como é difícil a vida na região, imagine que o mercadinho mais próximo está em São Gabriel da Cachoeira, que fica a 330 quilômetros. Para chegar lá, os índios precisam fazer uma viagem de barco que não dura menos do que 16 dias e se o rio estiver navegável.
Por isso, nesse pedacinho de terra, longe de tudo e dividido entre o pelotão de fronteira do Exército e a comunidade indígena, o que vale mesmo é o que é feito na região. Por exemplo, um biju de farinha de mandioca, pode ter certeza, vale muito mais do que ouro.
Todos os dias, os índios vão carregados até o portão do quartel. Lá dentro, as mulheres dos soldados, vindos de vários pontos do país, estão acostumadas a passear em supermercados e shoppings. Hoje, elas vão às compras e sem cartão de crédito. "Açúcar vale mais do que dinheiro aqui”, afirma uma jovem, mulher de um dos soldados. “Aqui, tudo de comida vale mais do que dinheiro”.
Uma senhora indígena afirma que para vender o mamão ela prefere leite do que dinheiro. Nessa região, dinheiro não vale nada. "Agora, é só na base da troca. A gente troca muito com eles", explica outra esposa de um dos militares.
Em um lugar que não tem nada, não tem loja, não tem comércio, não tem banco, o que vale mais: leite em pó ou ouro? Todas as pessoas entrevistadas respondem que é o leite em pó.
Cada soldado transferido para servir na fronteira fica na região por, pelo menos, dois anos. Por isso, a família toda costuma ir junto. O novo endereço são casas construídas dentro da área dos pelotões.
À noite, visitamos uma família que veio de Brasília. “Estamos aqui há seis meses”, conta o terceiro sargento Ullysses Carvalho. “E vamos ficar mais um ano e meio”, conclui a técnica de enfermagem Karine Batista Carvalho, esposa dele. Segundo Karine Batista Carvalho, o que mais sente falta é da família.
Tudo o que eles encomendam por telefone ou pela internet nos mercados da cidade vêm nos aviões da Força Aérea que só aparecem no pelotão uma vez por mês. Às vezes, o voo atrasa. Por isso, o estoque é reforçado e necessário.
O Rio Içana agora é nossa estrada. Seguimos, debaixo de chuva forte, por entre árvores gigantes que escondem cursos de água ainda desconhecidos. Os caminhos não aparecem nem nos mapas usados pelo Exército.
Um deles tem informações coletadas por índios que vivem no Alto Rio Negro, pois os militares brasileiros estão desenhando um novo mapa para conhecer e defender melhor a Amazônia.
Até agora, os melhores eram produzidos com imagens que vinham do espaço, feitas por satélites estrangeiros. Mas tanta sofisticação tem seus limites. Eles não conseguem enxergar além da copa das arvores. Uma trilha, por exemplo, para eles é invisível.
Mas o jeitinho brasileiro aliado à tecnologia conseguiu resolver esse problema, com um avião adaptado com radares especiais. É como se os radares do avião tivessem uma espécie de visão de raio-x.
Voando 7,5 quilômetros acima da copa das árvores, eles emitem microondas potentes, com 70 cm de comprimento. Por causa do movimento ondulatório, um volume grande de ondas consegue passar por entre as folhas e galhos, refletir no chão e voltar até o avião. Assim, um mapa da parte escondida da floresta vai sendo construído lentamente nos computadores a bordo.
Agora, o Brasil está redescobrindo uma Amazônia desconhecida, cheia de vales, rios, morros e onde mora muita gente. São filhos da terra que conhecem de cor os segredos da Amazônia misteriosa.
À beira do Rio, encontramos um lugar com várias casas. Será uma comunidade? Logo descobrimos que a comunidade não tem casas para morar. É a maior e mais importante escola da região, uma espécie de Universidade dos Baniwa. São índios que acumulam conhecimento regional há mais de dois mil anos.
As aulas não são de português ou de matemática. Na escola, se ensina a viver na floresta.
A escola do conhecimento indígena inundou a comunidade com ciência. Nela, os caminhos da floresta já não são os mesmos. Tudo pode ser um grande laboratório.
Os índios abriram dez trilhas na mata. São 50 quilômetros de puro conhecimento e tudo foi classificado: as plantas, os animais e o clima. Uma arvore recebeu o número 84. É a rípoli. Os indios usam a seiva dessa arvore como cicatrizante em bebês recém-nascidos, depois que o cordão umbilical é cortado.
O objetivo dos índios é reunir todo conhecimento milenar que, até agora era passado de pai para filho e de boca em boca, em um grande livro. Será a primeira enciclopédia indígena do Brasil escrita pelos próprios índios.
Agora, os jovens da comunidade curipaco aprendem espanhol. E quem são os professores? Lembra da técnica de enfermagem Karine Batista Carvalho, que veio de Brasília para a fronteira para acompanhar o marido Ullysses?
"A minha profissão é outra, mas, quando eu cheguei aqui, eu comecei a dar aula, porque não tem quem dê aula para eles. Geralmente, as esposas dos militares é que dão aula", explica Karine.
Tem gente que não imagina que eles vivam assim: estocando comida, contando o tempo passar e fazendo muito esforço.
"Às vezes, o pessoal não entende, porque o Brasil é um país pacífico e muito grande. É tão grande que tem que guardar a fronteira", aposta o terceiro sargento Ullysses Carvalho. Ele diz também que se sente um pouco guardião do país. "Tem que estar ocupado para saber que tem dono”.
Não há como viver na Amazônia sem respeitar e entender a selva. Nem o experiente capitão está livre dos caprichos da natureza.
No meio do rio, embaixo de chuva, de repente, um labirinto de canais. Dentro do barco, o guia diz que pegamos o caminho errado.
“É muito comum isso acontecer. Aqui é tudo muito igual. Tem esses rios, esses braços e é tudo floresta. Então, tudo muito parecido”, diz o capitão Rogério Ricardo da Silva.
No meio da maior floresta do mundo, um mapa bem desenhado pode significar a diferença entre sair e ficar preso na mata.
A equipe de reportagem decola de Manaus com destino ao ponto mais remoto do país. São 1.160 quilômetros pelo ar, quatro horas em um voo, em que os pilotos só tem referências dos instrumentos.
Aos nossos olhos, aparecem cores deslumbrantes, rios espalhados pela floresta que esconde o que há debaixo das árvores. Os mapas que nos orientam não mostram o que existe lá. "Região sem informação de relevo" é o que está escrito neles.
Ao todo, 610 mapas da Amazônia com três mil quilômetros quadrados cada um são uma imensa região chamada de "vazio cartográfico", 1,8 milhão de quilômetros quadrados de um gigantesco Brasil desconhecido, onde caberia, por exemplo, 11 vezes a Alemanha.
Vamos pousar em São Joaquim, no Amazonas, lugar onde normalmente só se chega de barco. Para usar a pista é preciso autorização das Forças Armadas. E nós conseguimos.
O Globo Repórter chega à fronteira do Brasil com a Colômbia, no meio da selva.
"A gente está aqui para tentar mostrar um pouquinho quem vocês são, o que vocês fazem e por que vocês estão aqui", diz o repórter Flávio Fachel à população que espera na pista assim que a equipe pousa.
Mesmo com chuva, a recepção é de gala. Em um lugar longe de tudo, qualquer novidade é motivo para comemoração. E a equipe de reportagem é recebida com o hino nacional.
A pista de pouso divide em dois a única comunidade que existe na região. De um lado, fica uma aldeia de índios curipacos. Do outro, está o pelotão de fronteira do Exército, onde vivem os soldados e suas famílias.
Os militares montam guarda permanente na única via de acesso para quem vem da Colômbia: o Rio Içana. Já os índios tocam a vida na velocidade da floresta e com as dificuldades que logo ficam evidentes em um lugar, onde não adianta ter pressa.
Para se ter uma ideia como é difícil a vida na região, imagine que o mercadinho mais próximo está em São Gabriel da Cachoeira, que fica a 330 quilômetros. Para chegar lá, os índios precisam fazer uma viagem de barco que não dura menos do que 16 dias e se o rio estiver navegável.
Por isso, nesse pedacinho de terra, longe de tudo e dividido entre o pelotão de fronteira do Exército e a comunidade indígena, o que vale mesmo é o que é feito na região. Por exemplo, um biju de farinha de mandioca, pode ter certeza, vale muito mais do que ouro.
Todos os dias, os índios vão carregados até o portão do quartel. Lá dentro, as mulheres dos soldados, vindos de vários pontos do país, estão acostumadas a passear em supermercados e shoppings. Hoje, elas vão às compras e sem cartão de crédito. "Açúcar vale mais do que dinheiro aqui”, afirma uma jovem, mulher de um dos soldados. “Aqui, tudo de comida vale mais do que dinheiro”.
Uma senhora indígena afirma que para vender o mamão ela prefere leite do que dinheiro. Nessa região, dinheiro não vale nada. "Agora, é só na base da troca. A gente troca muito com eles", explica outra esposa de um dos militares.
Em um lugar que não tem nada, não tem loja, não tem comércio, não tem banco, o que vale mais: leite em pó ou ouro? Todas as pessoas entrevistadas respondem que é o leite em pó.
Cada soldado transferido para servir na fronteira fica na região por, pelo menos, dois anos. Por isso, a família toda costuma ir junto. O novo endereço são casas construídas dentro da área dos pelotões.
À noite, visitamos uma família que veio de Brasília. “Estamos aqui há seis meses”, conta o terceiro sargento Ullysses Carvalho. “E vamos ficar mais um ano e meio”, conclui a técnica de enfermagem Karine Batista Carvalho, esposa dele. Segundo Karine Batista Carvalho, o que mais sente falta é da família.
Tudo o que eles encomendam por telefone ou pela internet nos mercados da cidade vêm nos aviões da Força Aérea que só aparecem no pelotão uma vez por mês. Às vezes, o voo atrasa. Por isso, o estoque é reforçado e necessário.
O Rio Içana agora é nossa estrada. Seguimos, debaixo de chuva forte, por entre árvores gigantes que escondem cursos de água ainda desconhecidos. Os caminhos não aparecem nem nos mapas usados pelo Exército.
Um deles tem informações coletadas por índios que vivem no Alto Rio Negro, pois os militares brasileiros estão desenhando um novo mapa para conhecer e defender melhor a Amazônia.
Até agora, os melhores eram produzidos com imagens que vinham do espaço, feitas por satélites estrangeiros. Mas tanta sofisticação tem seus limites. Eles não conseguem enxergar além da copa das arvores. Uma trilha, por exemplo, para eles é invisível.
Mas o jeitinho brasileiro aliado à tecnologia conseguiu resolver esse problema, com um avião adaptado com radares especiais. É como se os radares do avião tivessem uma espécie de visão de raio-x.
Voando 7,5 quilômetros acima da copa das árvores, eles emitem microondas potentes, com 70 cm de comprimento. Por causa do movimento ondulatório, um volume grande de ondas consegue passar por entre as folhas e galhos, refletir no chão e voltar até o avião. Assim, um mapa da parte escondida da floresta vai sendo construído lentamente nos computadores a bordo.
Agora, o Brasil está redescobrindo uma Amazônia desconhecida, cheia de vales, rios, morros e onde mora muita gente. São filhos da terra que conhecem de cor os segredos da Amazônia misteriosa.
À beira do Rio, encontramos um lugar com várias casas. Será uma comunidade? Logo descobrimos que a comunidade não tem casas para morar. É a maior e mais importante escola da região, uma espécie de Universidade dos Baniwa. São índios que acumulam conhecimento regional há mais de dois mil anos.
As aulas não são de português ou de matemática. Na escola, se ensina a viver na floresta.
A escola do conhecimento indígena inundou a comunidade com ciência. Nela, os caminhos da floresta já não são os mesmos. Tudo pode ser um grande laboratório.
Os índios abriram dez trilhas na mata. São 50 quilômetros de puro conhecimento e tudo foi classificado: as plantas, os animais e o clima. Uma arvore recebeu o número 84. É a rípoli. Os indios usam a seiva dessa arvore como cicatrizante em bebês recém-nascidos, depois que o cordão umbilical é cortado.
O objetivo dos índios é reunir todo conhecimento milenar que, até agora era passado de pai para filho e de boca em boca, em um grande livro. Será a primeira enciclopédia indígena do Brasil escrita pelos próprios índios.
Agora, os jovens da comunidade curipaco aprendem espanhol. E quem são os professores? Lembra da técnica de enfermagem Karine Batista Carvalho, que veio de Brasília para a fronteira para acompanhar o marido Ullysses?
"A minha profissão é outra, mas, quando eu cheguei aqui, eu comecei a dar aula, porque não tem quem dê aula para eles. Geralmente, as esposas dos militares é que dão aula", explica Karine.
Tem gente que não imagina que eles vivam assim: estocando comida, contando o tempo passar e fazendo muito esforço.
"Às vezes, o pessoal não entende, porque o Brasil é um país pacífico e muito grande. É tão grande que tem que guardar a fronteira", aposta o terceiro sargento Ullysses Carvalho. Ele diz também que se sente um pouco guardião do país. "Tem que estar ocupado para saber que tem dono”.
Não há como viver na Amazônia sem respeitar e entender a selva. Nem o experiente capitão está livre dos caprichos da natureza.
No meio do rio, embaixo de chuva, de repente, um labirinto de canais. Dentro do barco, o guia diz que pegamos o caminho errado.
“É muito comum isso acontecer. Aqui é tudo muito igual. Tem esses rios, esses braços e é tudo floresta. Então, tudo muito parecido”, diz o capitão Rogério Ricardo da Silva.
No meio da maior floresta do mundo, um mapa bem desenhado pode significar a diferença entre sair e ficar preso na mata.
Fonte: Globo Repórter - 24 Jul 09
COMENTO: sempre é bom quando algum órgão de comunicação social realiza um trabalho sobre a atuação dos militares em prol do país, particularmente na região amazônica onde a única presença do "Estado" são os militares das três Forças Armadas, com a contribuição de seus familiares, exercendo a tarefa de levar alguma melhoria aos habitantes daquela região.
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