por Janer Cristaldo
Faz vinte anos. Era inverno e fui bronzear-me em Berlim. Afinal, como dizia um jornalista francês, o sol da liberdade também bronzeia. O Muro começava a ser derrubado e eu não poderia furtar-me ao gesto simbólico de quebrá-lo com minhas próprias mãos. Os comunistas alemães construíram uma obra para desafiar os séculos. Mais fácil demolir pirâmides. Meu martelo voltava com força a cada golpe e quase rebentei os dedos para conseguir dois míseros caquinhos. A solidez do concreto dava-lhe um caráter de eternidade e contaminou as mentes: escritor algum ousou antecipar em suas ficções ou ensaios a derrubada do Muro. Não devem ter lido Marx com atenção. Já no Manifesto, o profeta irado anunciava: tudo que é sólido se desmancha no ar.
Hoje, 03 de outubro, é uma das datas mais emblemáticas do Ocidente. Claro que jornal algum no Brasil vai celebrar. Chez nous, o fundo do ar ainda é vermelho, tanto que hoje disputam a Presidência da República três candidatos de extração marxista. Há fatos que as esquerdas não gostam de lembrar. Falo da reunificação das Alemanhas. Há exatamente vinte anos, acontecia o que ninguém acreditava que pudesse acontecer: Alemanha Ocidental e Oriental se fundiam em uma só.
Nada melhor que relembrar as vozes ainda não muito distantes de tristes fantasmas do século passado. Em 1985, a cinco anos de distância da fusão dos dois países, escrevia o comunista gaúcho Antonio Pinheiro Machado Netto, em Berlim: muro da vergonha ou muro da paz?:
Hoje não se pode mais falar em reunificação da Alemanha, pura e simplesmente, com fundamento tão somente na língua e história comuns. (...) Não se pode, todavia, afastar a hipótese de, num futuro mais ou menos remoto, vir a ocorrer a unificação (como aconteceu no Vietnã). Esta hipótese, porém, só pode ser considerada se na chamada Alemanha Federal — RFA — passar a existir também um regime socialista.
Uma das maiores bobagens veiculadas no Brasil sobre o Muro de Berlim é que ele foi erguido para evitar as fugas de alemães da RDA para a parte oeste de Berlim. Esta asneira é veiculada até por pessoas que gozam de alguma credibilidade no Brasil, e por órgãos de comunicação, que se apresentam como veículos fiéis à verdade.
Todos os epítetos lançados contra o muro — afronta à liberdade, vergonha, etc., etc. — escondem apenas o ressentimento e a frustração dos fazedores de guerra que, naquela linha de fronteira, viam o começo da terceira guerra mundial por que tanto sonham, e para cujo deflagrar tudo fazem, com vistas a salvar o capitalismo da crise irreversível em que está mergulhado.
É natural que na RDA e nos demais países socialistas a tendência seja a diminuição do índice de criminalidade, de vez que as infrações penais que têm origem na miséria, numa vida difícil e atormentada, com dificuldades econômicas e financeiras, tendem a desaparecer por completo nos países socialistas, e muito particularmente na RDA. Mas, decorridas quatro décadas, essa mesma Alemanha Ocidental — eis a grande verdade — não resolveu problemas vitais do povo alemão que vive na região ocidental. Mais do que isso. Hoje a República Federal da Alemanha — RFA —, como todo mundo capitalista, é um país atormentado por uma crise de vastas proporções, crise política, econômica, social e moral.
A realidade alemã ocidental hoje reflete a crise que avassala o sistema capitalista. Na RFA a situação social também vem se agravando. Progressivamente aumenta a pobreza. Os sindicatos da RFA estão prevendo que até 1990 cerca de 100 mil pessoas perderão seus empregos, atualmente, por força da automação. Afora, evidentemente, o desemprego resultante da crise do capitalismo que existe na RFA e em todo o ocidente capitalista, e que vai continuar.
Os meios de comunicação de massa do Ocidente já decretaram que nos países socialistas não há liberdade para os cidadãos e que, especialmente, inexiste liberdade de imprensa. Também decretaram que os direitos humanos não são respeitados no mundo socialista. Daqui cinco anos, na RDA, não haverá mais desconforto habitacional — todas as famílias terão sua casa.
A história é mulher loureira, dizia um escritor pelo qual não tenho maior apreço. Mas tinha razão. Pinheiro Machado fala com a certeza dos donos da verdade. Os comunistas sempre depositaram uma fé cega na História e olhavam com um misto de piedade e asco para quem não participava de suas crenças. No entanto, aí está: uma só Alemanha, rica e poderosa, para a qual o regime soviético já não passa de uma mancha do passado.
Longa é a jornada de um comunista até o entendimento.
Hoje, 03 de outubro, é uma das datas mais emblemáticas do Ocidente. Claro que jornal algum no Brasil vai celebrar. Chez nous, o fundo do ar ainda é vermelho, tanto que hoje disputam a Presidência da República três candidatos de extração marxista. Há fatos que as esquerdas não gostam de lembrar. Falo da reunificação das Alemanhas. Há exatamente vinte anos, acontecia o que ninguém acreditava que pudesse acontecer: Alemanha Ocidental e Oriental se fundiam em uma só.
Nada melhor que relembrar as vozes ainda não muito distantes de tristes fantasmas do século passado. Em 1985, a cinco anos de distância da fusão dos dois países, escrevia o comunista gaúcho Antonio Pinheiro Machado Netto, em Berlim: muro da vergonha ou muro da paz?:
Hoje não se pode mais falar em reunificação da Alemanha, pura e simplesmente, com fundamento tão somente na língua e história comuns. (...) Não se pode, todavia, afastar a hipótese de, num futuro mais ou menos remoto, vir a ocorrer a unificação (como aconteceu no Vietnã). Esta hipótese, porém, só pode ser considerada se na chamada Alemanha Federal — RFA — passar a existir também um regime socialista.
Uma das maiores bobagens veiculadas no Brasil sobre o Muro de Berlim é que ele foi erguido para evitar as fugas de alemães da RDA para a parte oeste de Berlim. Esta asneira é veiculada até por pessoas que gozam de alguma credibilidade no Brasil, e por órgãos de comunicação, que se apresentam como veículos fiéis à verdade.
Todos os epítetos lançados contra o muro — afronta à liberdade, vergonha, etc., etc. — escondem apenas o ressentimento e a frustração dos fazedores de guerra que, naquela linha de fronteira, viam o começo da terceira guerra mundial por que tanto sonham, e para cujo deflagrar tudo fazem, com vistas a salvar o capitalismo da crise irreversível em que está mergulhado.
É natural que na RDA e nos demais países socialistas a tendência seja a diminuição do índice de criminalidade, de vez que as infrações penais que têm origem na miséria, numa vida difícil e atormentada, com dificuldades econômicas e financeiras, tendem a desaparecer por completo nos países socialistas, e muito particularmente na RDA. Mas, decorridas quatro décadas, essa mesma Alemanha Ocidental — eis a grande verdade — não resolveu problemas vitais do povo alemão que vive na região ocidental. Mais do que isso. Hoje a República Federal da Alemanha — RFA —, como todo mundo capitalista, é um país atormentado por uma crise de vastas proporções, crise política, econômica, social e moral.
A realidade alemã ocidental hoje reflete a crise que avassala o sistema capitalista. Na RFA a situação social também vem se agravando. Progressivamente aumenta a pobreza. Os sindicatos da RFA estão prevendo que até 1990 cerca de 100 mil pessoas perderão seus empregos, atualmente, por força da automação. Afora, evidentemente, o desemprego resultante da crise do capitalismo que existe na RFA e em todo o ocidente capitalista, e que vai continuar.
Os meios de comunicação de massa do Ocidente já decretaram que nos países socialistas não há liberdade para os cidadãos e que, especialmente, inexiste liberdade de imprensa. Também decretaram que os direitos humanos não são respeitados no mundo socialista. Daqui cinco anos, na RDA, não haverá mais desconforto habitacional — todas as famílias terão sua casa.
A história é mulher loureira, dizia um escritor pelo qual não tenho maior apreço. Mas tinha razão. Pinheiro Machado fala com a certeza dos donos da verdade. Os comunistas sempre depositaram uma fé cega na História e olhavam com um misto de piedade e asco para quem não participava de suas crenças. No entanto, aí está: uma só Alemanha, rica e poderosa, para a qual o regime soviético já não passa de uma mancha do passado.
Longa é a jornada de um comunista até o entendimento.
Fonte: Janer Cristaldo
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