O general cartaginês Aníbal Barca foi um dos grandes militares da antiguidade e, até hoje, é referência pelas táticas utilizadas em batalha.
por Julie Tsukada
Aníbal Barca foi um general cartaginês conhecido pela sua atuação durante a Segunda Guerra Púnica, conflito entre romanos e cartagineses que durou entre 264 e 146 aC. Grande estrategista, é considerado um dos principais militares da antiguidade. Filho do também general Amílcar Barca, Aníbal nasceu em 247 aC, em Cartago.
O território, antiga colônia dos fenícios, estava localizado na costa norte do continente africano, onde hoje está a Tunísia. Banhado pelo mar Mediterrâneo, era um local estratégico para importantes rotas comerciais da antiguidade, que se dirigiam à Espanha, Sardenha e Sicília.
Biografia
Desde cedo, Aníbal sabia que teria sua vida dedicada aos conflitos com os romanos. Segundo o historiador grego Polibio e o romano Tito Lívio, que são as duas principais fontes de informação sobre a vida do general, aos nove anos ele ouviu do pai que deveria, para sempre, odiar os romanos.
A explicação para tamanha antipatia vem do longo conflito de Cartago com Roma — as Guerras Púnicas.
O confronto teve início devido à rivalidade comercial que se desenvolveu entre as duas repúblicas. Antes, as duas eram aliadas, mas com o projeto de expansão romano e a disputa pela hegemonia das rotas, a relação que antes era amistosa se tornou hostil.
Teve, então, o início da Primeira Guerra Púnica. O conflito começou em 264 aC e só terminaria em 241 aC, com um resultado desolador para Amílcar, pai de Aníbal, general das tropas: 280 mil mortos e o controle dos romanos de parte do território de Cartago.
Com a morte de Amílcar no inverno de 229-228 aC, o genro do general, Asdrúbal, comanda o poder de Cartago até sua morte, em 221 aC, quando é assassinado por um celta. Com então 26 anos, Aníbal se torna o novo estadista cartaginês.
Nota: púnico, ou púnica, se refere a um dialeto semítico usado pelos cartagineses.
A vida como general
Logo após assumir o poder de Cartago, Aníbal começa a expansão dos territórios pela Espanha, onde conquista vários tribos espanholas. Em 219 aC, ele ataca Sagunto, uma cidade ibérica independente ao sul do rio Ebro, o que desestabiliza ainda mais as já abaladas relações com os romanos.
Isso ocorre porque segundo o tratado de Roma e Cartago após o fim da Primeira Guerra Púnica, o rio Ebro foi colocado como o limite norte da influência cartaginesa na Península Ibérica (região que engloba Portugal, Espanha, Gibraltar, Andorra e uma pequena fração do território da França).
Sagunto estava ao sul do rio, sendo então um território livre para ser conquistado. No entanto, os romanos possuíam relações amistosas com a cidade, e por tal amizade e pela proteção que lhe ofereciam, consideraram o ataque cartaginês como um ato de guerra. Assim, começa a Segunda Guerra Púnica, em 218 aC, que duraria até 201 aC.
Segunda Guerra Púnica
Estrategista, Aníbal passou o inverno de 219 e 218 aC em Cartagena, preparando-se para iniciar a guerra pela Itália, local que ele reconheceu como ser a maior força de Roma. Como a marinha não era o forte das tropas cartaginesas, a invasão pelo mar, mais curta, teve que ser deixada de lado. O general decidiu então realizar um feito até então impensável: cruzar a região dos Alpes para penetrar na Península Itálica.
Não seria uma tarefa fácil — os Alpes são uma região montanhosa, fria, com picos que permanecem nevados até mesmo no verão, mas Aníbal estava decidido. Deixou então seu irmão Asdrúbal a cargo de um exército na Espanha e partiu com milhares de homens para a fronteira entre os atuais territórios da França e Itália.
Estratégias
Aníbal sabia que era importante ter apoio para seu lado. Logo, para conquistar mais pessoas e encontrar menos resistência pelo caminho, ele colocava a si mesmo como um homem que iria liberar a população espanhola do controle romano.
Inovador, Aníbal trouxe um recurso bélico até então não visto na Europa: elefantes. Os animais eram utilizados antigamente pelos exércitos indígenas da Ásia, mas não pelos da Europa. A maior parte dos europeus nunca havia tido contato com esses animais. Por isso, rumores de como os bichos eram extremamente violentos e devoravam homens eram considerados verdade.
Aníbal se aproveitou dessa imagem errônea para psicologicamente aterrorizar os romanos. O exército cartaginês era menor, mas eles estavam com elefantes, que davam suporte à cavalaria. A ideia desse “comboio” chegando até Roma fazia com que os cartagineses fossem ainda mais temidos. Assim, graças ao medo, o general conquistava batalhas antes mesmo delas acontecerem.
Na marcha do exército cartaginês pelos Alpes, eles encontraram tribos hostis que entraram em conflito com os soldados. Em certas partes do caminho, não havia passagem, o que exigiu que eles mesmo as abrissem, com muita criatividade e artimanhas.
Existem teorias que apontam que para passar pelas rochas intransponíveis da cordilheira, eles queimavam troncos de árvore em cima dessas pedras e, em seguida, jogavam vinagre, para fazer com que elas esfarelassem. Outras já dizem que o exército cartaginês levava um reservatório de água gelada, que era jogada sobre as rochas após montarem uma fogueira. Assim, com o choque térmico, elas enfraqueciam e então, era possível atravessá-las.
Os romanos, por sua vez, não tinham a mínima ideia dos movimentos do exército de Aníbal. A ideia da travessia dos Alpes era tão absurda que eles sequer consideraram a possibilidade. Quando eles se deram conta de que sim, os cartagineses estavam atravessando a cordilheira de montanhas, o general Públio Cornélio Cipião (depois, o "Africano") foi enviado para interceptá-los.
O início das batalhas
Logo no primeiro confronto, a Batalha de Ticino, o exército cartaginês saiu vitorioso. Depois, veio a Batalha de Trébia, na qual Aníbal conquistou mais uma vitória.
Após Trébia, Aníbal se recolheu ao norte da Itália, onde começou a desenvolver os planos para a campanha da primavera. Lá, ele começou a desenvolver estratégias para evitar que fosse assassinado por espiões ou assassinos contratados pelos romanos que porventura pudessem estar em seu acampamento.
Segundo Polibio, Aníbal possuía uma série de perucas que o faziam parecer com um homem de uma idade diferente. Cada vez que ele as usava, o vestuário acompanhava a mudança.
Assim, ele se tornava difícil de reconhecer, tanto por aqueles que já o haviam visto brevemente, tanto por aqueles que o conheciam bem.
Com a chegada da primavera, era hora de outro confronto. Em 217 aC, o exército cartaginês derrota novamente o romano na Batalha do lago Trasímeno.
Roma decide então usar uma nova tática. Agora sob o comando do general Fábio Máximo, o exército romano evitava confrontos diretos, frente à frente — ele preferia utilizá-lo de forma a prevenir ataques ou a retirada do exército cartaginês da Itália. A estratégia, mais tarde, seria conhecida como “Protelador”.
Aníbal também tinha seus truques na manga. Conhecer o inimigo, o terreno de uma batalha e saber aproveitar os pontos fortes de seu exército, bem como também descobrir formas de compensar os (pontos) fracos, também demonstram porque o general foi um grande estrategista. O cerco duplo, por exemplo, tática na qual duas linhas ofensivas são organizadas em pontos diferentes, é criação do cartaginês.
A genialidade de Aníbal deu suas caras mais uma vez na retirada do exército cartaginês rumo a Canas. Cercados pelas tropas romanas, o general enganou o exército de Fábio com gado. Nos chifres dos animais capturados, os soldados colocaram tochas e as guiaram por uma colina próxima à vista dos romanos.
Achando que eram os cartagineses, os romanos seguiram até o local, onde foram surpreendidos por atiradores. A outra parte da tropa de Aníbal, experiente em manobras durante a noite, passou pelo caminho agora desprotegido e escapou com quase nenhuma perda. Partiram então para Canas, onde o general deu tempo para seus homens descansarem.
Batalha de Canas: a ascensão
Com a chegada de Aníbal e seu exército em Canas, os romanos enviaram os cônsules Lúcio Emílio Paulo e Caio Terêncio Varrão, junto a um batalhão com cerca de 50 mil homens. Os cartagineses estavam em desvantagem, com 40 mil soldados no exército e 10 mil na cavalaria.
As observações e planejamentos dariam frutos. Aníbal sabia que Varrão ansiava o confronto e achava que a batalha já estava ganha. Logo, o cônsul não inovaria na posição do exército romano, que entrou em formação tradicional, avançando em direção ao centro das linhas inimigas para quebrá-las.
Pareceu que a tática daria certo. Os cartagineses, posicionados de forma crescente, tinham a infantaria ligeira de Gauls na frente e centro e a infantaria pesada atrás deles. A cavalaria leve e a pesada ficaram nas asas (flancos). Quando a batalha teve início, o centro da formação cartaginesa começou a romper (recuo premeditado do centro do dispositivo), levando os romanos cada vez mais para dentro das linhas inimigas.
A infantaria ligeira, então, se moveu para os dois extremos da formação crescente, e a pesada avançou para a frente. A cavalaria cartaginesa, por sua vez, atacou a romana, e foi até a retaguarda do exército inimigo.
Os romanos, avançando e seguindo a tática tradicional, não se deram conta e acabaram em uma armadilha — o exército, por todos os lados, estava completamente cercado pelos cartagineses. Foram completamente aniquilados: 44 mil romanos morreram, enquanto as tropas de Aníbal perderam apenas seis mil homens. Esta foi uma das principais derrotas de Roma na história.
A nova estratégia romana
Depois da vitória triunfante na Batalha de Canas, todos esperaram que Aníbal invadiria Roma. A população, completamente desesperada, se mobilizou para defender a cidade. No entanto, Aníbal recuou. Suas tropas estavam exaustas e precisavam de reforços, como armas de cerco, necessárias para romper as muralhas romanas. A ajuda, no entanto, foi negada pelo Senado de Cartago.
“Você sabe como conquistar uma vitória, Aníbal Barca, mas não sabe como tirar proveito dela”.
A fala de Maharbal, comandante da cavalaria cartaginesa, resumiria bem o destino de Aníbal depois da Batalha de Canas. O general propõe um tratado de paz a Roma, que é rejeitado. A Segunda Guerra Púnica ainda não chegaria ao fim.
O exército de Aníbal se manteve no sul da Itália por mais algum tempo, sem confrontos diretos com Roma, que os evitava após Canas. Os romanos haviam aprendido sua lição e agora, monitoravam os movimentos dos cartagineses e fortaleciam suas alianças. Bloquearam o Mar Mediterrâneo e assim, lentamente, deixaram a tropa de Cartago isolada e enfraquecida, sem poder receber ajuda e outros recursos do território.
Nesse período, ascendia o general romano Públio Cipião — o Africano (o mesmo da batalha de Ticino). Um dos sobreviventes da Batalha de Canas, ele se voluntariou como comandante das tropas para a defesa de Roma contra Aníbal. Com um exército de 10 mil soldados e mil homens na cavalaria, ele partiu para encontrar o batalhão cartaginês.
Cipião x Cartago
Cipião e o exército romano começaram sua ofensiva pela Espanha, onde Asdrúbal, irmão de Aníbal, ainda continuava. A decisão foi tomada para prevenir que o exército cartaginês na Península Ibérica chegasse à Itália e reforçasse as tropas de Aníbal.
A estratégia de Cipião deu certo. Em 208 aC, ele derrotou Asdrúbal na Batalha de Bécula usando a mesma tática de Aníbal em Canas.
Com a conquista do general romano dos territórios de Cartago na Espanha, Asdrúbal percebeu que havia chegado a hora de se reunir com Aníbal. Ele e sua tropa tentaram fazer a mesma travessia do irmão, pelos Alpes, mas fracassaram — na Batalha do Rio Metauro, Asdrúbal foi derrotado e morto pelas tropas romanas de Cláudio Nero.
Cipião, depois de ter conquistado a Espanha, partiu rumo ao norte da África. Em 205 a.C, ele se aliou a Massinissa, rei da Númida, território localizado ao lado de Cártago. Depois, o general romano tomou a cidade cartaginesa de Utica e então, marchou até a capital Cartago.
Batalha de Zama e fim da Segunda Guerra Púnica
Com a aproximação dos romanos a Cartago, Aníbal e seu exército partiram da Itália para a terra natal. As duas tropas se encontraram em 202 a.C., na Batalha de Zama.
Aníbal não sabia quase nada sobre Cipião nem o havia enfrentado. O romano, por sua vez, estudou cuidadosamente as táticas do general cartaginês. Enquanto o exército de Aníbal usava uma posição horizontal e desta vez, contava com elefantes, o general de Roma posicionou suas tropas em linhas verticais, divididas em fileiras.
Quando o confronto começou, o batalhão de Aníbal atacou com os elefantes. Os romanos, em formação horizontal, não tiveram problemas — apenas se moveram para o lado, enquanto os animais corriam pelo espaço entre uma parte do batalhão e outra.
O feitiço virou contra o feiticeiro — o exército romano matou os treinadores dos elefantes e agora, comandava os animais, o que arrasou com o exército cartaginês. Aníbal sobreviveu, mas sua tropa foi derrotada. Chegava ao fim a Segunda Guerra Púnica.
Fuga e morte
Após a derrota de Zama, Aníbal aceitou uma posição como Chefe do Magistrado de Cartago, na qual atuou tão bem como quando era general. Com as reformas que deu início, a cidade pode pagar as multas impostas por Roma, criadas para enfraquecer o território.
O mesmo Senado, que havia recusado enviar ajuda para as tropas de Aníbal durante a Segunda Guerra Púnica, agora o denunciava à Roma. A alegação era de que ele estaria tentando fazer Cartago crescer para poder desafiar os romanos novamente.
Em Roma, Cipião foi acusado de simpatizar com Aníbal, perdoar este e liberá-lo mediante suborno. O general defendeu Aníbal como um homem de honra e impediu que os romanos enviassem uma delegação exigindo a prisão do cartaginês. Entretanto, Aníbal soube que teve sorte e que era uma questão de tempo até ele ser pego.
Aníbal partiu então para a Ásia menor, onde se tornou conselheiro do rei Antíoco III Magno, do Império Selêucida. Depois, ele foi nomeado almirante da marinha na guerra do território contra Rodes, aliado de Roma.
Com a derrota dos selêucidas, Aníbal fugiu para a corte do Rei Prúsias I, da Bitínia. Lá, ainda perseguido pelos romanos, decidiu tirar sua própria vida com um veneno que carregava dentro de um anel.
Antes de se suicidar, teria dito: “Libertemos Roma dos terrores que lhes causa um velho”.
Aníbal faleceu com 64 anos. Mesmo sem nunca ter ganhado uma guerra, ficou marcado na história por ser um dos grandes estrategistas e militares da antiguidade.
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