por Millôr Fernandes
I – MetáforaComo, vocês me afirmam, a bolsa não vai parar de cair? Ué, só porque tudo que sobe desce, tudo que desce tem que parar de descer? E começar a subir? E a física? E a metafísica? E a Lei de Murphy? Olhem, eu acho que vai cair até não poder mais.
O que é "não poder mais"? Ué, vocês não viram ou não perceberam? A astronauta estava trabalhando no exterior da nave espacial, fazendo reparos, quando a bolsa dela se soltou e foi pro espaço. E espaço aí é espaço mesmo. O infinito, já ouviram falar?
Não há como resgatar a bolsa. Quer dizer, dá. Quando, daqui a dois meses, ela cair na cabeça de uma senhora desprevenida que vai passando numa rua em Caxias.
Mas não vai ser nada grave. A senhora imediatamente vai pegar a bolsa, segurá-la contra o peito, e gritar, olhando pro céu: "Ai, meu deus, Deus existe! E gosta de mim! É uma Vuitton!". Pois a bolsa não era de uma astronauta? Era. Pra ser mais íntimo, Heide Marie. Uma graça, quando tira aquele macacão atômico. Pra transas ocasionais (permitidas pelo regulamento), sem nenhuma gravidade (no mais amplo sentido).
II – Livro
Elsa – A Garota, de Sérgio Rodrigues (Nova Fronteira, 236 págs.). Uma pesquisa cuidadosa sobre Vida (pouca, 14 ou 16 anos), Paixão (nem tanto, fazia parte do acervo de Miranda, poderoso do Partidão, "inconsistente, fátuo, pimpão", segundo Graciliano Ramos) e Morte de Elsa Fernandes. Estrangulada pelos companheiros sob ordem direta de Prestes. O Partido precisava, como sói, de um bode expiatório. Sérgio Rodrigues (romancista e filólogo) narra os fatos com minúcias históricas, e cria fantasias, desse momento sombrio da história do Brasil. E mais uma vez fico impressionado com a semi-cultura geral dos que pretendiam revolucionar o Brasil. E o mundo.
III – Lula, resolvendo a crise:
"O Brasil espera que cada bestalhão compre sem dever".
IV – Estatística
A Juventude é metade da população. Mas apenas um terço da vida.
V – Dialoguinho comum nesta pós-permissividade
"Você fala muito com seu marido no momento do orgasmo?"
"Bem que eu gostaria. Mas sempre que ligo o telefone dele está ocupado."
VI – Evidência
Quando os cozinheiros brigam o assado queima.
VII – Livro
Os Irmãos Karamabloch, de Arnaldo Bloch (Companhia das Letras 339 págs). Sempre bom repórter, Arnaldo Bloch faz, neste livro, sua maior reportagem e um grande romance. A saga dos Bloch — família dele — é contada na trajetória familiar desde o século XIX.
A partir de Jitomir, do outro lado do mundo, passando por fome, perseguição, morte, humilhação, até a formação do Império, e fracasso final. Surpreendente é a crueldade do enfoque humano — o autor não perdoa. Descreve e desnuda precedentes e descendentes: primos, tias, filhos, netos, num agrupamento mais que secular, a famiglia, que ele devidamente chama de tribo. Qualquer goin que tivesse usado o tom que Arnaldo usou seria considerado um odioso anti-semita. Todos os homens nascem iguais. Mas tem uns que nunca levantam a tampa, na hora de urinar.
VIII – Simbiose (se é que isso não é uma doença)
Quando o Minc fala me parece convencido de que ele próprio é o meio ambiente.
IX – Escolha
Responda depressa: o que pode uma pobre probidade diante de uma rica tentação?
X – Precaução
A verdade do que afirmamos você tem que procurar nas entrelinhas. Mas cuidado, senão o trem te pega.
Fonte: Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário