por Janer Cristaldo
Está entrando nas telas o documentário Quebrando o Tabu, do paulistano Fernando Grostein Andrade, doublé de publicitário e cineasta, no qual são entrevistados seis chefes de Estado, desde o mexicano Ernesto Zedillo ao brasileiro Fernando Henrique Cardoso. Que participaram da guerra contra as drogas e hoje admitem: “Erramos”.
Confesso não saber o que é mais deplorável: se um velho que só descobre aos 80 que durante toda sua vida laborou em erro, ou se aquele que nem isto admite. Considero que 80 anos — caso de Fernando Henrique — é idade um pouco tardia para descobrir qualquer coisa. Enfim, antes tarde do que nunca. Mas não é gesto que mereça elogios. Pelo contrário, só merece lástima.
Vamos ao filme que, para não fugir à regra do cinema nacional, é financiado pelo contribuinte. Se antes quebrar tabus era virtude de pensadores que viam à frente, no Brasil quebrar tabus virou ofício de publicitários. Fernando Andrade se sente confortável quebrando tabus. Desde que você, contribuinte, o financie. Isso de quebrar tabus sem dinheiro público não tem graça alguma.
Em segundo lugar, o filme não quebra tabu nenhum. Droga pode ter sido tabu nos anos 50 ou 60, quando a maconha era consumida por marginais e vista como a “erva do diabo”. Já nos 70, graças aos universitários americanos, Beatles e demais roqueiros, a droga adquiriu status. Tabu era condenar a droga. Drogas viraram distintivo de artistas e personalidades bem pensantes. Quem não usava drogas era tido como careta. O título do filme é um aceno gentil a gerontes, que imaginam ser moderninhos defendendo a descriminalização das drogas.
Antes de ir adiante, algumas considerações sobre certas palavrinhas. Boa parte da imprensa, entre outros a Veja e Folha de São Paulo, falam de descriminar as drogas. Existe o verbo criminar? Não existe. Logo, descriminar é neologismo mal construído. O que existe é criminalizar. Logo, a palavra correta seria descriminalizar.
Mais um detalhe. Sei lá porque razões — talvez para tornar mais palatável a idéia — há jornalistas que pretendem estabelecer uma distinção entre descriminalizar e legalizar. Descriminalizar seria uma coisa, legalizar outra.
Em Direito, aprendi que tudo que não é tipificado como crime é legal. Direito pouco ou nada tem a ver com justiça. Justiça é um ideal que se persegue, Direito é o que se consegue fazer. Tanto que o mundo todo — e particularmente este paizinho nosso — está cheio de leis injustas. No Brasil, desde 2006, com a lei nº 11.343, ninguém que consuma drogas vai para a cadeia. Apenas o traficante. Os consumidores são submetidos a advertências. “Olha, se você insistir em puxar fumo, um dia ainda será obrigado a prestação de serviços à comunidade ou medidas educativas”. Confesso que jamais vi, em meus dias de jornalista, alguém submetido a tais penas atrozes.
Neste sentido, o Brasil esteve a reboque do que se fazia no Primeiro Mundo. Na Suécia, Holanda e Suíça, a droga era legalmente permitida. Nos demais países, se não era legalmente permitida, era tranqüilamente tolerada. Na Espanha dos 80, vi gente se picando nas ruas e lavando as seringas nas fontes públicas. Em plena luz do dia.
Em Madri, sem ir mais longe, você compra chocolate — isto é, maconha — em qualquer travessa da Gran Via, Plaza Santana ou Chuecas. Sob o olhar complacente da polícia. Em Amsterdã, temos novidades. Se até ontem, qualquer pessoa podia pedir um cardápio de drogas nas coffee shops, a partir das últimas semanas este direito ficou reservado aos holandeses. Turistas, não mais. Baita discriminação!
Estes velhotes que, ao propor descriminalizar as drogas, pensam estar conduzindo a carroça adiante dos bois, estão na verdade lá atrás, tão longe dos bois que com os bois nada mais têm a ver. Os bois, com sua proverbial lerdeza, estão muito mais à frente. São gentes que não conseguem ver nem mesmo os tempos em que vivem. Estão correndo atrás de uma bandeira dos dias de Woodstock. Ora, Woodstock ocorreu em 1969. Acontece que estamos em 2011.
Durante décadas, os Beatles fizeram a apologia da droga urbi et orbi, com o aplauso de toda a mídia. Hoje, a droga está na esquina de sua casa. Em fins de semana, maconha é mais fácil de encontrar do que aspirina.
Ao desfraldar a bandeira da descriminalização, os velhotes estão desfraldando uma mentira. Usar droga não mais é crime. Mas fornecê-la continua sendo crime. A mesma hipocrisia está ocorrendo nos Estados Unidos e em alguns países europeus, de modo inverso, no que diz respeito à prostituição. Prostituir-se não é crime. Crime é procurar a prostituição. Ou seja, uma ponta do mercado é legal. A outra ponta, sem a qual o comércio não existe, constitui crime.
O problema da droga é o usuário. Sem este, o traficante morreria à míngua. A lei absolve a fonte do crime e condena seu intermediário. Ora, senhores gerontes, sejamos coerentes. Ou se absolve a droga, de ponta a ponta, ou se põe todo mundo na cadeia, desde o produtor ao traficante e ao usuário. Só que aí vai faltar cadeia. Esta atitude hipócrita, de absolver o usuário e condenar o fornecedor, é admissão tácita de quem fracassou no combate às drogas e finge algum sucesso, com gestos pretensamente liberais, para o aplauso de platéias ingênuas.
Que história é essa? Se não é crime comer bombons, não pode ser crime produzi-los ou vendê-los. O filmeco recentemente lançado e tão louvado pela mídia não passa de mais um engodo da mídia. Apenas endossa a hipocrisia destes anciões que, de repente, pretendem passar por jovenzinhos.
Confesso não saber o que é mais deplorável: se um velho que só descobre aos 80 que durante toda sua vida laborou em erro, ou se aquele que nem isto admite. Considero que 80 anos — caso de Fernando Henrique — é idade um pouco tardia para descobrir qualquer coisa. Enfim, antes tarde do que nunca. Mas não é gesto que mereça elogios. Pelo contrário, só merece lástima.
Vamos ao filme que, para não fugir à regra do cinema nacional, é financiado pelo contribuinte. Se antes quebrar tabus era virtude de pensadores que viam à frente, no Brasil quebrar tabus virou ofício de publicitários. Fernando Andrade se sente confortável quebrando tabus. Desde que você, contribuinte, o financie. Isso de quebrar tabus sem dinheiro público não tem graça alguma.
Em segundo lugar, o filme não quebra tabu nenhum. Droga pode ter sido tabu nos anos 50 ou 60, quando a maconha era consumida por marginais e vista como a “erva do diabo”. Já nos 70, graças aos universitários americanos, Beatles e demais roqueiros, a droga adquiriu status. Tabu era condenar a droga. Drogas viraram distintivo de artistas e personalidades bem pensantes. Quem não usava drogas era tido como careta. O título do filme é um aceno gentil a gerontes, que imaginam ser moderninhos defendendo a descriminalização das drogas.
Antes de ir adiante, algumas considerações sobre certas palavrinhas. Boa parte da imprensa, entre outros a Veja e Folha de São Paulo, falam de descriminar as drogas. Existe o verbo criminar? Não existe. Logo, descriminar é neologismo mal construído. O que existe é criminalizar. Logo, a palavra correta seria descriminalizar.
Mais um detalhe. Sei lá porque razões — talvez para tornar mais palatável a idéia — há jornalistas que pretendem estabelecer uma distinção entre descriminalizar e legalizar. Descriminalizar seria uma coisa, legalizar outra.
Em Direito, aprendi que tudo que não é tipificado como crime é legal. Direito pouco ou nada tem a ver com justiça. Justiça é um ideal que se persegue, Direito é o que se consegue fazer. Tanto que o mundo todo — e particularmente este paizinho nosso — está cheio de leis injustas. No Brasil, desde 2006, com a lei nº 11.343, ninguém que consuma drogas vai para a cadeia. Apenas o traficante. Os consumidores são submetidos a advertências. “Olha, se você insistir em puxar fumo, um dia ainda será obrigado a prestação de serviços à comunidade ou medidas educativas”. Confesso que jamais vi, em meus dias de jornalista, alguém submetido a tais penas atrozes.
Neste sentido, o Brasil esteve a reboque do que se fazia no Primeiro Mundo. Na Suécia, Holanda e Suíça, a droga era legalmente permitida. Nos demais países, se não era legalmente permitida, era tranqüilamente tolerada. Na Espanha dos 80, vi gente se picando nas ruas e lavando as seringas nas fontes públicas. Em plena luz do dia.
Em Madri, sem ir mais longe, você compra chocolate — isto é, maconha — em qualquer travessa da Gran Via, Plaza Santana ou Chuecas. Sob o olhar complacente da polícia. Em Amsterdã, temos novidades. Se até ontem, qualquer pessoa podia pedir um cardápio de drogas nas coffee shops, a partir das últimas semanas este direito ficou reservado aos holandeses. Turistas, não mais. Baita discriminação!
Estes velhotes que, ao propor descriminalizar as drogas, pensam estar conduzindo a carroça adiante dos bois, estão na verdade lá atrás, tão longe dos bois que com os bois nada mais têm a ver. Os bois, com sua proverbial lerdeza, estão muito mais à frente. São gentes que não conseguem ver nem mesmo os tempos em que vivem. Estão correndo atrás de uma bandeira dos dias de Woodstock. Ora, Woodstock ocorreu em 1969. Acontece que estamos em 2011.
Durante décadas, os Beatles fizeram a apologia da droga urbi et orbi, com o aplauso de toda a mídia. Hoje, a droga está na esquina de sua casa. Em fins de semana, maconha é mais fácil de encontrar do que aspirina.
Ao desfraldar a bandeira da descriminalização, os velhotes estão desfraldando uma mentira. Usar droga não mais é crime. Mas fornecê-la continua sendo crime. A mesma hipocrisia está ocorrendo nos Estados Unidos e em alguns países europeus, de modo inverso, no que diz respeito à prostituição. Prostituir-se não é crime. Crime é procurar a prostituição. Ou seja, uma ponta do mercado é legal. A outra ponta, sem a qual o comércio não existe, constitui crime.
O problema da droga é o usuário. Sem este, o traficante morreria à míngua. A lei absolve a fonte do crime e condena seu intermediário. Ora, senhores gerontes, sejamos coerentes. Ou se absolve a droga, de ponta a ponta, ou se põe todo mundo na cadeia, desde o produtor ao traficante e ao usuário. Só que aí vai faltar cadeia. Esta atitude hipócrita, de absolver o usuário e condenar o fornecedor, é admissão tácita de quem fracassou no combate às drogas e finge algum sucesso, com gestos pretensamente liberais, para o aplauso de platéias ingênuas.
Que história é essa? Se não é crime comer bombons, não pode ser crime produzi-los ou vendê-los. O filmeco recentemente lançado e tão louvado pela mídia não passa de mais um engodo da mídia. Apenas endossa a hipocrisia destes anciões que, de repente, pretendem passar por jovenzinhos.
Fonte: Janer Cristaldo
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