por Fernando Mottola(*)
Ingressei na magistratura em 1973. Eram, dizem hoje, “anos de chumbo”. Fui juiz com absoluta liberdade e dos militares só recebi consideração e respeito. Vivi num Brasil ordeiro, pacífico, onde a criminalidade ainda não rondava nossas portas. “Anos de chumbo”? Na época, a maioria do povo brasileiro debocharia dessa expressão. Claro, havia comunistas, e alguns desses comunistas queriam o poder para si próprios e tentaram impor suas ideias pela força. Jogaram bombas, assassinaram inocentes, assaltaram bancos, sequestraram. Um primo, estudante de Medicina, foi morto num desses assaltos. Fora ao banco fazer uma retirada. Um dos “paladinos da liberdade” tomou-lhe a vida. O dinheiro que pretensamente financiaria a “luta operária” provavelmente acabou financiando alguma noitada da camarilha.
Dizer que os militares impuseram aos civis um regime impopular é afirmar uma mentira. Que por força da repetição querem converter em verdade. A verdade verdadeira é que a violência de alguns setores da esquerda só encontrou apoio em outros setores da esquerda. Eles não defendiam a democracia, defendiam um ideal totalitário! E, mais do que nas armas dos soldados, foi na indiferença da sociedade civil que eles esbarraram. É por isso que, no entorno do Cone Sul, no Brasil tivemos, comparativamente, tão pouco sangue. Nossa sociedade não simpatizava com a guerrilha.
Querem a verdade? Pois, para mim, a verdade foi esta: o Brasil de março de 1964 era um Brasil anárquico, e os projetos desenhados nos palanques governistas não encontravam eco no coração da maior parte dos brasileiros. Os militares assumiram o controle sob aplausos, e foi por contarem com a simpatia popular que praticamente não encontraram resistência.
Nos anos que se seguiram, alguns dos que pretendiam criar um Estado comunista partiram para a luta armada e foram confrontados. Os dois lados tiveram vítimas e cometeram excessos. A tortura e o assassinato de opositores, reais ou imaginários, não foram uma exclusividade dos governos militares. Mas os “heróis resistentes” que hoje ditam as regras decretaram que a ilicitude desses atos depende da ideologia em nome da qual foram praticados. E é por isso que, bem recentemente, Cesare Battisti, um assassino “de esquerda”, recebeu o status de asilado, enquanto Manuel Cordero Piacentini, um assassino “de direita”, foi devolvido à prisão.
Claro que, nos dias atuais, a minha é uma visão “politicamente incorreta”. A minoria de ontem transformou-se na maioria de hoje. Ou na maioria ruidosa, que é como acho que a situação pode ser melhor descrita. Essa “maioria” quer sangue e não verdade! Essa maioria quer vingança!
Que o conselho executivo da Ajuris venha se juntar aos “politicamente corretos” (“Os juízes do Rio Grande e a anistia”, ZH de 22 de abril, página 15) é coisa que não me surpreende. Afinal de contas, “juízes do Rio Grande” também prestaram homenagens a João Pedro Stedile — e poucos indivíduos têm manifestado maior desprezo pelo Judiciário do que esse senhor! Mas confesso que da magistratura do meu Estado eu esperava um pouco mais de isenção e comedimento.
(*) Desembargador aposentado do TJRS
COMENTO: o autor se refere a outro artigo, escrito pelo vice-presidente da Ajuris, apregoando a não extensão da Lei de Anistia aos agentes do Estado. Obviamente, o autor do texto citado trata-se de mais um seguidor do "direito achado na rua", ou na sarjeta diria eu.
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