por Janer Cristaldo
Temos então em Porto Alegre um imortal e nobelizável morrendo à míngua.
Comentei, há dois anos, um projeto de lei na Argentina, que pretendia instituir uma pensão social para escritores. "Com a barriga vazia, o escritor não escreve", dizia o poeta Miroslav Scheuba, coordenador da Sociedade Argentina de Escritores. "Como escritores são boêmios, não economizam e acabam sem nada", completa.
O projeto já foi aprovado em Buenos Aires, em 2009. São 100 escritores beneficiados, que recebem por mês 2.650 pesos — cerca de R$ 1.080. Em 2011, a prefeitura da cidade analisava o pedido de pensão de outros 30 autores. Pelos cálculos do governo, no âmbito federal, seriam quase mil beneficiados.
Os requisitos para o autor postular à pensão era não ter fonte de renda — ou tê-la menor que o valor da bolsa-escritor. É também necessário ter mais de 60 anos, ter se dedicado mais de 20 anos à atividade literária ou publicado mais de cinco livros. Outro quesito essencial é morar há pelo menos quinze anos na Argentina.
Ou seja, os escritores argentinos delegaram ao contribuinte seu sustento e os gastos de suas boemias. Se não conseguem viver de direitos de autor, passam a conta aos leitores. Ou nem mesmo a eles, já que quem não os lê também vai marchar. O escritor passa a ser uma espécie de incapaz do ponto de vista econômico, a ser sustentado por esmola estatal.
É o que pretende o imortal e nobelizável gaúcho Luís de Miranda. Com 68 anos, o poeta publicou 34 livros e recebeu diversos prêmios. Desde 1987, é membro da Academia Rio-Grandense de Letras. Neste ano, Miranda está na lista de indicados ao Prêmio Nobel de Literatura. Seu nome foi aceito pela Academia Sueca a partir de uma indicação da PUCRS. O gaúcho compete com 194 indicados por um prêmio que ultrapassa US$ 2 milhões.
Enquanto o Nobel não vem, o nobelizável solicita uma pensão do Estado. Vive em condições precárias, é doente, há quatro anos faz uma só refeição por dia e está ameaçado de despejo por não pagar aluguel.
É duro ver um homem, nessa idade, passando por tais tribulações. O fato é que o vate passou a vida cantando a bona-xira e os bons vinhos, o pampa e a gauchidade, e esqueceu do próprio sustento. Agora pede esmola ao Estado.
Miranda chegou a seu momento da verdade. Poesia nunca pagou o sustento de ninguém no Brasil, exceção feita dos amigos do Rei, que conseguiram incluir suas obras nos currículos escolares, por imposição do governo. Seria de supor-se que 64 livros publicados rendessem direitos autorais suficientes pelo menos para comer. Não renderam. Porque tais livros são mentiras piedosas, financiados por órgãos estatais, distribuídos a bibliotecas, e lidos ... por ninguém.
A candidatura ao Nobel é outra mentira, avalizada por uma universidade, o que a torna mais cruel. Nenhum gaúcho, em sã consciência, vai acreditar que um medíocre escrevinhador, cuja obra sequer atravessou o Mampituba, possa ter alguma chance de ser contemplado com a láurea máxima da literatura no Ocidente.
É aquele momento em que um homem se olha no espelho e faz a pergunta mais dura à imagem que o contempla: quer dizer então que viveste toda tua vida escorado numa mentira? A imagem pode querer negar, mas não consegue. Outras mentiras deambulam por aí, mas seus portadores foram previdentes. Cientes de que nada valem no mercado, protegeram-se com sinecuras estatais. Os livros publicados, que ninguém lê, constituem pasto suficiente para suas vaidades.
Comove a situação de Miranda. Mas nesta situação vivem milhares de brasileiros, senão milhões. Por que razões o contribuinte iria sustentar a velhice de um destes deserdados da sorte, só porque escreveu um monte de bobagens que ninguém lê? Como fica o operário que trabalhou a vida toda e hoje vive situação idêntica — ou pior — que a do poeta?
Como vão viver os escritores? — perguntou-me certa vez um leitor. Que vivam de profissões honestas, como os demais homens. Literatura é profissão? Em um livro que causou algum escândalo na Paris dos anos 70 — Le Bazar des lettres — Roger Gouze contestou com energia o caráter profissional do ofício. "O estatuto oficial do escritor me parece tão absurdo quanto o das prostitutas que também reivindicam o seu: não se pode ao mesmo tempo desafiar o poder, a polícia, as leis (por hipócritas que sejam) da sociedade e pedir-lhes uma proteção".
Se a literatura é uma arte — argumentava Gouze — o escritor deve, como todo mundo, ter uma profissão que o sustente, ao lado da arte que ele alimenta com o melhor de si mesmo. "Não uma segunda profissão, pois a literatura não é uma".
Como viverá então o escritor se a obra não lhe rende nada? "Como todo mundo" — responde o autor. Mas há poetas que se julgam os eleitos dos deuses. Mentiras caridosas de amigos os fazem sentir-se poetas, estes iluminados que foram delegados pelos povos para cantar suas esperanças. Fora do pequeno círculo de bajuladores, ninguém os conhece.
Um dia a casa cai. Se não souberam vender a alma a bom preço, o remédio é estender o chapéu ao contribuinte.
Fonte: Janer Cristaldo
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