por Janer Cristaldo
Só na cidade de São Paulo são assassinadas, a cada fim-de-semana, algo em torno de cinqüenta pessoas. Estas estatísticas são de 1996 e anos seguintes, quando começou a ser divulgada nos jornais a cifra de mortes. Todas as terças-feiras, o Estadão publicava a monótona listagem de assassinatos. Às vezes, sessenta. Nunca menos de quarenta. A meia centena de assassinatos dos fins-de-semana tornou-se parte da rotina urbana, algo tão previsível como a meteorologia ou engarrafamentos. A vida não vale muito abaixo do Equador. Vivêssemos em geografias como Israel ou os Balcãs, por muito menos cadáveres teríamos as atenções dos poderosos do mundo.
De repente, não mais que de repente, os jornais deixaram de noticiar estes dados. É de supor-se que não por falta de vontade editorial, mas por omissão de dados por parte das autoridades. É também de supor-se que, de lá para cá, os assassinatos não tenham diminuído. A novidade é que deles não temos mais conhecimento. Não imagine o leitor que vivo entre cadáveres. Os assassinatos ocorrem geralmente na periferia. Em meu bairro, só tenho notícia do fuzilamento de um rabino, em frente a uma sinagoga, em razão de um assalto.
Na época, tentou-se criar uma guarda particular armada, muitos condomínios chegaram a depositar uma determinada quantia para a organização desta polícia. Foi quando intervieram os famosos defensores dos direitos humanos: não pode. Um bairro não pode ter uma polícia particular armada. E a ideia foi pro brejo.
Leio na Folha de São Paulo que o governador Geraldo Alckmin demitiu ontem (1º/3) o sociólogo Túlio Kahn da chefia da CAP (Coordenadoria de Análise e Planejamento), órgão da Secretaria da Segurança que concentra as estatísticas criminais. O anúncio foi feito após o jornal revelar que Kahn é, desde 2005, sócio-diretor da Angra Consultoria, empresa que vende serviços de consultoria e disponibiliza dados que a própria secretaria considera sigilosos.
Quais são estes dados sigilosos? Entre eles estão informações como furtos a transeuntes na região metropolitana de Campinas e os bens que costumam ser roubados nos assaltos a condomínios na cidade de São Paulo, como também as ruas mais visadas por assaltantes ou as que concentram os furtos de veículos. A Secretaria de Segurança nega esses dados sob a alegação de que a divulgação poderia provocar pânico entre os moradores na área.
Que um funcionário seja demitido por vender informações do Estado, entende-se. Acontece que estas informações deveriam ser de conhecimento público. O PSDB, no fundo, está seguindo a política defendida pelo ex-ministro da Fazenda Rubens Ricúpero, que afirmou inadvertidamente, durante uma entrevista televisiva: “Eu não tenho escrúpulos: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde".
Para não perder dividendos eleitorais, o governo do Estado esconde da população dados fundamentais para a sua segurança. Os jornais pedem estas informações e as autoridades as negam. Alckmin disse que o governo estuda a liberação desses dados. Ora, não tem nada que estudar. Tem é de liberar. Outra alegação é que a divulgação poderia provocar a desvalorização de imóveis. Que provoque. Todo cidadão tem o direito de saber se o bairro em que pretende morar é perigoso ou não.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é conivente com esta política de avestruz do governador tucano. Em decisão liminar, negou à Folha acesso à lista com os nomes dos beneficiados por concessão de passaportes diplomáticos em caráter excepcional de 2006 a 2010. Entre os quais, como já se tornou público, estão oito filhotes de Lula, o impoluto.
Segundo o ministro que analisou o mandado de segurança do jornal, Hamilton Carvalhido, não há prejuízo caso a medida seja concedida somente no final da análise da ação, "já que a informação poderá ser veiculada na imprensa a qualquer tempo, com a mesma atualidade". Ora, se a informação pode ser veiculada a qualquer tempo, por que não agora?
No período de 2006 a 2010, 328 passaportes diplomáticos foram concedidos sob a alegação de "interesse do país". O Itamaraty não divulgou o nome dos beneficiados. O Ministério Público Federal e a OAB também pediram a lista ao governo. Nada feito. O jornal irá recorrer.
Ou seja, o país tem 328 cidadãos de primeira classe que se situam acima dos demais mortais. Não enfrentam filas em aeroportos, não precisam de visto para países que exigem visto, não têm suas bagagens revistadas na Alfândega. Isto é, podem contrabandear à vontade. Entre elas, ministros de igrejas caça-níqueis, filhos e mulheres de políticos, em suma, os amigos do rei.
A suprema corte do país esconde dados a respeito da imoralidade dos filhos do presidente. Precaução inútil, já que são conhecidos. Mas também sobre os demais privilegiados, que se pretendem acima dos demais cidadãos. O governo do Estado de São Paulo esconde dados vitais para a segurança dos paulistas. Em que difere o Brasil daquelas republiquetas árabes cujos governos estão sendo derrubados?
Difere em algo: os brasileiros aceitam pacatamente a corrupção. Os árabes estão demonstrando mais dignidade.
Fonte: Janer Cristaldo
Nenhum comentário:
Postar um comentário