por Raphael Gomide
Em julho de 2008, o Exército da Colômbia protagonizou uma operação de inteligência perfeita, a “Xeque-Mate”, que conseguiu ludibriar as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e resgatar 15 reféns, entre eles a senadora Ingrid Bettancourt. O iG obteve um vídeo do Exército com trechos inéditos no Brasil e o apresenta em três partes, com imagens da preparação e treinamento dos agentes, até a execução da operação e a celebração dos sequestrados após serem libertados pelos agentes disfarçados.
Com o apoio logístico e de inteligência dos Estados Unidos, os sequestrados – alguns com até dez anos de cárcere na selva amazônica do país – foram libertados sem uso de violência.
Vídeo 1: Trechos inéditos da ação que libertou reféns das FARC
Isso foi possível porque os colombianos interceptaram as comunicações das FARC e decifraram seus códigos. No que é chamado no jargão militar de “guerra eletrônica”, os agentes isolaram dois diferentes grupos das FARC e passaram a conversar separadamente com cada um deles, como se fossem guerrilheiros do grupo. De um lado, operadoras mulheres fingiam receber e concordar com as ordens ditadas pelos operadores de Mono Jojoy, um dos chefes da organização; no outro, passaram a dar instruções aos captores, pelos intermediários do “comandante César”. O primeiro vídeo (acima) mostra essas mulheres trabalhando em um ambiente com sons semelhantes aos da floresta, para não despertar desconfianças do outro lado.
“Se você erra uma sílaba, uma palavra mal escrita, à qual não estão acostumados, eles pensam: ‘Isso não foi escrito pelo camarada’. Então tínhamos de conhecer cada termo, senão poderíamos pôr tudo a perder”, disse, em vídeo, o comandante da ação. De acordo com uma operadora de rádio, os reféns eram chamados de “cargas” e “pacotes”. “Não se falava diretamente a palavra ‘sequestrados’”, explica.
Além da interceptação eletrônica, a parte mais difícil seria tirar os prisioneiros das mãos das FARC.
Uma tentativa anterior, com o uso de força, falhara e resultara na morte dos reféns, pelos guerrilheiros, quando houve a aproximação do Exército. “O que pretendemos fazer foi ludibriá-los. Chegar a casa, ao coração dos terroristas das FARC, e tirar deles os seqüestrados, libertando-os”, disse um do grupo.
Para isso, foi criada uma “história-cobertura”, ou uma fachada, destinada a fazer parecer real o que na verdade é uma encenação, como mostra o primeiro filme, acima. As operadoras do Exército instruíram os guerrilheiros a juntar os reféns e a levá-los até um local na Amazônia, onde seriam realocados por helicópteros de ação humanitária, como já tinha ocorrido em outras situações. O grupo, acompanhado do comandante César e de mais um homem, seria levado até o novo líder das FARC, Mono Jojoy.
Vídeo 2
Helicópteros foram pintados de branco e com símbolos de uma ONG fictícia, Missão Humanitária Internacional, com site na internet e telefone próprio para o caso de os guerrilheiros tentarem verificar sua existência. Como em outras ocasiões, jornalistas da venezuelana Telesur (segundo vídeo) acompanhariam a ação para dar verossimilhança e também para distrair os rebeldes, em manobra de diversionismo. “A câmera atrai a atenção de qualquer pessoa. O simples fato de haver uma lente faz com que a pessoa concentre a atenção ali”, explica o “cinegrafista”.
Cada agente desempenharia o papel de um personagem (segundo vídeo). Havia um “repórter”, um “cinegrafista”, um “médico”, uma “enfermeira”, um “australiano”, um “árabe”, entre outros. Todos tinham documentos falsos, telefones – que ficavam em uma central, para o caso de serem checados. Na carteira do “australiano”, por exemplo, havia dinheiro de seu país e tíquetes de entrada em eventos esportivos na Austrália. Os agentes passaram a se chamar apenas pelos nomes fictícios, para não errar na hora da operação.
Foram compradas jaquetas brancas e dispostas sobre os assentos dos dois helicópteros destinados aos sequestrados, de modo a dirigir os dois guerrilheiros que iriam no helicóptero a se sentar nos lugares planejados, para facilitar a imobilização.
O uso de símbolo da Cruz Vermelha gerou protestos da entidade. “Era para dar uma imagem de segurança aos guerrilheiros, não para ter vantagem militar. Não disparamos um só tiro nem pretendíamos matar ou ferir ninguém, só libertar os sequestrados.”
A equipe foi treinada em técnicas de imobilização e simulou como seria a ação dentro da aeronave. Ouviu palavras de estímulo pessoalmente das duas maiores autoridades militares do país, o comandante das Forças Militares da Colômbia, general Freddy Padilla, e general Mario Montoya, então comandante do Exército.
Os “jornalistas” tiveram papel importante na ação em si, porque foram diretamente em César e lhe fizeram perguntas, distraindo-o por alguns minutos. Em seus personagens e com o intuito de não despertar suspeitas, acabaram por irritar os próprios sequestrados, que, agoniados queriam mandar mensagens pela TV. “Tenho somente uma coisa a dizer: estou preso há dez anos. Eu sou tenente Malagón, do glorioso Exército da Colômbia!”, disse um militar preso.
O repórter, porém, desencorajava as declarações, dizendo que não poderia ter conteúdo “político”.
Vídeo 3, a libertação
Pouco depois disso, César é atacado e imobilizado. De cuecas, fica de pernas para cima, atônito. O helicóptero vira uma festa, com abraços e cantoria. “Viva o Exército! Viva!”
Ingrid demora a se dar conta e se preocupava que todos sentassem para que o helicóptero não caísse. “Ela perguntava: ‘O que está acontecendo’. E eu respondi: ‘É o Exército, estamos livres!”, disse o cabo William Pérez, que vinha a seu lado.
Quando um dos helicópteros chega, os reféns recém-libertados são recebidos pelo comandante do Exército da Colômbia com entusiasmo. A senadora ganha um abraço apertado. No avião, ela chora, ainda assimilando o que está acontecendo.
O vídeo mostra cenas do general Montoya chorando de alegria ao saber do resultado da operação e dele abraçando os resgatados, ao chegarem. Ingrid Bettancourt fala com a mãe ao telefone: "Estou livre, estou livre! Mamãe, o Exército me resgatou!"
Um momento crítico é a retirada dos dois guerrilheiros, algemados e de cuecas da aeronave. Indefesos, são postos no chão.
Emocionada, Ingrid Bettancourt dá ao chefe da missão uma pulseira que tinha feito para a família: “Quero te dar uma coisa. É a minha condecoração, um símbolo da esperança que gerou em mim.” O vídeo termina com o comandante do Exército dando um beijo no chefe da missão.
Fonte: IG - ÚLTIMO SEGUNDO
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