por Paulo José Cunha
Toda cobertura de guerra é a possível, nunca a ideal. Será mais isenta, objetiva e completa à medida que a imprensa tenha acesso aos fatos e às fontes. Em alguns confrontos, a limitação de acesso ao cenário real das ocorrências — como as que o governo de Israel vem impondo ao trabalho dos repórteres em Gaza — empurra a cobertura para aspectos periféricos, comprometendo a formação de uma opinião isenta. Na impossibilidade de cobrir a guerra, cobre-se a antiguerra, os arredores, os aspectos que guardam relação (mesmo que remota) com o conflito, mas não a guerra propriamente dita, em sua essência de morte e destruição, em sua natureza de confronto de ideologias políticas, de choque de interesses econômicos, de divergências religiosas, de disputas étnicas.
Nunca se produziu tanta matéria sobre brasileiros na Faixa de Gaza ou em Telavive. Claro que esse tipo de informação aproxima a cobertura da vida do homem comum, põe o consumidor de informação “dentro” do conflito. Mas pouco ou quase nada acrescenta à compreensão da real dimensão dos fatos; às consequências de curto, médio e longo prazo; à importância do conflito no concerto geopolítico mundial e de sua repercussão em escala planetária. Ademais, nunca se viu, ouviu ou leu tanta notícia sobre a excelente relação que israelenses e palestinos mantêm em Pindorama.
Todos os dias sai matéria sobre palestino amigo de judeu. O diabo é que isso tudo é dito, escrito e exibido como se a relação cordial e amistosa tivesse um grão de cevada a ver com a divergência histórica que mantém seus povos em pé de guerra no Oriente há dezenas de anos. E tome declarações melosas como “é preciso dar uma chance à paz”, “somos povos irmãos, como isso pode estar acontecendo?”, “esta é a terra onde Jesus nasceu e cresceu” e chorumelas equivalentes. Ou seja: na impossibilidade de cobrir o conflito em sua inteireza, o jeito é comer o mingau pelas beiradas.
Afinal, é preciso botar o jornal na rua, garantir a audiência do telejornal, manter o radiouvinte ligado na notícia. Mas nem só de fotos de explosões de bombas sobrevive um jornal, nem só de imagens de bombas se garante a audiência de uma emissora de tevê, nem só de informes oficiais e sons de bombas vive uma emissora de rádio. Então, tome historinha do “prima” que gosta de jogar baralho com Salim. De Salim que frequenta mesquita e de palestino que frequenta sinagoga. Belos exemplos de civilidade e tolerância. Uma gracinha. Só que o buraco é mais embaixo.
Que os palestinos usam escolas e hospitais como depósitos de bombas, fazendo as crianças de escudos humanos, todo mundo já sabe e se enoja. Que Israel tem um poderio bélico zilhares de vezes superior ao dos palestinos que vivem em Gaza, meu sobrinho Pedro de sete anos pode dar uma aula a respeito. Mas, além das bombas de alto poder de destruição e pontaria, lançadas irresponsavelmente por Israel contra Gaza, e dos foguetes de péssima pontaria e baixo poder destrutivo, quase domésticos, lançados irresponsavelmente pelos palestinos de Gaza contra aglomerados urbanos israelenses — o que mais se sabe sobre essa guerra? O número de mortos? Quem garante que essa contagem merece algum crédito?
A editora de Opinião do Correio Braziliense, Dad Squarisi, conhece Gaza. Ela me disse que Gaza é assim como uma avenida W-3, que se estendesse da Rodoviária a Planaltina. Uma faixa mesmo. Com a diferença de que se trata de uma faixa de casas amontoadas, um acampamento, um ajuntamento de 1,5 milhão de pessoas mal-acomodadas. Se já é difícil contar as vítimas de um incêndio num prédio de quatro andares, como acreditar nos números absolutamente precisos de mortos e feridos numa área onde cai bomba pra todo lado, o acesso da imprensa é controlado, quando não proibido? Que papo é esse?
A par disso, os dois lados estão envolvidos numa guerra bem mais sofisticada — a guerra da informação. E nessa guerra há uma contradição com a qual o governo de Israel não está sabendo lidar. Já se firmou a convicção de que não se trata de uma guerra, mas de um massacre, na medida em que morrem quase 100 palestinos de Gaza (maioria absoluta de civis), para cada israelense. Por falta de acesso às imagens reais, aquelas que são captadas de forma independente, a opinião pública internacional vem sendo bombardeada por imagens e fotos geradas e distribuídas pelo Hamas.
Ou seja: Israel está mil pontos à frente na disputa bélica, mas exposto ao mundo como algoz que impõe as maiores aflições ao povo palestino, com a morte de crianças em escolas, de doentes em hospitais alvejados por bombas de fósforo, com a destruição de instalações de abrigo da imprensa. Na lógica de que os fins justificam os meios, o primeiro-ministro Ehud Olmert cinicamente alega que Israel protege suas crianças, e os palestinos não. Simples assim. De sua parte, o Hamas alega a desumanidade israelense por patrocinar bombardeios que matam civis de todas as idades.
Israel vence galhardamente a batalha das bombas, no que os especialistas consideram um conflito assimétrico diante da espantosa inferioridade das forças do Hamas. Mas vem perdendo de forma devastadora a guerra da opinião pública. Se a estratégia é a de se fortalecer ao máximo para negociar uma trégua em condição de superioridade, ninguém pode garantir que, na civilização da informação, a superioridade bélica superará o desgaste da imagem de Israel como país responsável por um massacre divulgado em rede mundial.
Fonte: Correio Braziliense - 17 Jan 2009
COMENTO: Mesmo que Israel permita o livre trânsito da imprensa pela área de combate, sempre haverá a velha ideologia da "simpatia pelo mais fraco" para dar um viés "esquerdista", "humanista" ou coisa que o valha, para continuar justificando a "resistência" do Hamas contra o "imperialismo sionista". Além do mais, se acontecer algum dano físico a um jornalista, alguém duvida que a culpa será do exército judeu?
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