quarta-feira, 6 de outubro de 2010

03 de Outubro: Um Dia Que as Esquerdas Detestam Lembrar

por Janer Cristaldo
Faz vinte anos. Era inverno e fui bronzear-me em Berlim. Afinal, como dizia um jornalista francês, o sol da liberdade também bronzeia. O Muro começava a ser derrubado e eu não poderia furtar-me ao gesto simbólico de quebrá-lo com minhas próprias mãos. Os comunistas alemães construíram uma obra para desafiar os séculos. Mais fácil demolir pirâmides. Meu martelo voltava com força a cada golpe e quase rebentei os dedos para conseguir dois míseros caquinhos. A solidez do concreto dava-lhe um caráter de eternidade e contaminou as mentes: escritor algum ousou antecipar em suas ficções ou ensaios a derrubada do Muro. Não devem ter lido Marx com atenção. Já no Manifesto, o profeta irado anunciava: tudo que é sólido se desmancha no ar.
Hoje, 03 de outubro, é uma das datas mais emblemáticas do Ocidente. Claro que jornal algum no Brasil vai celebrar. Chez nous, o fundo do ar ainda é vermelho, tanto que hoje disputam a Presidência da República três candidatos de extração marxista. Há fatos que as esquerdas não gostam de lembrar. Falo da reunificação das Alemanhas. Há exatamente vinte anos, acontecia o que ninguém acreditava que pudesse acontecer: Alemanha Ocidental e Oriental se fundiam em uma só.
Nada melhor que relembrar as vozes ainda não muito distantes de tristes fantasmas do século passado. Em 1985, a cinco anos de distância da fusão dos dois países, escrevia o comunista gaúcho Antonio Pinheiro Machado Netto, em Berlim: muro da vergonha ou muro da paz?:
Hoje não se pode mais falar em reunificação da Alemanha, pura e simplesmente, com fundamento tão somente na língua e história comuns. (...) Não se pode, todavia, afastar a hipótese de, num futuro mais ou menos remoto, vir a ocorrer a unificação (como aconteceu no Vietnã). Esta hipótese, porém, só pode ser considerada se na chamada Alemanha Federal  RFA  passar a existir também um regime socialista.
Uma das maiores bobagens veiculadas no Brasil sobre o Muro de Berlim é que ele foi erguido para evitar as fugas de alemães da RDA para a parte oeste de Berlim. Esta asneira é veiculada até por pessoas que gozam de alguma credibilidade no Brasil, e por órgãos de comunicação, que se apresentam como veículos fiéis à verdade.
Todos os epítetos lançados contra o muro 
 afronta à liberdade, vergonha, etc., etc.  escondem apenas o ressentimento e a frustração dos fazedores de guerra que, naquela linha de fronteira, viam o começo da terceira guerra mundial por que tanto sonham, e para cujo deflagrar tudo fazem, com vistas a salvar o capitalismo da crise irreversível em que está mergulhado.
É natural que na RDA e nos demais países socialistas a tendência seja a diminuição do índice de criminalidade, de vez que as infrações penais que têm origem na miséria, numa vida difícil e atormentada, com dificuldades econômicas e financeiras, tendem a desaparecer por completo nos países socialistas, e muito particularmente na RDA. Mas, decorridas quatro décadas, essa mesma Alemanha Ocidental 
 eis a grande verdade  não resolveu problemas vitais do povo alemão que vive na região ocidental. Mais do que isso. Hoje a República Federal da Alemanha  RFA , como todo mundo capitalista, é um país atormentado por uma crise de vastas proporções, crise política, econômica, social e moral.
A realidade alemã ocidental hoje reflete a crise que avassala o sistema capitalista. Na RFA a situação social também vem se agravando. Progressivamente aumenta a pobreza. Os sindicatos da RFA estão prevendo que até 1990 cerca de 100 mil pessoas perderão seus empregos, atualmente, por força da automação. Afora, evidentemente, o desemprego resultante da crise do capitalismo que existe na RFA e em todo o ocidente capitalista, e que vai continuar.
Os meios de comunicação de massa do Ocidente já decretaram que nos países socialistas não há liberdade para os cidadãos e que, especialmente, inexiste liberdade de imprensa. Também decretaram que os direitos humanos não são respeitados no mundo socialista. Daqui cinco anos, na RDA, não haverá mais desconforto habitacional 
 todas as famílias terão sua casa.
A história é mulher loureira, dizia um escritor pelo qual não tenho maior apreço. Mas tinha razão. Pinheiro Machado fala com a certeza dos donos da verdade. Os comunistas sempre depositaram uma fé cega na História e olhavam com um misto de piedade e asco para quem não participava de suas crenças. No entanto, aí está: uma só Alemanha, rica e poderosa, para a qual o regime soviético já não passa de uma mancha do passado.
Longa é a jornada de um comunista até o entendimento.

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