por Ives Gandra Martins
Em 1958, eu era estudante de Direito. Nossa turma, formada por pessoas que viriam mais tarde a destacar-se como Sydney Sanches, Márcio Tomás Bastos e Claudio Lembo no regime aberto e descontraído do presidente Juscelino Kubitschek, ora se dedicava, fora os assuntos curriculares, à literatura, ora aos temas políticos. Entre nossos contemporâneos, estavam Lygia Fagundes Telles, Paulo Bonfim, Mário Chamie, Ivete Senise Ferreira, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Dalmo Florence, Dalmo Dallari e outros que participavam também das diversas vertentes de atividades acadêmicas no Largo de São Francisco.
Lembro-me, também, de que o meu grupo em particular, prezando profundamente, como futuros advogados, a liberdade e o direito de defesa, sentia-se, naqueles tempos, violentado diariamente pelas notícias sobre o regime de Fidel Castro, especialmente os famosos paredóns, para os quais os adversários políticos do governo cubano eram enviados para fuzilamento, sem defesa.
Nós o apelidávamos de Fidel Paredón Castro e o tínhamos por genocida.
No último dia 21 de março, a Folha de São Paulo publicou uma matéria sobre os paredóns. A dúvida colocada é se teriam sido apenas 3.820 os fuzilamentos (números oficiais) ou 17.000, segundo O Livro Negro do Comunismo, escrito em 1998 por um colegiado de acadêmicos franceses, incluídos nesse número os que foram fuzilados depois de 1958.
Infelizmente, a perseguição a opositores e os 100 mil prisioneiros políticos mencionados no referido livro, ou os 20 mil mencionados por Fidel, em entrevista a revista Playboy americana, em 1967, demonstram que a tirania cubana é, ainda, uma das maiores máculas da política latino-americana, que, bem ou mal, procura os caminhos da democracia.
Muito me impressiona, portanto, que se lance, no Brasil, um Plano Nacional de Direitos Humanos, inspirado nas idéias de alguns amigos de Fidel Castro que, para além de permanecerem fiéis e orgulhosos desta amizade, a ponto de se acotovelarem a cada oportunidade de serem ao lado dele fotografados, calam-se, inexplicavelmente, ante as contínuas violações a tais direitos perpetradas em Cuba, assim como na Venezuela de Chávez e no Irã de Ahmadinejad, dois outros amigos preferenciais do presidente Lula, nos últimos tempos. Estou convencido de que, se o presidente Lula tivesse mantido sua independência e postura de magistrado assumida nos primeiros seis anos de presidência, seria hoje o nome mais cotado para o Prêmio Nobel da Paz. A desfiguração de sua imagem deveu-se, desde o episódio de Honduras, à defesa intransigente de ditadores como Castro.
Democrata que sempre fui, em meus escritos, livros, conferências sempre ataquei todas as ditaduras de esquerda ou de direita principalmente as de Pinochet e de Fidel, embora Pinochet tenha feito do Chile uma nação desenvolvida e Fidel uma das mais atrasadas economias das Américas, implantadas por Hitler ou Stálin, Mussolini ou Ceacescu, Franco ou Mao. Não posso, portanto, reconhecer como democratas aqueles que atacam os ditadores de direita, mas acariciam o ego dos ditadores da esquerda. Tal comportamento faccioso e contraditório denota que não passam de aprendizes de ditadores.
Cuba é uma ditadura. E se o Brasil interveio, sem razão, na democracia hondurenha, cuja Constituição impunha a destituição de Zelaya, por seu artigo 239, não há porquê, tanto nas ditaduras em gestação, como na Venezuela e no Irã, como na cinquentenária ditadura cubana, não apoiar os movimentos legítimos do povo destes países em prol da democracia e do efetivo respeito aos verdadeiros direitos humanos.
Ives Gandra Martins é professor de direito e escritor.
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