quinta-feira, 14 de maio de 2009

Carregadores Ficam Sem Bigode

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Em assembleia, a categoria decidiu acatar a proibição para se apresentar melhor no trabalho. Mas sindicato voltou atrás após polêmica e definição de que a regra é ilegal
Raphael Veleda
José Carlos Lima, 53 anos, trabalha carregando malas e caixas na Rodoferroviária de Brasília e, desde muito jovem, ostentou um volumoso bigode. Não ostenta mais porque, na última semana, o sindicato de sua categoria decidiu que ele e os colegas não poderiam mais exibir os pelos no rosto. A determinação veio em um pacote de medidas, estabelecido pela entidade, para melhorar a aparência dos trabalhadores, mas causou muita polêmica no terminal. Ontem, os sindicalistas voltaram atrás diante da clara ilegalidade da nova regra. Tarde demais, entretanto, para salvar o bigode de José Carlos e de alguns dos outros 40 carregadores que trabalham no local.
A polêmica começou na última assembleia da categoria, na semana passada, quando a diretoria colocou em pauta as novas normas, aprovadas pela maioria dos presentes.O objetivo sempre foi atender melhor a população”, garante o vice-presidente do Sindicato dos Carregadores da Rodoferroviária, Wilson dos Santos Barbosa. “Tem vários outros itens, como não fumar durante o atendimento, não usar fone de ouvido e celular. A questão do bigode é porque tinha gente chegando aqui muito desleixado, com cabelo desarrumado e barba por fazer”, completa ele, acrescentando que a categoria está se preparando para trabalhar na nova rodoviária que está sendo construída ao lado da estação do metrô do Park Shopping. A obra deve ficar pronta até o início do ano que vem.
José Carlos sequer votou contra as mudanças na assembleia, por saber que a maioria dos colegas aceitaria a sugestão. “Eu gosto de deixar o bigode, mas não é o tempo todo. Às vezes eu tiro mesmo porque dá vontade”, garante o carregador, que, pelo menos desta vez, foi obrigado a passar o barbeador no rosto.
A obrigação provocou a reação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Na última terça-feira, a agência comunicou ao sindicato que a medida é ilegal. Segundo o advogado Paulo Blair, especialista em direito do trabalho e professor da Universidade de Brasília, tal proibição só é aceitável no ambiente militar. “As Forças Armadas têm um código próprio de conduta, mas, fora de lá, obrigar alguém a tirar o bigode para trabalhar é proibido e inconstitucional”, garante ele. No caso dos carregadores, que são autônomos, o sindicato não pode desfiliar ou impedir ninguém de trabalhar por causa do bigode. Isso deve ser encarado, no máximo, como uma recomendação, jamais proibição, acrescenta.
Enquanto durou, a proibição ao bigode foi o principal assunto entre carregadores e usuários da Rodoferroviária. “Todo mundo achou estranho”, conta Nelson Antônio Caetano, 40, que também tirou o bigode, mas jura que não sofreu. “Eu também tenho há muito tempo, mas tiro de vez em quando”, conta. “Tirei agora porque ficou decidido. Mas, se puder, vou deixar crescer de novo”, completa ele.
Para muitos usuários da Rodoferroviária, no entanto, a questão do bigode tem pouca importância perto de outros problemas no local. “Me incomodo com o fedor que exala de várias partes, com a sujeira e com a falta de lugar para sentar”, garante o motorista Alessandro Régis Alves, 30, morador do Núcleo Bandeirante.

Fonte: Correio Braziliense - 14/05/09
COMENTO: O tom de pilhéria da notícia disfarçou uma observação importante. O ato é a mais clara manifestação da tão falada "ditadura do proletariado" aplicada em um âmbito micro. Desde quando "uma assembléia" tem autoridade para decidir algo que não está previsto em lei? Sob uma justificativa aparentemente justa (melhorar o atendimento) comete-se uma invasão totalmente ilegal no modo de vida individual, "legalizada" por uma "assembléia". É assim, com "coisas de menor importância" que "eles" iniciam o enquadramento de sua futura vítima, a sociedade como um todo.

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