por Janer Cristaldo
Os comunistas, imbuídos da ideia de serem os detentores da verdade e do sentido da História, jamais aceitaram a ideia de serem terroristas a serviço de uma utopia sangrenta. Esta mesma certeza os leva a não aceitar a ideia de anistia para seus adversários. Para um comunista, anistia é sempre unilateral. “Anistia é para mim, que lutei do lado do Bem. Nós, comunistas, temos de ser perdoados por nossos crimes. Para eles, que lutaram nas hostes do Mal, anistia nenhuma”.Eu estava em Paris, em agosto de 1979, quando João Figueiredo assinou a anistia “ampla, geral e irrestrita”. As esquerdas brasileiras, entrincheiradas na Maison du Brésil, se preparavam para ir a um congresso na Itália, para exigir a anistia. O decreto pegou todos de surpresa. Em primeiro lugar, esvaziava o congresso. Em segundo, significava o fim das mordomias que a França e demais países da Europa ofereciam aos guerrilheiros e sedizentes guerrilheiros. Tendo sido decretada a anistia no Brasil, asilo político não tinha mais razão de ser. Adeus vida mansa, regalias de moradia e universidade, subsídios do governo. Anistia era tudo o que as esquerdas não queriam. Significava ter de voltar e abandonar o dolce farniente em Paris, Berlim, Londres, Estocolmo. Adeus congressos, adeus viagens internacionais, adeus bons vinhos e bona-xira, adeus amadas, adeus!
“É golpe da direita” — diziam alguns mais esperançosos. Acontece que não era. Era anistia mesmo, para desespero dos bons vivants.
Passados trinta anos, Dilma Roussef, Tarso Genro, Paulo Vanucchi e outros celerados de 64, levantam a tese de que tortura é crime imprescritível e portanto seus autores devem ser punidos. Para sustentar a exótica idéia, alegam que tortura é crime comum, não é crime político, e portanto não está coberta pela Lei da Anistia. Ora, salta aos olhos que a tortura, na ocasião, teve razões políticas. Tortura como crime comum é esta tortura praticada cotidianamente em praticamente todas as prisões do país e que não merece a preocupação de ninguém. Aliás, a preocupação com a tortura só surgiu no Brasil quando os meninos da classe média entraram no pau. Quando só os pobres eram torturados, não víamos ninguém falar em direitos humanos.
Ao que tudo indica, os ilustres celerados, no afã do revanchismo, esqueceram de examinar com mais cuidado a Constituição, que reza em seu artigo XLIII:
— a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.E no XLIV:
— constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.Foi preciso que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, refrescasse a memória dos sedentos ministros de Lula. “Essa discussão sobre imprescritibilidade tem dupla face. O texto constitucional também diz que o crime de terrorismo é imprescritível”, disse Mendes. E emendou: “Tenho uma posição muito clara em relação a isso. Repudio qualquer manipulação ou tentativa de tratar unilateralmente casos de direitos humanos. Direitos humanos valem para todos: presos, ativistas políticos. Não é possível dar prioridade a determinadas pessoas que tenham determinada atuação política. Direitos humanos não podem ser ideologizados, é bom que isso fique claro”.
Tarso Genro, ministro da Justiça, apressou-se em pôr o bigodinho stalinista de molho. Em recente declaração à Folha de São Paulo, afirmou que os grupos de esquerda que adotaram a luta armada contra a ditadura militar “não podem ser classificados como terroristas”. O ministro vai precisar de muito malabarismo verbal para provar que seqüestros de diplomatas, assassinatos de pessoas inocentes, assaltos a bancos e execuções sumárias de colegas de armas não constituem terrorismo.
Para sustentar sua tese esdrúxula, Tarso afirma que “o terrorismo é sempre uma ação bélica que atinge uma comunidade indeterminada de inocentes que estão fora do conflito”. O ministro aceita as leis internacionais e a Constituição, que “tornam o crime de terrorismo perfeitamente enquadrável” como imprescritível. Mas reitera que as organizações de esquerda contrárias à ditadura não se guiaram por esse princípio. “Houve atos isolados.”
Quantos atos isolados? Se os militares mataram 376 pessoas, os gentis militantes das esquerdas mataram 116. Não são atos tão isolados assim. Sem falar que a guerrilha não foi uma resposta à ditadura. A ditadura é que foi, isto sim, uma resposta à guerrilha. O palavroso ministro parece esquecer que antes de 64 Francisco Julião já montava a guerrilha comunista, com armas recebidas de seu bom amigo Fidel Castro.
Derrotados em 1935, os comunistas tentaram tomar de novo o poder em 64. Não por acaso, um dos ídolos de Tarso Genro é o assassino Luís Carlos Prestes. Derrotados em 64, apelaram a uma vendeta administrativa, que concedeu a cada terrorista indenizações milionárias. E não só aos terroristas. Destas indenizações milionárias, participaram inclusive vagabundos menores, como Carlos Heitor Cony e Ziraldo, que nada tiveram a ver com a luta armada.
Mas parece que a vendeta administrativa não saciou a sede dos celerados. Querem mais. Querem mandar para a cadeia quem já recebeu os benefícios da anistia. Curioso que façam estas reivindicações trinta anos após a anistia. Pelo jeito, foram acometidos pela síndrome Baltasar Garzón, que quer desenterrar os cadáveres de 1936.
Fonte: Janer Cristaldo
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