por Janer Cristaldo
Leio nos jornais sentença a meu ver inédita no país. A Igreja Universal do Reino de Deus foi condenada a pagar indenização de R$ 20 mil por ter coagido fiel a doar seus bens em troca de bênçãos. A decisão é da 9ª Câmara Cível do TJ do Rio Grande do Sul, que confirmou decisão de 1º Grau.
A mulher e seu companheiro ajuizaram ação na Comarca de Lajeado afirmando terem sido enganados e iludidos. A mulher narrou que o casal vinha passando por problemas financeiros, razão que a levou a procurar a Igreja Universal. Contou que, ao final de cada culto, os pastores recolhiam certa quantia em dinheiro e afirmavam que, quanto mais dinheiro fosse doado, mais Jesus daria em troca.
Salientou que, em função da promessa de soluções de seus problemas, realizou diversas doações: vendeu o veículo que possuía, entregou joias, eletrodomésticos, aparelho celular e uma impressora. Os autores pediram indenização por danos morais e materiais.
Quem me acompanha sabe que sou ateu e mantenho uma distância crítica de todas as religiões. Apesar de ser ateu, defendo a existência de todas elas. Se o ser humano gosta de ser enganado, amém! Mas os tais de pastores evangélicos há muito deviam estar na cadeia. Não administram religiões, mas caça-niqueis. Isso sem falar no exercício ilegal da medicina. Em cada emissão televisiva, os milagres superam de longe o número de milagres que Cristo realizou em toda sua vida. Ocorrem em cadeia industrial, ao ritmo de dois ou três por minuto. O pastor até parece entediar-se com a freqüência dos mesmos e descarta rapidamente o miraculado que tem nos braços para abraçar o seguinte.
Durante algum tempo, dediquei alguns minutos na madrugada para assistir às pregações dos pastores. (Ultimamente, cansei). Não que pretendesse ouvir suas baboseiras. O que me fascinava era ver aqueles templos imensos lotados, com quatro mil, cinco mil ou mais pessoas, sem que se veja uma só cadeira vazia, todos fanatizados por um discurso estúpido e obviamente desonesto. Gosto de ver quando a câmera foca rostos. Pessoas de boa aparência, com traços até mesmo inteligentes, hipnotizadas pela lábia precária do pastor.
É meu modo de entender melhor o mundo. Vivo em um pequeno universo rarefeito, de poucos amigos, todos cultos e inteligentes. Corro o risco de achar que o mundo é mais ou menos assim. A televisão então me mostra, sem que eu precise sair de casa, a verdadeira face dessa pobre humanidade. Os pastores, sem nenhum pudor, ensinam como preencher cheques e boletos bancários.
Ainda há pouco, o pastor Silas Malafaia — muito admirado pelo recórter tucanopapista hidrófobo da Veja, o Reinaldo Azevedo — pedia 1000 reais de cada crente, com a promessa de bênção financeira e salvação de almas. O objetivo era conseguir um milhão de ofertantes e garantir com isso a salvação de um milhão de almas.
Mais ainda: não contente de cobrar o dízimo, Silas Malafaia inventou o trízimo, que cobra até dos desempregados. Pede quantia equivalente ao dinheiro do aluguel, com a promessa de casa própria para o pobre diabo. Em pleno século XXI, ainda há quem caia nesse tosco conto do vigário.
Nos programas televisivos da Igreja Mundial do Poder de Deus, os milagres saltam como pipocas numa panela. AIDS, reumatismo, câncer, cegueira, lumbago são curados na hora com o toque divino do apóstolo. Sua igreja lançou “as poderosas meias consagradas abençoadas pelo Apóstolo Valdemiro Santiago”. Embora a Bíblia não faça reverência alguma a meias usadas por Josué ou Moisés, o santo apóstolo utiliza a passagem bíblica de Josué 1:3 para fazer a propaganda em vídeo das ditas: “Todo lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo dei, como eu disse a Moisés”. Para receber as meias abençoadas, os fiéis têm que ofertar uma quantia de R$ 153,00 reais para a Igreja Mundial. Valdemiro Santiago consegue vender seu próprio chulé. E há quem compre. Decididamente, o ser humano me deixa perplexo.
Mas o melhor vem agora. Em novembro passado, o apóstolo milagreiro se submeteu a uma cirurgia no Hospital Albert Einstein em São Paulo para resolver um problema no joelho. Para os crentes, o Santo Chulé e orações. Para o joelho do apóstolo, a melhor medicina de São Paulo.
Volto à ação de Lajeado. No 1º Grau, a Juíza Carmen Luiza Rosa Constante Barghouti condenou a ré a restituir os celulares e fax, dois aparelhos de ar-condicionado e uma impressora. Também determinou o pagamento de indenização por dano moral em R$ 20 mil. A Igreja Universal recorreu da sentença. Alegou que não constrange seus fiéis a entregar dízimos ou doações e que não há nenhuma prova de que a mulher estivesse privada de discernimento durante o período no qual freqüentou a igreja. Salientou que ela passou a freqüentar o local por vontade própria.
Pelo que me conste, de fato ninguém é levado manu militari a tais templos. São levados pelo desejo de prosperidade sem trabalho, de cura sem medicina, de êxito financeiro sem maior esforço, e até mesmo por desespero ante o desemprego e salários baixos.
O relator da apelação, desembargador Tasso Caubi Soares Delabary, salientou que o dízimo e a oferta, em regra, são atos de disposição voluntária voltados à colaboração com o templo religioso e podem ser classificados como doação. Mas destoa da defesa da Universal, ao destacar que a doação pode ser anulada quando a pessoa é coagida a doar, sob pena de sofrimento ou penalidades. Nesses casos, a violência psicológica é tão ampla e profunda que anula, por completo, a sensatez e a manifestação da vontade, salientou.
Ora, esta violência psicológica se repete todas as noites, em vários canais de televisão, centenas de vezes em cada programa. Os pastores arrecadam somas fabulosas, transportadas em carros fortes. Encontrei-me, há algum tempo, em um de meus restaurantes diletos, com um de meus bons interlocutores. Conversa vai, conversa vem, manifestei esta minha perplexidade. Coincidiu que ele administrava o aluguel de um imóvel da IURD — Igreja Universal do Reino de Deus — fundada em 1977 pelo infatigável pastor Edir Macedo, que antes deste ano da graça trabalhava como caixa de uma agência lotérica. Ele contou-me então o que eu não imaginava existir. O templo tem capacidade para 15 mil pessoas sentadas. E mais 35 mil em pé. Sob o altar, os santos pastores construíram um compartimento subterrâneo. A coleta dos dízimos cai diretamente do altar para os cofres desse compartimento. E de lá sai, sabe-se lá para onde, por um túnel. Tudo construído sem licença da prefeitura.
Em nome da liberdade de culto — e da cata de votos — as autoridades toleram este assalto a mão desarmada contra esta pobre gente inculta e crédula. Nas últimas eleições em São Paulo, os candidatos, tanto do PT como do PSDB, disputaram a tapas a benção dos pastores. Um terceiro candidato chegou a prometer um templo em cada esquina. Se você gosta do dinheiro alheio e não quer problemas com a polícia, funde uma religião.
Cá entre nós, é preciso ser muito estúpido para cair em tais contos. O casal que foi indenizado, no fundo bem que merecia ser punido, com mais vinte mil reais, por sua ingenuidade.
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