por Luiz Flavio Gomes
De US$ 50 a 200 bilhões de dólares poderiam ser “repatriados” (regressados à “Pátria Amada, salve, salve”), caso venha a ser aprovado o projeto Cidadania Fiscal (354/2009), de autoria do senador Delcídio Amaral (PT-MS), que está tramitando no Senado, com boa perspectiva de aprovação (talvez em breve).
O dinheiro trazido de volta (“repatriado”), diz o senador, “poderá ser investido em infraestrutura, habitação, agronegócio, ciência e tecnologia”. O senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) recomendou a sua aprovação.
Do que se trata?
Do seguinte: quem mandou dinheiro para o estrangeiro (para bancos europeus, especialmente os suíços, americanos etc., que “mantêm estruturas especiais para atender os clientes latinos — cf. Valor Econômico de 27.12.10, p. D3), ou manteve esse dinheiro lá fora, de forma ilegal [pelas leis vigentes no Brasil, de maneira criminosa], ganharia uma anistia criminal, em relação a todos os crimes fiscais e financeiros, econômicos, previdenciários, incluindo os crimes contra a administração pública: falsidades e fraudes.
Basta que a pessoa física faça a retificação da declaração do IR e, em lugar de pagar a alíquota de 27,5%, pagaria apenas 5% sobre o valor dos bens. A alíquota cai pela metade se os bens forem aplicados em algumas áreas (definidas no projeto) ou em fundos de investimentos. As pessoas jurídicas pagariam alíquotas entre 8% e 10%. Não é preciso “repatriar todo o dinheiro”. A anistia penal (prêmio penal) vale mesmo que só parte do dinheiro venha para o Brasil. Você concorda com isso?
Alguns juízes não concordam
Para Sérgio Moro (juiz federal) “O projeto [de repatriamento do dinheiro ilegal] é uma vergonha”. De acordo com Gabriel Wedy (presidente da Associação dos Juízes Federais), “O Brasil não pode aceitar esse tratamento benéfico ao capital que vai para o exterior de forma criminosa, na maioria das vezes fruto da corrupção ou do tráfico internacional de drogas” (O Estado de S. Paulo de 24.12.10, p. A4). A anistia, na prática, diz o primeiro juiz citado, não vai beneficiar “apenas” os crimes fiscais, de descaminho e financeiros, evasão de divisas, vai favorecer todo tipo de criminoso”; “vai ser difícil descobrir a origem do dinheiro” (que pode ser de corrupção). Tratamento privilegiado para corruptos. Isso viola a moralidade. “Por mais que a intenção seja a de atrair recursos para investimentos, creio que os prejuízos à moralidade e o incentivo à sonegação não compensam” (diz o juiz Ivo Höhn Junior).
Senador Delcídio e alguns advogados defendem o projeto
Para o senador “O Projeto não é uma aventura. Tenta regularizar o câmbio negro. Tem inspiração em outros projetos da Alemanha, Itália etc. Muito dinheiro “bom” foi para fora do país [era uma questão de proteção contra os planos econômicos] (O Estado de S. Paulo de 24.12.10, p. A4). Alguns advogados (Sérgio Rosenthal, Toron, G. Batochio) concordam com as justificativas do senador. Pitombo acha que o crime de evasão de divisas não deveria existir.
Em favor do privilégio da anistia para esses crimes cabe recordar que hoje, por força de jurisprudência do STF, em todos os crimes tributários, desde que haja pagamento do que é devido ao fisco, fica extinta a punibilidade do crime. Pagou, liquidou o assunto (do ponto de vista criminal).
Você concorda com o repratriamento?
Nossa opinião
Em primeiro lugar, veja o estimado leitor como os privilégios de classe sempre contam com nomes respeitosos: o projeto de repatriamento do dinheiro ilegal se chama “Cidadania Fiscal”. “Cidadania”! Pílula bem dourada.
Do ponto de vista dos beneficiados (político-governamental, das pessoas implicadas, dos administradores de fortunas no Brasil etc.) o projeto certamente deveria se transformar em lei (o mais pronto possível). Mas por detrás desse projeto há questões históricas, morais, políticas e filosóficas extremamente graves (que precisam ser colocadas em pauta).
As classes dominantes (economicamente dominantes) continuam incrementando seus poderes privilegiados, ainda que em prejuízo da igualdade. Todas as pessoas que mantiveram seus bens no Brasil e os declarou, pagou impostos muito superiores a 5% ou 10%. Essa desigualdade de tratamento é um dos problemas do projeto. O projeto não parece justo com os que foram corretos. Os privilegiados sempre se julgam “mais iguais” que os outros. Sempre desfrutam de tratamentos individualizados, especiais.
O Iluminismo, que retrata o tempo da modernidade, ainda não chegou ao Brasil (em vários dos seus aspectos, sobretudo o da igualdade). Crimes das classes dominadas, ao contrário, são resolvidos (quase que inescapavelmente) com a prisão.
E não precisa o marginalizado (o “apartheidizado”) fazer muita coisa não. Sua vulnerabilidade é extrema. Os crimes dos “de baixo” não são tratados de forma igual aos crimes “dos de cima”. A anistia penal para determinados crimes, que só beneficiam as classes hierarquicamente superiores, mostra o quanto que a Justiça criminal brasileira é seletiva e desigual.
A prisão é mesmo, em regra, totalmente inadequada para crimes não violentos. Mas essa regra deveria valer para rico e para pobre. Avante!
O dinheiro trazido de volta (“repatriado”), diz o senador, “poderá ser investido em infraestrutura, habitação, agronegócio, ciência e tecnologia”. O senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) recomendou a sua aprovação.
Do que se trata?
Do seguinte: quem mandou dinheiro para o estrangeiro (para bancos europeus, especialmente os suíços, americanos etc., que “mantêm estruturas especiais para atender os clientes latinos — cf. Valor Econômico de 27.12.10, p. D3), ou manteve esse dinheiro lá fora, de forma ilegal [pelas leis vigentes no Brasil, de maneira criminosa], ganharia uma anistia criminal, em relação a todos os crimes fiscais e financeiros, econômicos, previdenciários, incluindo os crimes contra a administração pública: falsidades e fraudes.
Basta que a pessoa física faça a retificação da declaração do IR e, em lugar de pagar a alíquota de 27,5%, pagaria apenas 5% sobre o valor dos bens. A alíquota cai pela metade se os bens forem aplicados em algumas áreas (definidas no projeto) ou em fundos de investimentos. As pessoas jurídicas pagariam alíquotas entre 8% e 10%. Não é preciso “repatriar todo o dinheiro”. A anistia penal (prêmio penal) vale mesmo que só parte do dinheiro venha para o Brasil. Você concorda com isso?
Alguns juízes não concordam
Para Sérgio Moro (juiz federal) “O projeto [de repatriamento do dinheiro ilegal] é uma vergonha”. De acordo com Gabriel Wedy (presidente da Associação dos Juízes Federais), “O Brasil não pode aceitar esse tratamento benéfico ao capital que vai para o exterior de forma criminosa, na maioria das vezes fruto da corrupção ou do tráfico internacional de drogas” (O Estado de S. Paulo de 24.12.10, p. A4). A anistia, na prática, diz o primeiro juiz citado, não vai beneficiar “apenas” os crimes fiscais, de descaminho e financeiros, evasão de divisas, vai favorecer todo tipo de criminoso”; “vai ser difícil descobrir a origem do dinheiro” (que pode ser de corrupção). Tratamento privilegiado para corruptos. Isso viola a moralidade. “Por mais que a intenção seja a de atrair recursos para investimentos, creio que os prejuízos à moralidade e o incentivo à sonegação não compensam” (diz o juiz Ivo Höhn Junior).
Senador Delcídio e alguns advogados defendem o projeto
Para o senador “O Projeto não é uma aventura. Tenta regularizar o câmbio negro. Tem inspiração em outros projetos da Alemanha, Itália etc. Muito dinheiro “bom” foi para fora do país [era uma questão de proteção contra os planos econômicos] (O Estado de S. Paulo de 24.12.10, p. A4). Alguns advogados (Sérgio Rosenthal, Toron, G. Batochio) concordam com as justificativas do senador. Pitombo acha que o crime de evasão de divisas não deveria existir.
Em favor do privilégio da anistia para esses crimes cabe recordar que hoje, por força de jurisprudência do STF, em todos os crimes tributários, desde que haja pagamento do que é devido ao fisco, fica extinta a punibilidade do crime. Pagou, liquidou o assunto (do ponto de vista criminal).
Você concorda com o repratriamento?
Nossa opinião
Em primeiro lugar, veja o estimado leitor como os privilégios de classe sempre contam com nomes respeitosos: o projeto de repatriamento do dinheiro ilegal se chama “Cidadania Fiscal”. “Cidadania”! Pílula bem dourada.
Do ponto de vista dos beneficiados (político-governamental, das pessoas implicadas, dos administradores de fortunas no Brasil etc.) o projeto certamente deveria se transformar em lei (o mais pronto possível). Mas por detrás desse projeto há questões históricas, morais, políticas e filosóficas extremamente graves (que precisam ser colocadas em pauta).
As classes dominantes (economicamente dominantes) continuam incrementando seus poderes privilegiados, ainda que em prejuízo da igualdade. Todas as pessoas que mantiveram seus bens no Brasil e os declarou, pagou impostos muito superiores a 5% ou 10%. Essa desigualdade de tratamento é um dos problemas do projeto. O projeto não parece justo com os que foram corretos. Os privilegiados sempre se julgam “mais iguais” que os outros. Sempre desfrutam de tratamentos individualizados, especiais.
O Iluminismo, que retrata o tempo da modernidade, ainda não chegou ao Brasil (em vários dos seus aspectos, sobretudo o da igualdade). Crimes das classes dominadas, ao contrário, são resolvidos (quase que inescapavelmente) com a prisão.
E não precisa o marginalizado (o “apartheidizado”) fazer muita coisa não. Sua vulnerabilidade é extrema. Os crimes dos “de baixo” não são tratados de forma igual aos crimes “dos de cima”. A anistia penal para determinados crimes, que só beneficiam as classes hierarquicamente superiores, mostra o quanto que a Justiça criminal brasileira é seletiva e desigual.
A prisão é mesmo, em regra, totalmente inadequada para crimes não violentos. Mas essa regra deveria valer para rico e para pobre. Avante!
Luiz Flávio Gomes é Doutor em Direito Penal
pela Universidade Complutense de Madri
e Mestre em Direito Penal pela USP.
Blog: www.blogdolfg.com.br.
Fonte: Alerta Total
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