por Jorge Serrão
A batalha campal entre as Polícias Militar e Civil nas cercanias do Palácio Bandeirantes, onde o governador José Serra se nega a negociar com os policiais mal remunerados e em greve há um mês. A negociação previsivelmente fracassada entre um jovem da periferia de Santo André — a quem a mídia emprestou “fama” — e um grupamento de elite da PM paulista que terminou com uma adolescente quase morta e outra ferida. E a execução anunciada, por facções criminosas bem organizadas, do sétimo diretor de presídio de “segurança máxima” no Rio de Janeiro.As três tragédias amplamente destacadas pelos noticiários só confirmam a falência múltipla dos órgãos de segurança pública em um País no qual a Segurança Pública é um faz de conta que consome cada vez mais recursos sem a menor qualidade ou critério. A sociedade sente na pele os efeitos da insegurança, enquanto o tema Segurança recebe o tratamento digno da politicagem que nos desgoverna. O descaso com a Segurança é resultado de incompetência e dolo. A mídia — comprometida com interesses oficiais ou policiais (ambos mesquinhos) — prefere exibir as conseqüências e não discutir e propor soluções para as causas do problema.
A causa de tudo é o Governo do Crime Organizado, no seu amplo conceito de associação, com fins delitivos, entre criminosos e membros dos três poderes do Estado, a fim de praticar o roubo, a corrupção, a violência e o terror psicossocial. Manter a Polícia sempre ganhando mal e despreparada para lidar com problemas básicos do dia-a-dia da atividade de segurança são apenas reflexos da má gestão generalizada e proposital do setor público — primeiro grande refém do crime organizado, em todas as situações.
Nas três recentes tragédias, ficaram patentes a incompetência ou a má fé das autoridades. Os episódios lamentáveis têm tudo para queimar o filme de dois potenciais candidatos à sucessão presidencial do popular chefão Lula da Silva. Os governadores José Serra e Sérgio Cabral Filho exibiram novas provas de que só agem em função de seus interesses, ambições ou valores ideológicos pessoais, no mal trato das questões de segurança. Ora enxugam gelo, ora ordenam bobagens. Mas o tempo todo os dois abusam da politicagem para não resolver um problema que exige inteligência e bom senso públicos.
O descaso com a greve da Polícia Civil, que já dura mais de um mês em São Paulo, é mais que normal. Ontem, o presidente do Sindicato dos Investigadores, João Batista Rebouças Neto, avisou novamente que a greve não será suspensa para que o governador José Serra aceite negociar. A greve é política. Toda greve é. Agora, o governo paulista perde tempo na discussão inútil se o movimento tem conotação eleitoreira. Tal fato é secundário.
Na repercussão negativa da batalha campal entre policiais na quinta-feira, oito sindicatos grevistas que compõem a categoria da Polícia Civil de São Paulo se reuniram ontem com os presidentes de todas centrais sindicais, incluindo o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente da Força Sindical (PDT-SP), e o presidente nacional da CUT, Artur Henrique. Todos negaram a conotação político-eleitoral do movimento. E, para entornar o caldo de uma vez, Paulinho quer realizar neste sábado um encontro do presidente Lula com uma comissão formada pelos grevistas para que eles entreguem um documento relatando o confronto. Só falta Lula se meter onde não deveria ser chamado.
O caso do “sequestro de 100 horas” também teve o dedo da politicagem em seu desfecho. A assessoria de imprensa do Palácio dos Bandeirantes chegou a divulgar, no início da noite de ontem, que a adolescente Eloá Pimentel, de 15 anos, havia morrido após ser baleada pelo ex-namorado Lindemberg Alves, de 22 anos. A garota levou dois tiros, um na cabeça e um na virilha, depois de ficar mais de 100 horas em cárcere privado. Depois, a assessoria voltou a atrás, afirmando que a menina estava em coma, em estado gravíssimo.
A informação da morte de Eloá foi divulgada, segundo a assessoria de José Serra, porque haviam chegado informações da secretaria de Segurança Pública dando conta que Eloá havia morrido após dar entrada no Centro Hospitalar de Santo André. Mas segundo a assessoria do Palácio, a garota foi reanimada na sala de cirurgia. O Palácio dos Bandeirantes pediu desculpas à família da vítima pelo erro. Pena que não pediram desculpas pela intromissão política em um assunto que deveria ser policial. A intromissão deixa até uma dúvida: será que não veio ordem de cima para o tal “sequestro” acabar depressa?
Todo o desenrolar dos acontecimentos, até o desfecho previsivelmente trágico, foi um show de incompetência e atentado ao bom senso. Sempre que um caso acontece na periferia, e não na região nobre, as respostas geralmente são mais lentas. A Polícia deixou 1300 estudantes sem aula porque pegou emprestada a escola do lugar para servir de “centro de operações”. Precisava disto? Claro que não. A Polícia manteve o “sequestrador” bem alimentado, com comunicação fácil e em contato direto com a mídia que explorou o assunto em nome da velha audiência fácil de sempre. Precisava disto? Não! O caso só podia terminar conforme acabou.
Na insegurança do Rio de Janeiro, a incompetência oficial é velha conhecida. A inexistência de um aparato de segurança pessoal para o diretor do presídio Gabriel Ferreira Castilho (Bangu 3-B), José Roberto do Amaral Lourenço, alvejado na quinta-feira com cerca de 60 tiros, configura o descumprimento da resolução 007/2003 da própria Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP) em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública, que estabelece normas de proteção a diretores de unidades de segurança máxima.
Em nota oficial, o Governo do Estado do Rio de Janeiro reafirmou a sua posição de não recuar um milímetro na política de enfrentamento sem trégua da criminalidade no Rio de Janeiro. Repetindo o enxugamento de gelo de sempre, o governador Sérgio Cabral Filho assinou um decreto que estabelece que os diretores de Instituições Penais de Regime Fechado ficarão obrigados a utilizar carro de serviço blindado, coletes à prova de balas e escolta armada. O decreto foi assinado um dia após a execução do diretor de Bangu 3.
O Juiz da Vara de Execuções Penais, a pedido do Governo do Estado do Rio de Janeiro, determinou a transferência dos presos Adair Marlon Duarte, vulgo "Aldair da Mangueira", e Ronaldo Pinto Lima Silva, o "Ronaldinho Tabajara", do presídio Bangu III para o presídio federal de segurança máxima de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. A Justiça constatou fortes indícios do envolvimento dos ilustres margiranhas no assassinato do Diretor de Bangu 3.
Enquanto se muda o foco das discussões para os mal gerenciados fatos policiais, a opinião pública dá uma esquecida básica na “marolinha”, em cujas ondas recessivas vêm o desemprego e a desestruturação ainda maior do tecido social — colaborando ainda mais para o clima de insegurança e violência.
Fonte: Alerta Total - 18 Out 2008.
COMENTÁRIO: Comentar o que. O que havia para ser dito já o foi.
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