por Merval Pereira
O ex-ministro e deputado federal cassado José Dirceu, acusado pelo procurador-geral da República de ser o “chefe da quadrilha” que organizou o mensalão, está se sentindo perseguido durante esta campanha eleitoral. Incomoda-o bastante o pequeno anúncio da campanha do candidato tucano José Serra que alerta o eleitorado para a sua proximidade com a candidata oficial Dilma Rousseff.“Depois dela, vem ele”, adverte o comercial. A própria candidata mostra-se incomodada com essa ligação, mas como José Dirceu continua tendo muito influência dentro do PT, e atua nos bastidores da coligação governista com estatura de coordenador da campanha, a candidata evita renegar seu antigo chefe, que, ao passar-lhe o cargo de chefe do Gabinete Civil, atingido pelo escândalo do mensalão, saudou-a como “minha companheira em armas”.
Hoje, Dilma nega ter pegado em armas contra a ditadura, mas na ocasião chegou a se emocionar no Palácio do Planalto ao relembrar os dias de luta armada e a morte de vários companheiros seus e de Dirceu.
Ao contrário do ex-presidente e atual senador Fernando Collor, cujo apoio Dilma renegou de público depois de ter conseguido tirar do ar uma propaganda em que Collor pedia votos para ela, com Dirceu o trato é cauteloso.
Perguntada se Dirceu faria parte de seu governo, Dilma disse apenas que não responderia sobre equipe de governo porque pareceria presunção antes do resultado oficial da eleição.
Coube ao próprio José Dirceu retirar do caminho de Dilma esse obstáculo, anunciando que não pretende voltar a atuar no governo antes de seu julgamento no Supremo Tribunal Federal.
O fato é que José Dirceu continua dando as cartas dentro do PT e atuou explicitamente na formação da coligação que hoje apoia a candidatura de Dilma Rousseff.
Viajou pelo país como enviado do PT e negociou diretamente os diversos acordos firmados nos estados, tendo sido parte importante na decisão de o PT abrir mão de concorrer ao governo de Minas para dar a vez a Hélio Costa, do PMDB.
O ex-ministro mostrou-se também indignado com uma informação dada aqui na coluna na terça-feira.
Transcrevo o trecho que incomodou Dirceu e que ele publicou em seu blog: “No governo, montaram uma máquina de informações não apenas para difundir notícias falsas sobre seus adversários como para usar as informações como arma política de chantagem nas negociações de bastidores. O cérebro desse esquema de informações paralelo e ilegal foi o ex-ministro e deputado federal cassado José Dirceu, que se vangloria até hoje dos métodos que aprendeu quando esteve exilado em Cuba.”
Pois bem, a informação de que Dirceu é a origem de uma máquina subterrânea de “inteligência” montada dentro do governo petista já fora publicada aqui na coluna, mais exatamente em setembro de 2006 , quando o escândalo dos “aloprados” do PT estava no auge.
Naquela ocasião, relatei que Cid Benjamim, então candidato a deputado estadual pelo PSOL, irmão de César Benjamim, que disputava a eleição como vice de Heloísa Helena, contara em seu blog “uma historinha” que demonstra muito bem o que podia estar por trás da compra do dossiê contra os tucanos e do tal setor de “inteligência” da campanha de reeleição de Lula.
Setor esse que novamente está no centro das intrigas políticas, depois de ter sido apanhado em flagrante contratando um araponga para trabalhos de espionagem para a campanha de Dilma Rousseff.
Entre os que faziam parte desse grupo está o jornalista Amaury Ribeiro Junior, suposto autor do dossiê com dados que, por coincidência, se referem às mesmas pessoas do PSDB que tiveram seu sigilo quebrado, inclusive a filha do candidato Serra e seu marido.
Seu chefe, o jornalista Luiz Lanzetta, foi demitido do posto de coordenador de imprensa da campanha oficial depois que o caso dos dossiês foi noticiado.
Reproduzo a parte da coluna que se refere ao caso.
“Segundo ele (Cid Benjamin), em fevereiro de 2002, estando em Porto Alegre para cobrir para um jornal do Rio o Fórum Social Mundial, conversou com José Dirceu, com que mantinha ‘relações cordiais’, ainda que no PT fossem adversários.
“Cid relata a conversa: ‘Lá pelas tantas, na sua megalomania, Dirceu disse: ‘Estou montando um serviço secreto dentro do PT. Uma coisa que será sigilosa e que as pessoas sequer saberão que existe. E esse serviço vai ficar subordinado diretamente a mim.’ Fiquei intrigado. Por que diabos ele estaria me contando isso? Será que pensa em me recrutar para seu SNI particular? Mas, depois, me convenci de que sua tagarelice advinha mesmo da descomunal vaidade. Hoje, tudo indica que essa autêntica Operação Tabajara foi produto do serviço secreto criado por Dirceu. Estará ele ainda à frente desse simulacro de KGB? Eu não afastaria a hipótese.’”
O caso das sucessivas quebras de sigilo fiscal de pessoas ligadas ao PSDB, e de parentes do candidato José Serra, mostra que continua funcionando a pleno vapor esse grupo de “inteligência” do PT, que teve sua origem, como se verifica, no Gabinete Civil sob a chefia do então ministro José Dirceu.
Pelo menos foi o que ele contou a Cid Benjamin. Quanto aos treinamentos que recebeu em Cuba, o próprio Dirceu se encarrega de contar seus feitos a várias pessoas no meio político.
No documentário de João Moreira Salles “Entreatos”, sobre a campanha de 2002, há uma cena em que Dirceu reclama de uma reunião estar sendo filmada. E, quando Gilberto Carvalho diz que a equipe do documentário é de confiança, e que o filme é guardado em um cofre, Dirceu diz que não existe nada seguro em campanhas: “Se você soubesse o que eu tenho guardado de outras campanhas, você não diria isso”, comenta.
Fonte: O GLOBO – 09.09.2010
COMENTO: a frase de Dirceu (não corresponde ipsis litteris ao texto acima, mas transmite a mesma idéia) pode ser verificada nos últimos 12 segundos do vídeo que se segue (a partir da marca 0:45)
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