por Mariano Andrade
Em medicina, a falência múltipla de órgãos caracteriza um quadro clínico em que mais de um sistema vital para de funcionar adequadamente. Muitas vezes, a própria defesa do organismo torna o processo mais instável, dificultando o tratamento eficaz. Pacientes com falência múltipla de órgãos muitas vezes não têm prognóstico, é uma questão de tempo até virem a óbito. Praticamente, só lhes resta a fé.
Quando um paciente morre de falência múltipla de órgãos, não se pode ao certo afirmar qual sistema ou órgão foi responsável pelo desfecho final.
A eleição de Lula é a falência múltipla do Brasil.
Para combater um governo que não agradava a diversos setores da sociedade — vários deles alijados das benesses polpudas e imorais de outrora — o Brasil testemunhou uma subversão da realidade e uma relativização de conceitos que certamente atacará o país em diversos flancos. Quem se ilude quanto a isso nada mais é do que um tolo. O país não tem prognóstico.
Falência moral.
Somos a primeira nação do mundo a eleger um condenado e preso por corrupção para um cargo executivo. A honestidade deixou de ser uma condição essencial para o tratamento da coisa pública. O texto poderia parar aqui — trata-se de uma disfunção que leva à falência de outros valores. Quem aceita votar em Lula, aceita votar novamente em Sérgio Cabral e — dada nossa nova (des)ordem moral — provavelmente terá a chance de fazê-lo.
Várias gerações cresceram ouvindo a máxima de que “no Brasil, só pobre vai preso”, ou “no Brasil, a única coisa que dá cadeia é deixar de pagar pensão”. Tivemos o privilégio de ver isso mudar: cidadãos poderosos, ricos e influentes foram encarcerados, verdadeiras fortunas desviadas dos cofres públicos foram devolvidas. O país, finalmente, estava se tornando um império da lei.
Conseguimos a infeliz proeza de não só soltar os corruptos presos, para agora elegermos o chefe da quadrilha que, certamente, colocará em cargos estratégicos seus companheiros de crime. Ou alguém acredita que Lula virou um político probo ou que se aterá a indicações técnicas e apartidárias? Ao longo do mandato, muitos fantasmas aparecerão.
Lula jamais se desculpou pela corrupção da era PT — desculpas essas devidas mesmo com a fantasiosa narrativa do “eu não sabia” (lembram?). Os eleitores de Lula, quando indagados sobre corrupção, invariavelmente respondem com os “51 apartamentos de Bolsonaro” ou “as rachadinhas”. Esquivam-se do tema, preferindo relativizar os malfeitos. Há uma diferença, porém — Lula foi condenado por vinte juízes, Bolsonaro não. Ainda há a presunção da inocência no Brasil?
A moral da sociedade brasileira parou de funcionar. Aqui, o crime compensa.
Falência política.
Lula elegeu-se aliando-se a pessoas que ele odeia (e que o odeiam), a começar pelo vice Geraldo Alckmin, eterno antagonista ao PT.
Lula aliou-se a Tebet, uma oportunista descarada e cuja companheira de chapa o acusou de mandante de assassinato. A que ponto chegamos? Vale qualquer associação pelo poder.
Lula não apresentou nenhuma proposta — elegeu-se pela sua persona. Culto à personalidade historicamente termina em fracasso. Bolsonaro, por outro lado, perdeu a eleição devido à sua persona. A política brasileira se resume a isso: "gosto" ou "não gosto" do candidato. Pouco importa o que ele pretende fazer e o legado que deixará ao final do mandato. O eleitor se esquece de que personas mudam, mas o legado fica.
O país elegeu um ex-condenado por corrupção e deu a ele um cheque em branco. Que legado esperar?
Falência institucional.
"Eleição não se ganha, se toma". Essa fala de um ministro do STF já esgotaria o tema — a mais alta corte do país entende que as eleições não precisam ser limpas.
A autoridade eleitoral, por sua vez, é contrária ao aumento de transparência, vendendo a ideia esdrúxula de que temos a melhor tecnologia do mundo em sistemas de votação, definitiva e inviolável. Incrível não termos empresas tão grandes e poderosas como Apple, Samsung, Google, não? Num país onde tudo demora (apesar da auspiciosa digitalização da economia promovida nos últimos anos), somos capazes de "apurar" 120 milhões de votos em 3 horas. A eleição poderia passar a acontecer no dia 1º de abril.
A cruzada contra Jair Bolsonaro destruiu a separação de poderes — vimos o judiciário legislar livremente, sem qualquer questionamento do parlamento. Que democracia é essa? Com um parlamento de centro-direita, alguém tem dúvida de que o STF seguirá interferindo no processo legislativo?
Lula indicará dois ministros do STF nesse mandato. Alguma dúvida de que serão amigos, com os quais volta e meia Lula troca tapinhas no rosto? Gente da pior espécie, gente que coloca favores, persona e lealdade política acima dos valores institucionais.
Falência da ordem.
A pauta de Lula e seus aliados contém temas como descriminalizar pequenos delitos e outros afins. Claro, a chapa contou com apoio maciço e explícito de organizações criminosas.
A Califórnia, estado dos mais ricos dos EUA, descriminalizou shoplifting (pequenos furtos no varejo) há alguns anos. Resultado — várias empresas fecharam suas lojas e demitiram funcionários. É exatamente o que nos espera, uma "violência do bem" destruindo a economia e o emprego.
Isso sem falar na "violência do mal", aquela que vem por atacado.
Falência sucessória.
Em 40 anos de política, Lula não formou nenhum líder para sucedê-lo. Quem pensa que, depois de 4 anos, passará o bastão a Alckmin deve morar em outra galáxia. Se sua saúde lhe permitir, Lula concorrerá à reeleição em 2026 e, provavelmente, sem Alckmin na chapa.
E, assim sendo, não escaparemos de mais uma campanha lamentável, dominada pelas personas e pelo populismo. Para um povo de pouca instrução como o nosso, não há chance de um candidato técnico e com agenda propositiva (Tarcísio ou Zema) competir com uma figura como Lula. Lula é capaz de mentir fragorosamente em campanha, de prometer picanha, cerveja, pão e circo — a receita para atrair um adversário também populista para a contenda.
No mínimo, há que se admitir que Bolsonaro seria o “waze eleitoral”, o caminho mais rápido para termos alguma chance de, em 2026, escapar da polarização que tanto emburrece. Carisma não se transmite, e os líderes forjados por Bolsonaro não gozam do mesmo carisma que ele. Portanto, só uma persona (Bolsonaro de novo?) poderá fazer frente a Lula da Silva.
Por segurança, Lula tratará de manter o “nós contra eles”, de infernizar a vida dos estados governados por opositores e de tentar poluir a agenda política com caças às bruxas. Tudo para evitar o surgimento ou consolidação de novas lideranças.
Falência jurídica.
O sistema judiciário do Brasil foi desmontado para que Lula pudesse concorrer à presidência. Os processos, julgamentos e decisões de um sem-número de juízes foram simplesmente rasgados. Como podemos esperar doravante uma sociedade onde todos são iguais perante a lei?
Há alguns anos, Lula já havia afirmado que Sarney não era um homem comum perante a lei. Lula não acredita no império da lei, nunca foi um conceito que lhe agradasse, afinal é um ególatra que espera que a lei se molde à sua conveniência. Agora, powered by STF, Lula é a lei, e assim será.
Falência administrativa.
A eleição de Lula vai custar caro para a sociedade brasileira. Lula deve favor para muita gente — TSE, STF, partidos, políticos, banqueiros, e outros “democratas”. Quem espera que o governo Lula seja pautado por indicações técnicas pode voltar para Marte.
A cartilha petista é indicar para cargos importantes os “companheiros” derrotados nas urnas. Então, teremos que engolir figuras como Fernando Haddad, Olívio Dutra e outras tantas que causam náuseas e para as quais o eleitor já disse "não!". Exagero? Quem foi o primeiro presidente da Petrobrás da era Lula? José Eduardo Dutra, então recém-derrotado na eleição para o governo do Sergipe.
Com indicações políticas, a chance de termos melhoria nos serviços públicos é nula. Também não esperem um ambiente acolhedor para investimentos privados, teremos gente medíocre em todos os escalões, incapazes de inovar e promover as alavancas do crescimento.
Falência federativa.
O Nordeste foi instrumental para a eleição de Lula. Trata-se de uma região pobre justamente por ser governada majoritariamente por partidos de esquerda desde a redemocratização, e, com isso, fadada a nunca realizar seu potencial econômico. A região produz pouco e tem muitos eleitores, uma receita perfeita para o clientelismo e a servidão — terreno perfeito para provar empiricamente as teorias de Hayek.
O Nordeste jamais terá progresso com Lula ou outro governo de esquerda, pois ali reside sua possibilidade de se perpetuar no poder, não sem custar aos cofres públicos obras populistas, transferências de renda eleitoreiras e outros movimentos bem conhecidos. Ocorre que os estados que geram mais riqueza têm legitimidade para questionar essa equação: afinal, para que trabalhar e produzir, se os tributos são revertidos para benefícios (de curto prazo e populistas, majoritariamente) de outrem?
A União Europeia está sendo desmantelada justamente pela disparidade dos países-membros. Os alemães não querem mais financiar a Grécia, tal qual SP em algum momento não concordará em bancar o clientelismo nordestino.
Alguns preferem o caminho do progresso, outros trilham (ou são obrigados a trilhar) o caminho da servidão. Essas agendas tão díspares são incompatíveis numa união federativa.
Falência informacional.
Lula acredita no controle da mídia — falou sobre o assunto sem nenhuma censura (oops) durante a campanha. A grande mídia espera voltar a mamar nas tetas do estado e, claro, dará a contrapartida de noticiário favorável ao governo.
É daí para pior. Durante o processo eleitoral, testemunhamos uma censura descarada, inclusive com prerrogativas censoras ex-ante, virou minority report. Para tanto, contou-se com o voto lamentável de uma ministra do STF, “eu sei que está errado, eu sei que é ilegal, mas vou aprovar”, um momento singularmente trágico para nossa história.
Durante o governo "fascista" de Bolsonaro, os “artistas” puderam postar imagens do presidente num caixão com flores, ou montagem de um jogo de futebol onde a bola era a cabeça do presidente. Um jornalista desejou publicamente a morte de Bolsonaro quando o presidente contraiu covid-19. Bolsonaro é o fascista mais incompetente da História, pois deixou a sociedade falar mal à vontade. Pior: deixou haver eleições livres, vejam só!
Já os “democratas” das altas cortes pensam diferente. Prendem quem posta comentários negativos sobre eles, invadem contas de celular e por aí vai. Abusam do poder que têm e do que não têm, não tendo nenhuma censura (oops) em legislar amiúde. Ah, e nada de eleições justas.
Essa será a tônica do governo Lula: adeus informação, adeus contraditório, adeus liberdade de expressão. Virá aos poucos, para ninguém perceber. Quando a sociedade se der conta, a água já estará fervendo.
Falência internacional.
Os fanfarrões Macron, Di Caprio, Mark Ruffalo e outros dementes hipócritas vão comemorar a vitória de Lula. O senil Biden, se lograr compreender o que se passa, também. Porém confundir confete e serpentina com respeito e relevância internacionais é uma infantilidade descomunal.
Lula é um despreparado, capaz de declarar que a guerra da Ucrânia se resolve com cerveja (precisa da picanha acompanhando?). Só isso já bastaria para desacreditá-lo internacionalmente — desrespeita interlocutores que buscaram a paz antes de o conflito ser deflagrado, desrespeita jovens que vão lutar na guerra, desrespeita os mortos e seus familiares. Um ultraje.
Mas Lula é ainda pior: é o "idiota útil" modelo exportação. Lula jamais admitiu o erro de apoiar o chavismo, regime ditatorial que destruiu o país outrora mais rico da América do Sul. Lula jamais se furtou a enaltecer Cuba, algo incompatível com prezar pela democracia. Nos mandatos anteriores, Lula simpatizava com o Irã e o Estado Islâmico, aquele que decapitava jornalistas ocidentais. A Nicarágua parece ser a queridinha da vez. Beijar a mão de ditadores e ter respeito internacional são situações mutuamente excludentes.
"Ah, mas teremos Meirelles". Irrelevante — pode ser Dilma ou Mantega também, o destino é o mesmo, só muda a velocidade. O investidor internacional vai capturar o relief rally, se houver, e depois vai destinar o capital para jurisdições onde a propriedade privada e a lei sejam respeitadas.
A lista é longa, há outras tantas falências que contratamos para a sociedade brasileira ao eleger Lula da Silva. Quando o país finalmente morrer, não saberemos qual “órgão” foi responsável pelo último suspiro, mas saberemos qual foi o molusco causador. Só nos resta a fé.
Fonte: Contraponto
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