por Conceição Freitas
O mais incrível do Quartel-General do Exército não é que ele foi vítima de um assalto, que os ladrões fugiram com R$ 8 mil e deixaram um general imobilizado. O mais inacreditável do QG do Exército é que ele é obra de um arquiteto comunista. A segunda coisa mais incrível é que dentro da concha acústica dá pra brincar de eco, que nem menino. Alô!!!, você grita. Alôôôôôôôôô!!!, responde a voz gigante do outro lado. A terceira coisa mais incrível do incrível QG é a Praça dos Cristais, do outro lado da Avenida do Exército. Tão bela, tão esparramada e tão indiferente ao que um humano procura quando vai a uma praça.No meu gosto de leiga, o QG do Exército é das obras mais belas de Niemeyer. O comunista que projetou uma das mais belas igrejas já construída em todos os tempos desenhou um quartel-general para um governo militar no auge de sua demonstração de força, 1968. O mesmo Niemeyer que criou um palácio flutuante, o Alvorada, transparente como cabe a uma democracia, inventou um quartel-general com a solenidade majestática que a função exige.
Há algo de kremiliano no QG do Exército, mas, como me alertou Eduardo Rossetti, arquiteto e professor, é uma imponência menos suntuosa que o Pentágono, por exemplo. Rossetti me contou que o QG é obra da dupla Niemeyer e Lelé, o João Filgueiras Lima. Daí que os volumes são feitos de pré-moldados, a especialidade do Lelé. Rossetti também me chamou a atenção para o fato de o conjunto de 10 blocos do QG terem sido projetados numa escala monumental comedida. Os blocos não agridem a paisagem, não invadem o horizonte (como acontece, por exemplo, com o conjunto de escritórios ao lado da Torre de TV ou com o Centro de Convenções). São solenes e serenos.
Até mesmo o obelisco à frente do QG consegue ser discreto. De longe, das pedras portuguesas da praça de Burle Marx, dá pra ver o efeito que Niemeyer buscou: obelisco e cúpula formam a espada de Duque de Caxias. Poderia ser kitsch, ser militarista demais, mas o resultado é de uma beleza arquitetônica que escapa das fronteiras ideológicas.
Se o assalto foi uma ousadia de bom tamanho, pequenas ousadias têm sido cravadas na capa da concha acústica. Corações riscados com nome de apaixonados (Henrique e Ivana), de soldados, do Arraes (seria uma provocação?), do Pereira viado (com todo respeito, mas é assim que está escrito), e mais corações de enamorados, tudo riscado bem perto da constante vigilância que existe na concha.
A bela Praça dos Cristais foi recentemente reformada, mas o paisagismo de Burle Marx desapareceu quase por completo. No lugar das espécies brasileiras que o paisagista tão bem combinava, há arbustos que brotam como mato. As pedrinhas portuguesas, brancas e pretas, estão cobertas, em muitos pontos, por uma teimosa vegetação rasteira. Exceto em um canteiro protegido por grandes copas de árvores, rodeados pelos bancos compridos de Burle Marx, não há sombras, banquinhos, pipoqueiros, coretos, nada que convide à aproximação. A belíssima Praça dos Cristais enche os olhos e deixa vazio o corpo. O QG consegue ser mais acolhedor.
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