por Moisés Naím
tradução de Clara Allain
tradução de Clara Allain
A velha piada é que os ex-presidentes são como os vasos chineses: sabemos que são valiosos, mas ninguém sabe o que fazer com eles.
Alguns, como Bill Clinton, mantêm uma atividade frenética; outros, como Vladimir Putin, dão um jeito de nunca deixar o poder, e ainda outros, como Álvaro Uribe, brigam com seu sucessor. Alguns ganham prêmios mundiais e outros intervêm de modo inoportuno nas eleições de outros países.
Nos últimos dias, os dois mais famosos ex-presidentes brasileiros estiveram na arena pública mundial. O contraste entre suas atuações não poderia ter sido mais extremo.
Fernando Henrique Cardoso recebeu o prêmio mais importante do mundo como cientista social: o Prêmio Kluge, outorgado pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.
O prêmio tem um processo de indicação e seleção tão ou mais rigoroso que o Nobel, e seu valor — US$ 1 milhão — é superior. Quase ao mesmo tempo, Lula aparecia por videoconferência na reunião do Foro de São Paulo em Caracas.
Ele disse: "Apenas com a liderança de Chávez é que o povo realmente vem tendo conquistas extraordinárias. As classes populares nunca foram tratadas com tanto respeito, carinho e dignidade.
Essas conquistas devem ser preservadas e consolidadas. Chávez, conte comigo, conte com o PT, conte com a solidariedade e o apoio de cada militante de esquerda, de cada democrata e de cada latino-americano. Tua vitória será nossa vitória".
É perfeitamente legítimo que Lula expresse seu afeto e admiração por Hugo Chávez. Os afetos — como o amor — são cegos e merecem respeito. Mas não é legítimo que Lula intervenha na campanha de outro país. Isso os democratas não fazem.
E Lula sabe disso. E já o tinha feito antes, quando, na véspera de um referendo importantíssimo na Venezuela, irrompeu no processo, afirmando que Chávez era o melhor presidente que o país tinha tido nos últimos cem anos.
Tampouco é legítimo distorcer a realidade venezuelana, como Lula fez — especialmente a realidade dos pobres. Chávez vem tendo um efeito devastador sobre a Venezuela, e os pobres são suas principais vítimas.
São eles que pagam as consequências de viver em um dos países mais inflacionários do mundo, são eles que são obrigados a virar-se com um salário real que caiu para o nível que tinha em 1966.
São eles que não conseguem trabalho a menos que seja no setor público e sob a condição de demonstrarem constantemente sua adoração e fidelidade ao "comandante".
São eles que veem seus filhos e filhas assassinados (o índice é dos mais altos do mundo). Não é de estranhar, portanto, que nas últimas eleições legislativas mais de metade dos votos tenha sido contra Chávez.
Na Venezuela, é impossível alcançar essa porcentagem sem milhões de votos dos mais pobres — que, segundo Lula, estão melhor que nunca.
Nesse sentido, não seria má ideia que Lula aprendesse um pouco com o FHC cientista social, que não permite que os afetos lhe enevoem o juízo. E com o FHC político, que não intervém de maneira abusiva nas eleições de outros países.
Moisés Naím é venezuelano,
escritor do Carnegie Endowment for International Peace
e foi editor-chefe da revista "Foreign Policy".
Fonte: Folha de São Paulo - 13/7/12
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