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SEQUESTROS, COM LETRA E SANGUE
Ofende às vítimas saber que as FARC falam ante a JEP de "retenções".
Como se fosse pouco para um ser humano estar meses ou anos acorrentado, humilhado.
A reparação também é moral.
A reparação também é moral.
Os discursos justificatórios das FARC, agora Partido FARC, minimizando as atrocidades cometidas por seus guerrilheiros enquanto estiveram imersos no conflito armado contra o Estado colombiano, não conhecem limites.
Ofende a centenas de milhares de vitimas seu discurso nas audiências da JEP (Jurisdição Especial de Paz) “suavizando” o teor humilhante e desumano de seus crimes.
Ofende a centenas de milhares de vitimas seu discurso nas audiências da JEP (Jurisdição Especial de Paz) “suavizando” o teor humilhante e desumano de seus crimes.
Denominar “retenções” a sequestros que demoraram meses e anos, dos quais muitas vitimas nunca regressaram ou após os quais suas vidas foram afundadas em traumas e recordações de horrores é mais um dos malabarismos verbais que se chocam contra a necessidade, e a obrigação — segundo os acordos firmados com o Estado —, de dizer a verdade, de garantir a não repetição e de reparar não só economicamente mas também moralmente a esteira de vitimas que deixaram.
O idioma e suas acepções oferecem claridade: uma retenção talvez poderia aludir a que um dos bandos de uma confrontação prive da liberdade transitoriamente a civis em circunstancias de combate, de hostilidade, de comprovação de informações de Inteligencia, mas os sequestros das FARC contra diferentes personalidades do país fizeram parte de uma rede de cálculos criminais de intimidação da sociedade, de crueldade, de ostentação de “poder” e humilhação aos cidadãos, que se prolongaram com implacável desprezo pela vida e a humanidade.
Nos acordos de Havana com as FARC, assim como na sua evolução normativa, os compromissos da ex-guerrilha são claros: incluem a não re-vitimização. Se os reincorporados não os cumprirem, podem ter revogados os múltiplos benefícios jurídicos concedidos.
Por sua parte, a Jurisdição Especial de Paz (JEP) não é espectadora passiva do que queiram indigitar os responsáveis de crimes tão cruéis como o sequestro. Embora em uma primeira etapa processual devam ser registrados os testemunhos, chegará o momento em que devem valorar, contrastar, contra-interrogar, questionar e, finalmente, julgar. Julgar com a lei nas mãos, com as definições precisas sob as quais as normas tipificam os crimes de guerra e delitos de lesa humanidade.
A carta da líder política Ingrid Betancur para a JEP retrata essa indignação, em dupla via: a primeira, porque se inteirou das categorias e do relato manipulado dos ex-combatentes, nas audiências, por versões dos meios de comunicação, não dos magistrados e do sistema de justiça transicional.
O segundo, que é o mais profundo e que é a substância deste editorial, porque a historia de sofrimento e ignominia que padeceram as vitimas dessa guerrilha, em especial os sequestrados (hoje vivos ou mortos), pode ser enterrada e seus efeitos jurídicos e judiciais diluídos no esquecimento e na impunidade.
Varias linhas da carta de Íngrid descrevem a surpresa e o mal estar: “O agrilhoamento era parte de sua obsessão com o castigo para nos quebrar psicologicamente (...) Se apropriaram de minha vida, de meu tempo familiar e laboral (...) para me usar como escudo militar, moeda de troca e plataforma midiática”. Por isso, adverte ela com razão que “perdão não é esquecimento. Tampouco é impunidade”.
Se o Partido FARC e os desmobilizados pretendem se insertar realmente na vida do país, e na civilidade, deverão entender que sua aceitação não significa esquecimento nem este relato lânguido e eufemístico de suas atrocidades.
Fonte: tradução livre de El Colombiano
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