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Família do jornalista Luiz Merlino, morto em São Paulo em 1971, quer obter a declaração judicial de responsabilidade do coronel reformado Brilhante Ustra
por Rubens Valente
O juiz Carlos Henrique Abrão, da 42ª Vara Civil de São Paulo, acolheu o pedido de abertura de uma ação que pretende declarar a responsabilidade do coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, 75, pela morte do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, aos 23 anos, em julho de 1971, no interior do DOI (Destacamento de Operações de Informações), unidade do Exército localizada na rua Tutóia, na capital paulista.
É a segunda vez, desde o fim da ditadura (1964-1985), que a Justiça brasileira aceita averiguar atos específicos de um oficial durante o regime.
No primeiro processo, aberto no ano de 2005, Ustra também foi acusado de responsabilidade por supostas torturas no DOI. Movida por cinco membros de uma mesma família (Maria Amélia de Almeida Teles, César Augusto Teles, Janaína de Almeida Teles, Edson Luiz de Almeida Teles e Criméia Alice Schmidt de Almeida), a ação tramita.
"Pau-de-arara”
Luiz Merlino, que trabalhou na “Folha da Tarde”, do Grupo Folha, e no “Jornal da Tarde”, era membro do POC (Partido Operário Comunista), grupo que em determinado momento dos anos 60/70 passou a apoiar a luta armada contra a ditadura. Contudo, ele nunca foi acusado formalmente pelos militares de participar de alguma ação armada. Foi preso em Santos (SP), poucos dias após voltar de uma viagem à França, onde passara cerca de seis meses em conversa com dirigentes comunistas franceses.
Segundo depoimentos de ex-presos políticos, Merlino morreu em decorrência de uma sessão de tortura que se prolongou por várias horas num pau-de-arara (em que a vítima é obrigada a ficar com os braços e as pernas amarrados e dobrados). A versão oficial divulgada pelo DOI à época foi de “suicídio” — Merlino teria se jogado na frente de um caminhão. A missa de sétimo dia da morte de Merlino reuniu cerca de 770 jornalistas na Catedral da Sé, segundo a imprensa da época.
A nova ação judicial contra Ustra foi movida pela cientista social Ângela Maria Mendes de Almeida, 69, que foi mulher de Merlino, e pela irmã do jornalista, Regina Maria Merlino Dias de Almeida, 64.
“O único objetivo é que se tenha toda a verdade, o que realmente aconteceu com meu irmão, que foi assassinado em torturas bárbaras na época da ditadura. A verdade, a retratação”, disse Regina, que nega a intenção de posteriormente buscar reparação financeira.
A decisão do juiz, tomada no último dia 4, põe em xeque a aplicação da Lei da Anistia, datada de 1979. Segundo Abrão “o assunto não trata de privilégio decorrente da lei da anistia, mas disciplina ação de natureza imprescritível”.
Ustra hoje mora no Lago Norte, em Brasília (DF). Sua esposa disse, por telefone, que ele não comentaria o assunto. Orientou que a reportagem procurasse o seu advogado, Paulo Esteves. Na contestação que protocolou na Justiça, negou responsabilidade pela morte de Merlino. Ustra, que usava o codinome de “doutor” ou “major” “Tibiriçá”, foi um dos mais destacados oficiais da ditadura nos embates com a esquerda. Após chefiar o DOI paulista, foi chefe da Seção de Operações do poderoso CIE (Centro de Informações do Exército), em Brasília.
No período em que comandou o DOI, entre 1970 e 1974, passaram por suas mãos cerca de 2.000 presos, segundo relatou o jornalista Elio Gaspari, autor de quatro livros sobre o regime militar. Gaspari assim definiu Ustra, em um de seus livros: “Exemplo de oficial que exterminara a esquerda armada nas cidades”.
Segundo documento divulgado pela Folha no ano 2000, 47 militantes políticos presos pelo DOI haviam sido mortos até junho de 1975. A unidade havia prendido 2.355 pessoas.
Para Ustra, Exército deve ser responsabilizado
Da reportagem local
O coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, 75, afirmou, na contestação protocolada na ação declaratória que tramita contra ele na 42ª Vara Cível de São Paulo, que “agiu como representante do Exército, no soberano exercício da segurança nacional”.
“O Exército brasileiro é uma pessoa jurídica, sendo que, pelos atos ilícitos, inclusive os atos causadores de dano moral, praticados por agentes de pessoas de direito público, respondem estas pessoas jurídicas e não o agente contra o qual têm elas direito regressivo (...) Todas as vezes [em] que um oficial do Exército brasileiro agir no exercício de suas funções, estará atraindo a responsabilidade do Estado”, alegou o militar.
Ustra citou também a Lei da Anistia. “Essa lei que concedeu a anistia pressupôs esquecimento recíproco, de modo a apagar todos os fatos que ocorreram em determinado período e que tipificaram delitos políticos ou conexos”.
Sobre o mérito da ação, Ustra alegou que “não conheceu” o jornalista Luiz Merlino, morto nas dependências do DOI, segundo relatos de ex-presos. Chamou-o, indiretamente, de “terrorista”, embora contra Merlino não exista nenhuma acusação formal de que tenha participado de ações armadas.
“Durante o comando do réu [Ustra] no DOI-CODI houve o caso de um terrorista que se suicidou quando era transportado para o Rio Grande do Sul. Quando ocorria a morte de um preso, era aberto um inquérito policial e feita a autópsia. O atestado de óbito do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, firmado por dois médicos legistas, tem fé pública”.
Segundo Ustra as testemunhas que apontam a morte de Merlino sob tortura estão “impregnadas da mesma ideologia e ávidas para desmoralizar os que os venceram, usando o revanchismo”.
Por fim o coronel Ustra contestou as denúncias de tortura com a seguinte afirmação:
“Muitos presos declararam ter sido torturados por vários motivos:a) para negar as confissões que dizem ter sido feitas sob tortura;b) por medo de represália de seus companheiros. inclusive de “justiçamentos”;c) com fins eleitoreiros — ser vítima da “ditadura” carreia votos; ed) ultimamente, visando indenizações.”
Em depoimento dado em março de 1988 ao jornalista Elio Gaspari para o livro “A Ditadura Escancarada”, Ustra afirmou: “Foi a ação de uma pequena parte da oficialidade, trabalhando nos órgãos de segurança, que permitiu à maioria ficar em paz, tomando suas aulas de tática”. No seu livro “Rompendo o Silêncio”, Ustra citou 105 pessoas que teriam sido mortas em atos “terroristas” ou confrontos com militantes da esquerda. (RV)
Fonte: Folha de S. Paulo, 13 de abril de 2008
Um esclarecimento sobre a reportagem da Folha
por Carlos Alberto Brilhante Ustra
O repórter afirma que: “Segundo documento divulgado pela Folha no ano 2000, 47 militantes políticos presos pelo DOI haviam sido mortos até junho de 1975. A unidade havia prendido 2.355 pessoas”.
Essa afirmação da Folha não é verdadeira.
No meu segundo livro “A Verdade Sufocada — A história que a esquerda não quer que o Brasil conheça”, dou a seguinte explicação a respeito das mortes no DOI:
O “Relatório Periódico de Informações do II Exército”, datado de setembro de 1975, um documento CONFIDENCIAL, publicado pelo Correio Braziliense em 17 de outubro de 2004, apresentava o seguinte “Relatório de Estatística do DOI/CODI/II Ex, até 30 de setembro de 1975:
a. Presos pelo DOI .......................................... 2.381
— Encaminhados ao DOPS/SP ............................ 870
— Encaminhados a outros órgãos ........................ 193
— Liberados ...................................................... 1261
— Mortos .............................................................. 47
— Evadidos ............................................................. 1
b. Recebidos de outros órgãos ............................ 899
— Encaminhados ao DOPS/SP ............................ 341
— Encaminhados a outros órgãos ....................... 330
— Liberados ........................................................ 220
— Evadidos ............................................................. 2
— Mortos ................................................................ 3
c. Elementos que prestaram informações e foram liberados 3419
d. Elementos que estiveram no DOI e não prestaram declarações 126
Dos dados estatísticos acima consta o número de mortos: 47+3 =50.
A imprensa, em manchetes, publicou;
“Monografia reconhece 54 mortes no DOI-SP” (O Globo, 09/01/2000).
“Exército contabilizou mortos no Doi-Codi” (Correio Braziliense 17/10/2004).
“Exército contabilizou mortos no Doi-Codi” (Correio Braziliense 17/10/2004).
As manchetes em si já são tendenciosas. Induzem o leitor a pensar que as mortes aconteceram dentro do DOI e não a realidade: mortes em combate.
Essa mesma imprensa deixou de publicar que, no mesmo período, só em São Paulo, os terroristas mataram, entre civis, policiais e militares 53 pessoas e feriram 14 membros do DOI/II Ex. Não tenho dados para citar quantas pessoas eles feriram no total.
Os dados estatísticos de uma tropa em combate, obrigatoriamente, têm de citar a quantidade de prisioneiros, de desaparecidos, de feridos, de mortos.
Se o Exército omitisse o número de mortos, as manchetes provavelmente seriam “Exército esconde o número de mortos”. Sempre admitimos que houve mortos.
Desses mortos, dois, segundo minhas pesquisas, suicidaram-se no DOI: o jornalista Vladimir Herzog, em 25/10/75; e o operário Manuel Fiel Filho, em 17/01/76. Os demais a esquerda aponta como sendo mortos por tortura, jamais em combate.
Eles, quando contam a sua versão, sempre omitem a orientação que a maioria das organizações dava aos seus militantes de jamais se entregarem e de morrerem lutando. Alguns até portavam cápsulas de cianureto.
Neste livro, em inúmeras oportunidades, relato os combates travados com os Grupos Táticos Armados (GTA) das organizações terroristas. Foram inúmeras as baixas que lhes causamos. Deixei de citar todos porque, nas minhas pesquisas, para fazer um relato verdadeiro, foi muito difícil encontrar os processos.
Não tenho, como a equipe de D. Evaristo, os recursos e o pessoal em abundância que, no STM, vasculhou os processos para escrever o Brasil Nunca Mais, com tendenciosas conclusões.
Além dos combates, inúmeras vezes os presos, ao serem soltos para cobrir um ponto, tentaram a fuga. Em outras oportunidades, o contato com quem se encontrava no “ponto”, ao perceber que seu companheiro estava preso, entregava-lhe uma arma e os dois reagiam. Existiram situações em que o preso tinha um “ponto de polícia”, previamente marcado, quando a organização tentava o seu resgate. Nesses casos, normalmente, no entrevero, corriam risco de morte, tanto os militantes como os agentes da lei. Além disso, alguns morreram atropelados, tentando a fuga ou cometendo o suicídio.
Mesmo nos casos mais evidentes, com depoimentos de testemunhas, eles negam que seus militantes tenham sido mortos em combate. Quando isso acontecia e eles morriam em ação, ou se suicidavam em plena rua, afirmam que o preso foi ferido, não foi socorrido e foi levado para o DOI para ser morto sob tortura.
Quando rebatemos essas falsidades, logo aparecem militantes que estiveram presos no DOI e que foram preparados ideologicamente para mentir pela causa, fazendo declarações e afirmando que testemunharam cenas bárbaras. A palavra deles, em coro, com o aval de setores da imprensa, prevalece sobre a nossa que não encontra apoio na mídia.
Poucas são as mortes que eles admitem não terem ocorrido sob tortura.
É o caso das mortes de Ishiro Nagami e Sérgio Correia, ambas no dia 04/09/ 1969, na Rua da Consolação, São Paulo, quando transportavam bombas que explodiram antes da hora. Nesse caso, eles não alegam que os dois terroristas tenham sido levados para o DOI, pois seria impossível. Seus corpos se desintegraram, com a violência da explosão. Até hoje, não se sabe onde seria o atentado que iriam praticar.
Aqueles que, com isenção, procurarem os processos arquivados na Justiça, encontrarão, com detalhes, as causas das mortes ocorridas no combate ao terrorismo.
O que me chama a atenção na maioria das reportagens a meu respeito é a freqüente omissão do nome do meu segundo livro — A Verdade Sufocada-A história que a esquerda não quer que o Brasil conheça, apesar do mesmo ter ficado, por três semanas, entre os mais vendidos no Brasil, chegando ao 3º lugar. E, quando citam um livro meu, se referem ao “Rompendo o Silêncio”, esgotado desde seu lançamento, em 1987. A Verdade Sufocada, com 610 páginas, muito mais completo, sobre a história desse período, é quase sempre omitido. Não posso encontrar outra explicação sobre o silêncio da maioria da mídia sobre o livro que não seja o que o subtítulo sugere: O livro conta a história que a esquerda não deseja que o povo conheça.
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